Eram dela aquele olhar angelical, aqueles olhos grandes, suaves, covinhas nas faces e a boca de uma doçura infantil que expressa a rara união de felicidade e amor. A admiração primeiro me possuiu. Ela é minha! Essa foi a segunda vaidosa emoção, e meus lábios se torceram com arrogante triunfo. Eu não teria sido o queridinho mimado das beldades da França se não tivesse aprendido a arte de agradar o vulnerável coração feminino. Se, em relação aos homens, eu era soberbo, a deferência que prestava a elas era mais do que um contraste. Iniciei minha corte com a exibição de mil galanteios a Juliet, que, prometida a mim desde a infância, jamais aceitara a devoção de outros e que, embora acostumada a expressões de admiração, era inexperiente na linguagem dos amantes.
Por alguns dias, tudo foi bem. Torella nunca se referia à minha extravagância; tratava-me como a um filho favorito. Mas chegou o momento, ao discutirmos as preliminares de minha união com sua filha, em que o belo aspecto das coisas seria obscurecido. Um contrato fora assinado na época de meu pai. Eu, de fato, o tinha tornado nulo, tendo em vista que dissipara toda a fortuna que deveria ser dividida entre mim e Juliet. Torella, consequentemente, optou por considerar esse vínculo cancelado e propôs outro, no qual, embora a riqueza que ele concedia tivesse sido incomensuravelmente aumentada, havia tantas restrições ao modo de gastá-la que eu, que via independência apenas na carreira livre que fora dada à minha própria vontade imperiosa, insultei-o por tirar vantagem de minha situação e recusei-me terminantemente a subscrever suas condições.
O ancião, compassivamente, tentou me chamar à razão. O orgulho inflamado tornou-se o tirano de meus pensamentos: ouvi-o com indignação, rechacei-o com desdém.
– Juliet, tu és minha! Não trocamos juras em nossa inocente infância? Não somos um só aos olhos de Deus? E teu pai, de coração frio e sangue frio, nos separará? Sê generosa, meu amor, sê justa; não leves embora uma dádiva, o último tesouro do teu Guido; não desdigas tuas juras; vamos desafiar o mundo, reduzir a nada os problemas do momento e encontrar em nosso afeto mútuo um refúgio para cada aflição.
Um demônio eu devo ter sido com tal sofisma para me empenhar em envenenar aquele santuário de pensamento sagrado e afeiçoado amor. Juliet se retraiu diante de mim, amedrontada. Seu pai era o melhor e mais amável dos homens, e ela se empenhou em me mostrar como, obedecendo a ele, tudo de bom se seguiria. Ele receberia minha relutante submissão com cálido afeto; e generoso perdão se seguiria ao meu arrependimento. Palavras inúteis de uma jovem e meiga filha ditas a um homem acostumado a tornar sua vontade em lei e a sentir no próprio coração um tirano tão terrível e severo que a nada prestaria obediência, a não ser aos próprios desejos imperiosos!
Meu ressentimento cresceu com a resistência dela; meus indômitos companheiros estavam prontos para jogar combustível nas chamas. Imaginamos um plano para sequestrar Juliet. A princípio, pareceu coroado de sucesso. A meio caminho, no nosso retorno, fomos alcançados pelo pai agoniado e seus criados. Um combate se seguiu. Antes de a guarda da cidade chegar para decidir a vitória para nossos antagonistas, dois dos servidores de Torella foram gravemente feridos.
Essa parte de minha história pesa muito mais intensamente em mim. Um homem mudado como sou abomina essa lembrança. Que ninguém que ouça esta história jamais tenha se sentido como eu. Um cavalo levado à fúria por um cavaleiro dotado de esporas farpadas não seria mais escravo do que eu era da violenta tirania do meu temperamento. Um demônio se apossou de minha alma, irritando-a até à loucura. Senti dentro de mim a voz da consciência, mas, se cedi a ela, foi por um breve período, o momento após ser levado embora como por um redemoinho, conduzido ao longo da torrente da ira desesperada, joguete das tempestades geradas pelo orgulho. Fui preso e, por instância de Torella, libertado. Novamente voltei para levar ambos, ele e a filha, para a França; esse país infeliz, na ocasião vítima de flibusteiros e quadrilhas de soldados fora da lei, oferecia grato refúgio a um criminoso como eu. Nossos planos foram descobertos. Fui sentenciado ao desterro; e, visto que minhas dívidas já eram enormes, minha propriedade remanescente foi colocada nas mãos de encarregados do pagamento.
Torella novamente ofereceu sua mediação, exigindo apenas a minha promessa de não renovar minhas malogradas tentativas contra ele e sua filha.
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