- Que desejam?

Disseram o que queriam e aproximaram-se. A moça gritou para o interior da casa:

- Vovó estão aí dous “moços” que querem falar com a senhora. Entrem, façam o favor - disse ela depois, dirigindo-se ao general e ao seu companheiro.

A sala era pequena e de telha-vã. Pelas paredes, velhos cromos de folhinhas, registros de santos, recortes de ilustrações de jornais baralhavam-se e subiam por elas acima até dous terços da altura. Ao lado de uma Nossa Senhora da Penha, havia um retrato de Vítor Emanuel com enormes bigodes em desordem; um cromo sentimental de folhinha - uma cabeça de mulher em posição de sonho - parecia olhar um São João Batista ao lado. No alto da porta que levava ao interior da casa, uma lamparina, numa cantoneira, enchia de fuligem a Conceição de louça. Não tardou vir a velha. Entrou em camisa de bicos de rendas, mostrando o peito descarnado, enfeitado com um colar de miçangas de duas voltas. Capengava de um pé e parecia querer ajudar a marcha, com a mão esquerda pousada na perna correspondente.

- Boas-tardes, tia Maria Rita, disse o general.

Ela respondeu, mas não deu mostras de ter reconhecido quem lhe falava. O general atalhou:

- Não me conhece mais? Sou o General, o Coronel Albernaz.

- Ah! É sô coroné!... Há quanto tempo! Como está nhã Maricota?

- Vai bem. Minha velha, nós queríamos que você nos ensinasse umas cantigas.

- Quem sou eu, ioiô!

- Ora! Vamos, tia Maria Rita... você não perde nada... você não sabe o “Bumba-meu-Boi”?

- Quá, ioiô, já mi esqueceu.

- E o “Boi Espácio”?

- Cousa véia, do tempo do cativeiro - pra que sô coroné qué sabê disso?

Ela falava arrastando as sílabas, com um doce sorriso e um olhar vago.

- É para uma festa... Qual é a que você sabe?

A neta que até ali ouvia calada a conversa animou-se a dizer alguma cousa, deixando perceber rapidamente a fiada reluzente de seus dentes imaculados:

- Vovó já não se lembra.

O general, que a velha chamava coronel, por tê-lo conhecido nesse posto, não atendeu a observação da moça e insistiu:

- Qual esquecida, o quê! Deve saber ainda alguma cousa, não é, titia?

- Só sei o “Bicho Tutu”, disse a velha.

- Cante lá!

- Ioiô sabe! Não sabe? Quá, sabe!

- Não sei, cante. Se eu soubesse não vinha aqui. Pergunte aqui ao meu amigo, o Major Policarpo, se sei.

Quaresma fez com a cabeça sinal afirmativo e a preta velha, talvez com grandes saudades do tempo em que era escrava e ama de alguma grande casa, farta e rica, ergueu a cabeça, como para melhor recordar-se, e entoou:

É vem tutu

Por detrás do murundu

Pra cumê sinhozinho

Cum bucado de angu.

11

- Ora! Fez o general com enfado, isso é cousa antiga de embalar crianças. Você não sabe outra?

- Não, sinhô. Já mi esqueceu.