- Vamos ver.

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Dizendo isto, foi desencapotar o seu sagrado violão; mas não houve tempo. Dona Adelaide, a irmã

de Quaresma, entrou e convidou-os a irem jantar. A sopa já esfriava na mesa, que fossem!

- O Senhor Ricardo há de nos desculpar, disse a velha senhora, a pobreza do nosso jantar. Eu lhe quis fazer um frango com petit-pois, mas Policarpo não deixou. Disse-me que esse tal petit-pois é

estrangeiro e que eu o substituísse por guando. Onde é que se viu frango com guando?

Coração dos Outros aventou que talvez fosse bom, seria uma novidade e não fazia mal experimentar.

- É uma mania de seu amigo, Senhor Ricardo, esta de só querer cousas nacionais, e a gente tem que ingerir cada droga, chi!

- Qual, Adelaide, você tem certas ojerizas! A nossa terra, que tem todos os climas do mundo, é

capaz de produzir tudo que é necessário para o estômago mais exigente. Você é que deu para implicar.

- Exemplo: a manteiga que fica logo rançosa.

- É porque é de leite, se fosse como essas estrangeiras aí, fabricadas com gorduras de esgotos, talvez não se estragasse... É isto, Ricardo! Não querem nada da nossa terra...

- Em geral é assim, disse Ricardo.

- Mas é um erro... Não protegem as indústrias nacionais... Comigo não há disso: de tudo que há

nacional, eu não uso estrangeiro. Visto-me com pano nacional, calço botas nacionais e assim por diante.

Sentaram-se à mesa. Quaresma agarrou uma pequena garrafa de cristal e serviu dous cálices de parati.

- É do programa nacional, fez a irmã, sorrindo.

- Decerto, e é um magnífico aperitivo. Esses vermutes por aí, drogas! Isto é álcool puro, bom, de cana, não é de batatas ou milho...

Ricardo agarrou o cálice com delicadeza e respeito, levou-o aos lábios e foi como se todo ele bebesse o licor nacional.

- Está bom, hein? indagou o major.

- Magnífico, fez Ricardo, estalando os lábios.

- É de Angra. Agora tu vais ver que magnífico vinho do Rio Grande temos... Qual Borgonha! Qual Bordeaux! Temos no Sul muito melhores...

E o jantar correu assim, nesse tom. Quaresma exaltando os produtos nacionais: a banha, o toucinho e o arroz; a irmã fazia pequenas objeções e Ricardo dizia: “é, é, não há dúvida”-rolando nas órbitas os olhos pequenos, franzindo a testa diminuta que se sumia no cabelo áspero, forçando muito a sua fisionomia miúda e dura a adquirir uma expressão sincera de delicadeza e satisfação.