Acabado o jantar foram ver o jardim. Era uma maravilha; não tinha nem uma flor... Certamente não se podia tomar por tal míseros beijos-de-frade, palmas-de-santa-rita, quaresmas lutulentas, manacás melancólicos e outros belos exemplares dos nossos campos e prados. Como em tudo o mais, o major era em jardinagem essencialmente nacional. Nada de rosas, de crisântemos, de magnólias - flores exóticas; as nossas terras tinham outras mais belas, mais expressivas, mais olentes, como aquelas que ele tinha ali.
Ricardo ainda uma vez concordou e os dous entraram na sala, quando o crepúsculo vinha devagar, muito vagaroso e lento, como se fosse um longo adeus saudoso do sol ao deixar a terra, pondo nas cousas a sua poesia dolente e a sua deliqüescência.
Mal foi aceso o gás, o mestre de violão empunhou o instrumento, apertou as cravelhas, correu a escala, abaixando-se sobre ele como se o quisesse beijar. Tirou alguns acordes, para experimentar; e dirigiu-se ao discípulo, que já tinha o seu em posição:
- Vamos ver. Tire a escala, major.
Quaresma preparou os dedos, afinou a viola, mas não havia na sua execução nem a firmeza, nem o dengue com que o mestre fazia a mesma operação.
- Olhe, major, é assim.
7
E mostrava a posição do instrumento, indo do colo ao braço esquerdo estendido, seguro levemente pelo direito; e em seguida acrescentou:
- Major, o violão é o instrumento da paixão. Precisa de peito para falar... É preciso encostá-lo, mas encostá-lo com macieza e amor, como se fosse a amada, a noiva, para que diga o que sentimos... Diante do violão, Ricardo ficava loquaz, cheio de sentenças, todo ele fremindo de paixão pelo instrumento desprezado.
A lição durou uns cinqüenta minutos. O major sentiu-se cansado e pediu que o mestre cantasse. Era a primeira vez que Quaresma lhe fazia esse pedido; embora lisonjeado, quis a vaidade profissional que ele, a princípio, se negasse.
- Oh! Não tenho nada novo, uma composição minha.
Dona Adelaide obtemperou então:
- Cante uma de outro.
- Oh! Por Deus, minha senhora! Eu só canto as minhas. O Bilac - conhecem? - quis fazer-me uma modinha, eu não aceitei; você não entende de violão, “seu” Bilac. A questão não está em escrever uns versos certos que digam cousas bonitas; o essencial é achar-se as palavras que o violão pede e deseja. Por exemplo: se eu dissesse, como em começo quis, n’ “O Pé” uma modinha minha: “o teu pé é uma folha de trevo” - não ia com o violão. Querem ver?
E ensaiou em voz baixa, acompanhado pelo instrumento: o - teu - pé - é - uma - fo - lha - de - tre - vo.
- Vejam, continuou ele, como não dá. Agora reparem: o - teu - pé - é - uma - uma - ro - sa - de - mir
- ra. É outra cousa, não acham?
- Não há dúvida, disse a irmã de Quaresma.
- Cante esta, convidou o major.
- Não, objetou Ricardo.
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