Duas cartas: uma endereçada a E. J. Drebber e outra a Joseph Stangerson.
– Para que endereço?
– Agência de Correio Americana... para ser guardada até que a venham buscar. As duas são de Guion Steamship Company, e se referem à partida de seus navios de Liverpool. É claro que este pobre homem estava prestes a retornar para Nova York.
– Vocês investigaram a respeito desse homem, Stangerson?
– Imediatamente, senhor – disse Gregson. – Mandei pôr um aviso em todos os jornais, e um de meus homens foi à Agência de Correio Americana, mas ainda não voltou.
– Entraram em contato com Cleveland?
– Telegrafamos hoje de manhã.
– Como foi que formulou as suas perguntas?
– Apenas detalhamos as circunstâncias e dissemos que gostaríamos de ter qualquer informação que nos pudesse ser útil.
– Não pediu nenhum detalhe especial sobre algum ponto que lhe parecesse crucial?
– Perguntei sobre Stangerson.
– Nada mais? Não há nenhuma circunstância em torno da qual todo este caso parece girar? Não vai telegrafar de novo?
– Já disse tudo o que tenho a dizer – disse Gregson com uma voz ofendida.
Sherlock Holmes riu com seus botões e parecia prestes a fazer um comentário, quando Lestrade, que estivera na sala da frente enquanto mantínhamos essa conversa no saguão, reapareceu em cena, esfregando as mãos de um modo pomposo e convencido.
– Sr. Gregson – disse – acabei de fazer uma descoberta da maior importância, um dado que teria sido negligenciado, se eu não tivesse feito um exame cuidadoso das paredes.
Os olhos do homenzinho cintilavam enquanto falava, e ele estava evidentemente num estado de júbilo reprimido por ter marcado um ponto contra o seu colega.
– Venham cá – disse voltando afobado para a sala, cuja atmosfera parecia mais clara depois da retirada de seu medonho habitante. – Agora, fiquem de pé ali!
Acendeu um fósforo na sua bota e levantou-o contra a parede.
– Vejam! – disse triunfantemente.
Já observei que o papel se despedaçara em alguns lugares. Naquele canto específico da sala, um grande pedaço se descolara, deixando um quadrado amarelo de reboco grosseiro. Nesse espaço vazio, via-se rabiscada com letras de sangue vermelho uma única palavra...
RACHE
– O que acham disso? – gritou o detetive, com o ar de um artista apresentando o seu número. – O detalhe passou despercebido, porque estava no canto mais escuro da sala, e ninguém pensou em examiná-lo. O assassino escreveu a palavra com seu próprio sangue. Vejam o borrão onde o sangue escorreu pela parede! Isso afasta a ideia de suicídio. Por que o assassino escolheu este canto para escrever a sua mensagem? Vou lhes dizer. Estão vendo aquela vela sobre o consolo da lareira? Estava acesa então, e se estava acesa, este canto seria a parte mais clara, e não a mais escura, da parede.
– E o que a palavra significa, agora que você a descobriu? – perguntou Gregson com uma voz depreciativa.
– Significa? Ora, significa que o autor ia escrever o nome feminino Rachel, mas foi interrompido antes de ter tempo de acabar a palavra. Prestem atenção nas minhas palavras, quando esse caso vier a ser esclarecido vai-se descobrir que uma mulher chamada Rachel está metida na trama. Pode rir, sr. Sherlock Holmes. O senhor pode ser muito esperto e inteligente, mas, no final da história, o velho cão de caça é que é o melhor.
– Por favor, me perdoe! – disse meu companheiro, que irritara o homenzinho ao cair numa gargalhada estrondosa. – Você certamente tem o crédito de ser o primeiro de nós a descobrir esta mensagem e, como diz, ela tem todo o jeito de ter sido escrita pelo outro participante no mistério da noite passada. Ainda não tive tempo de examinar esta sala, mas, com a sua permissão, é o que farei agora.
Enquanto falava, Holmes tirou uma trena e uma grande lente redonda do bolso. Com esses dois instrumentos, andou silenciosamente pela sala, ora parando, ora se ajoelhando, e uma vez deitando-se no chão. Tão absorvido estava no seu exame que parecia ter esquecido a nossa presença, pois sussurrava com os seus botões o tempo todo, produzindo uma saraivada de exclamações, gemidos, assobios e gritinhos que sugeriam encorajamento e esperança. Ao observá-lo, vinha-me irresistivelmente a imagem de um cão de caça puro-sangue bem treinado, quando se lança para cima e para baixo, ganindo de ansiedade, até encontrar o rastro perdido. Durante uns vinte minutos ou mais, ele continuou a sua pesquisa, medindo com o maior cuidado a distância entre dois pontos que me eram inteiramente invisíveis, e de vez em quando aplicando a sua fita nas paredes de um modo igualmente incompreensível. Em certo lugar, juntou com muito cuidado um montinho de pó cinzento do chão, e guardou-o num envelope. Finalmente, examinou com a lente a palavra na parede, percorrendo cada uma de suas letras com a exatidão mais pormenorizada. Feito isso, deu a impressão de estar satisfeito, pois recolocou a fita e a lente no bolso.
– Dizem que o gênio é a capacidade infinita de se esforçar – observou com um sorriso. – É uma definição muito ruim, mas se aplica certamente ao trabalho de detetive.
Gregson e Lestrade tinham observado as manobras de seu colega amador com bastante curiosidade e um pouco de desprezo.
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