Isso o incomodaria?

– De modo algum.

– Deixe-me ver... quais são os meus outros defeitos. Às vezes fico deprimido e não abro a boca por dias a fio. Não deve pensar que estou emburrado, quando me comportar desse jeito. Apenas deixe-me em paz, e logo voltarei ao normal. O que você tem a confessar? É bom que dois sujeitos conheçam os piores defeitos um do outro, antes de começarem a morar juntos.

Ri com esse interrogatório.

– Tenho um revólver – disse –, não gosto de muita agitação porque tenho os nervos em frangalhos, levanto-me tarde e sou extremamente preguiçoso. Tenho outros tipos de vícios quando estou bem, mas esses são os principais no momento.

– Você inclui tocar violino na sua categoria de agitação? – perguntou ansiosamente.

– Depende do instrumentista – respondi. – Um violino bem tocado é um manjar dos deuses... Agora, um mal tocado...

– Oh, então está bem – gritou, com um riso alegre. – Acho que podemos considerar o negócio fechado... isto é, se os aposentos lhe agradarem.

– Quando os veremos?

– Encontre-me aqui amanhã ao meio-dia, e iremos juntos acertar tudo – respondeu.

– Está bem... ao meio-dia em ponto – disse eu, apertando sua mão.

Nós o deixamos trabalhando entre seus produtos químicos, e caminhamos juntos para o meu hotel.

– A propósito – perguntei de repente, parando e virando-me para Stamford – como é que ele sabia que eu tinha vindo do Afeganistão?

Meu companheiro abriu um sorriso enigmático.

– Essa é a sua pequena peculiaridade – disse. – Um bom número de pessoas tem procurado saber como é que ele descobre as coisas.

– Oh! É um mistério então? – gritei esfregando as mãos. – É muito intrigante. Estou muito grato a você por ter nos apresentado. “O verdadeiro estudo da humanidade é o homem”, sabe.

– Você deve estudá-lo então – disse Stamford, enquanto se despedia. – Mas vai achá-lo um problema complicado. Aposto que ele vai descobrir mais sobre você do que você sobre ele. Até logo.

– Até logo – respondi, e caminhei devagar até o meu hotel, bastante interessado no meu novo conhecido.




[1] Fuzil afegão longo e pesado. (N.T.)

[2] Guerreiros muçulmanos veteranos. (N.T.)



Capítulo 2



A ciência da dedução

Nós nos encontramos no dia seguinte conforme o combinado, e examinamos os quartos no número 221B, Baker Street, dos quais ele tinha me falado no primeiro encontro. Consistiam em dois grandes quartos de dormir e numa única grande e espaçosa sala de estar, alegremente mobiliada, e iluminada por duas largas janelas. Tão agradável em todos os sentidos era o apartamento, e tão razoáveis pareciam as condições quando divididas entre nós, que o negócio foi fechado na hora, e logo recebemos as chaves. Naquela mesma tarde, trouxe as minhas coisas do hotel, e, na manhã seguinte, Sherlock Holmes me seguiu com várias caixas e valises. Passamos um ou dois dias ocupados em desempacotar e arrumar nossos pertences da melhor forma possível. Feito isso, começamos aos poucos a nos estabelecer e nos acomodar em nosso novo ambiente.

Holmes não era absolutamente um homem de difícil convivência. Era quieto a seu modo, e seus hábitos eram regulares. Era raro que ainda estivesse de pé depois das dez horas da noite, e já tinha invariavelmente tomado o café da manhã e saído antes que eu me levantasse. Às vezes passava o dia no laboratório químico, às vezes na sala de dissecação, e de vez em quando em longos passeios que pareciam levá-lo às zonas mais baixas da cidade. Nada superava a sua energia quando se achava dominado pelo afã da atividade, mas de quando em quando apoderava-se dele uma reação, e passava dias a fio deitado no sofá da sala de estar, mal dizendo uma palavra ou movendo um músculo, da manhã até a noite.