Nessas ocasiões, notei uma expressão tão sonhadora e vazia em seus olhos que poderia ter suspeitado que fosse viciado em algum tipo de narcótico, se a sobriedade e a correção de toda a sua vida não desautorizasse tal noção.
À medida que passavam as semanas, o meu interesse por ele e a minha curiosidade sobre os seus objetivos na vida aos poucos se aprofundavam e aumentavam. A sua própria pessoa e aparência chamavam a atenção do observador mais casual. Tinha bem mais de um metro e oitenta de altura e, como era extremamente magro, parecia muito mais alto. Os olhos eram agudos e penetrantes, exceto naqueles intervalos de torpor a que já aludi, e o nariz fino de ave de rapina dava a todo o seu semblante um ar de vivacidade e decisão. O queixo também tinha o formato proeminente e quadrado que distingue o homem determinado. As mãos estavam invariavelmente manchadas de tinta e de produtos químicos, mas ele possuía uma extraordinária delicadeza de tato, como frequentemente tive ocasião de observar, quando o via manipular seus frágeis instrumentos de estudo.
O leitor talvez me tome por um intrometido incurável, quando eu confessar o quanto esse homem estimulava a minha curiosidade, e quantas vezes procurei romper a reticência que ele demonstrava sobre tudo que lhe dizia respeito. Antes de me julgar, entretanto, que se lembre de como a minha vida não tinha objetivos e do pouco que havia para prender minha atenção. Por causa de minha saúde, não me aventurava a sair, a não ser que o tempo estivesse excepcionalmente bom, e eu não tinha amigos que me visitassem e quebrassem a monotonia da minha vida diária. Nessas circunstâncias, eu acolhia ansiosamente o pequeno mistério que pairava sobre meu companheiro, e passava grande parte de meu tempo tentando desvendá-lo.
Não estava estudando medicina. Em resposta a uma pergunta, ele próprio confirmara a opinião de Stamford sobre esse ponto. Tampouco parecia ter feito algum curso que lhe propiciasse um título científico, ou ter cruzado qualquer outro portal que lhe desse acesso ao mundo acadêmico. Mas o seu zelo por certos estudos era impressionante, e, dentro de certos limites excêntricos, o seu conhecimento era tão extraordinariamente amplo e detalhado que suas observações me espantavam bastante. Certamente nenhum homem trabalharia tanto, nem conseguiria informações tão precisas, a menos que tivesse algum objetivo definido em vista. Os leitores sem método raramente são conhecidos pela exatidão de seus conhecimentos. Nenhum homem sobrecarrega a mente com pequenos problemas, se não tem uma boa razão para isso.
A sua ignorância era tão extraordinária quanto o seu saber. Sobre literatura, filosofia e política contemporâneas, parecia não saber quase nada. Quando citei certa vez Thomas Carlyle, ele me perguntou com a maior ingenuidade quem ele era e o que tinha feito. Mas a minha surpresa atingiu o clímax, quando descobri incidentalmente que ele desconhecia a teoria copernicana e a composição do sistema solar. Que um ser humano civilizado não soubesse que a Terra se movia ao redor do Sol, era para mim um fato tão extraordinário que mal podia compreendê-lo.
– Você parece espantado – disse ele, sorrindo da minha expressão de surpresa. – Agora que já sei essa informação, farei o possível para esquecê-la.
– Esquecê-la!
– Veja – explicou –, acho que o cérebro do homem é originalmente como um pequeno sótão vazio, que temos de abastecer com a mobília que escolhemos. Um tolo pega todo e qualquer traste velho que encontra pelo caminho, de modo que o conhecimento que poderia lhe ser útil fica de fora por falta de espaço ou, na melhor das hipóteses, acaba misturado com uma porção de outras coisas, o que dificulta o seu possível emprego. Mas o trabalhador de talento é muito cuidadoso a respeito do que coloca no seu sótão-cérebro. Só acolhe as ferramentas que podem ajudá-lo a realizar o seu trabalho, mas dessas ferramentas ele tem uma enorme coleção, e tudo disposto na mais perfeita ordem. É um erro pensar que o pequeno quarto tem paredes elásticas e pode se distender em qualquer dimensão. Acredite, chega uma época em que para cada novo conhecimento é preciso esquecer alguma coisa que se conhecia antes. É da maior importância, portanto, não ter fatos inúteis empurrando para fora os úteis.
– Mas o sistema solar! – protestei.
– Que me importa? – interrompeu impacientemente. – Você diz que giramos ao redor do Sol. Se girássemos ao redor da Lua, não faria a menor diferença para mim ou para o meu trabalho.
Estava a ponto de lhe perguntar qual seria esse trabalho, mas algo nas suas maneiras me deixou claro que a pergunta não seria bem-vinda. Meditei sobre a nossa curta conversa, entretanto, e procurei tirar minhas deduções a respeito. Ele dizia que não adquiria nenhum conhecimento que não fosse relacionado com seus objetivos.
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