Quer?

JÚLIA Não sei. Faça o que entender.

ERNESTO - Espere! Mas não sei como hei de dizer-lhe isto. (Entra TEIXEIRA e dá dinheiro a LUÍSA.)

TEIXEIRA - Aqui tem, creio que isto é suficiente para um mês; portanto não me apareça antes.

D. LUÍSA - Sim, senhor, obrigada. (A JÚLIA) Minha senhora! (Baixo, a ERNESTO

[comprimentando]) O dito, dito.

ERNESTO - Sim. [Sai LUÍSA].

CENA XIV

TEIXEIRA, ERNESTO, IÚLIA

JÚLIA - Não sei, papai, por que ainda dá dinheiro a esta velha. É uma vadia!

TEIXEIRA - Uma pobre mulher! Para que Deus deu aos abastados senão para esperdiçar como os que não têm?

ERNESTO - Se o Sr. compromete-se a fazer aceitar esta teoria, meu tio, declaro que me inscrevo no número dos pobretões.

TEIXEIRA - Já mandaste deitar o almoço, Júlia?

JÚLIA - Já dei ordem, papai.

TEIXEIRA - Ernesto precisa almoçar quanto antes, pois não lhe resta muito tempo para embarcar.

JÚLIA - Não é às onze horas?

TEIXEIRA - Sim, e já são dez. (Sobe.)

ERNESTO (baixo, a JÚLIA) - Não a deixo senão no último momento; hei de aproveitar um minuto.

JÚLIA (baixo, a ERNESTO) - Um minuto nessas ocasiões vale uma hora.

TEIXEIRA (descendo) - Agora, Ernesto, tão cedo não te veremos por cá!

ERNESTO - Daqui a oito meses estou de volta, meu tio.

TEIXEIRA - Pois não! Teu pai, na última carta que me escreveu, disse que estava arrependido depois que consentira em que viesses ao Rio, e que pelo gosto dele não voltarás tão cedo. Queixa-se porque tens gasto muito!

JÚLIA - Ah!

ERNESTO - Meu pai disse isto?

TEIXEIRA - Posso mostrar-te a carta.

ERNESTO - Paciência. Ele está no seu direito.

TEIXEIRA - Agora é tratares de te formar, e ganhar uma posição; poderás fazer o que te aprouver. (Sobe) Nada de almoço.

JÚLIA (baixo) - Quando nos veremos!

ERNESTO - Quem sabe! Talvez meu pai...

ERNESTO (com ironia) - É muito para esperar, não é, prima?

JÚLIA (sentida) - Não, Ernesto; mas é muito para sofrer!

CENA XV

Os mesmos, FELIPE

FILIPE [entra na carreira e faz um grande barulho] - Alvíssaras! Alvíssaras! Número 1221! Sorte grande! Premiado! Alvíssaras! Número 1221!

TEIXEIRA - Que louco é este?

ERNESTO - Está danado!

FILIPE - Enganado, não! Número 1221! Sorte grande!

TEIXEIRA - O que quer o Sr.?

FILIPE - As minhas alvíssaras!

TEIXEIRA - Mas pelo quê? Explique-se.

FILIPE - Pelo bilhete que vendi ao Sr. (aponta para ERNESTO) e que saiu premiado.

ERNESTO - A mim? É engano.

FILIPE - Engano! Não é possível! Ontem, na Rua do Ouvidor, em casa do Wallerstein; por sinal que o Sr. estava comprando uns corais, justamente aqueles! (Aponta para o colo de JULIA, a qual volta-se confusa).

ERNESTO - Tem razão, nem me lembrava; deve estar na carteira. Ei-lo! Número mil duzentos..

FILIPE - E vinte e um! Não tem que ver!, é o mesmo. Não me engano nunca!

ERNESTO - Assim, este papel... eu tirei?...

FILIPE - A sorte grande... É meio bilhete! Pertencem-lhe nove contos e duzentos!

ERNESTO - Nove contos! Sou rico! Tenho dinheiro para vir ao Rio de Janeiro, ainda que meu pai não consinta.

TEIXEIRA - Agora vai gastá-los em extravagâncias!

ERNESTO - Pois não! Servirão para me estabelecer aqui; montar minha casa. Quero uma linda casinha como esta, um retiro encantador, onde a vida seja um sonho eterno! (A JÚLIA, baixo) Onde recordaremos os nossos três meses de felicidade!

TEIXEIRA - Vamos; despacha este homem.

ERNESTO - Tome, meu tio; tome o bilhete e arranje isto como entender. V.Mcê. me guardará o dinheiro.

(TEIXEIRA e FILIPE saem; TEIXEIRA examina o bilhete).

JÚLIA (a ERNESTO) - Como a felicidade vem quando menos se espera! Há pouco tão tristes!

ERNESTO - É verdade! E se soubesse como isto me caiu do céu! Nem me passava pela idéia semelhante coisa, quando este homem começou a importunar-me de tal maneira, que tomei-lhe o bilhete para ver-me livre da maçada. É só a ele que devo a fortuna.

JÚLIA (sorrindo) - Eis então mais uma vantagem do Rio de Janeiro.

ERNESTO (sorrindo) - Tem razão!

TEIXEIRA (a FILIPE, dando-lhe dinheiro) - Tome; como alvíssaras, basta.

FILIPE - Obrigado! (Desce a cena, a ERNESTO) Então, um meio, um inteiro, um quarto? Enquanto venta, molha-se a vela.

ERNESTO - Agradeço; não sou ambicioso. Quero deixar a sorte grande também para os outros.

FILIPE - E a senhora? E a Sra. e o Sr.?... Um meio?... Tenho justamente o número premiado.

TEIXEIRA - Nada, nada; já compramos!

FILIPE - As suas ordens. (Sai.)

CENA XVI

TEIXEIRA, ERNESTO, JÚLIA

TEIXEIRA - Ora, enfim, vamos almoçar.

ERNESTO - Espere, meu tio, tenho urna palavra a dar-lhe.

TEIXEIRA - Pois então já; uma palavra custa pouco a dizer.

ERNESTO (baixo, a JÚLIA) - Sim! Porém, a mim custa mais do que um discurso!

JÚLIA (baixo a ERNESTO) - Que vai fazer? Ao menos deixe-me retirar.

ERNESTO (baixo, a JÚLIA) - Para quê?

JÚLIA (baixo, a ERNESTO) - Morro de vergonha.

TEIXEIRA - Então? a tal palavra? Estão combinados? Tu sabes o que é, Júlia?

JÚLIA (vexada) - Eu, papai!... Não, Sr.

TEIXEIRA - Ora, tu sabes! Ficaste corada.

JÚLIA - Foi porque Ernesto riu-se.

TEIXEIRA (a ERNESTO) - Falas ou não?

ERNESTO - Tenho a palavra aqui atravessada na garganta! Lá vai!

TEIXEIRA - Ainda bem! O que é?

ERNESTO - Escute, meu tio. Eéééé...

TEIXEIRA - É...

ERNESTO - Queêêêê....

TEIXEIRA - Já vejo que é preciso ajudar-te! É que...

ERNESTO - Euuu... (Júlia faz sinal que não...) Quero...

TEIXEIRA - Ah! Queres brincar? Pois não estou para te aturar.