(Ri-se.)

AUGUSTO (voltando) - O Sr. faz-me obséquio do seu fogo?

ERNESTO (a BRAGA) - Ainda! Isto não tem jeito.

AUGUSTO (tomando o charuto) - Com licença! Creio que não me enganei; o Sr. é um dos contemplados; trinta pelo menos...

ERNESTO (a BRAGA) - Estou quase oferecendo-lhe uma caixa de fósforos.

AUGUSTO (dando o charuto) - Obrigado! Volto para a Praça que está hoje animada.

ERNESTO - Estimo muito.

AUGUSTO - Se quer vender as suas ações, hão perca a ocasião.

ERNESTO - Vender as minhas ações?

AUGUSTO - Sim, Sr.; acredite no que lhe digo; não valem mais do que cinco mil-réis e já são bem pagas.

ERNESTO - O Sr. quer brincar naturalmente!

AUGUSTO - Não brinco em negócio. Para encurtar razões dou-lhe seis mil-réis. Quer? Aqui estão. Quantas tem?

ERNESTO (a BRAGA) - Deste gênero ainda não tinha encontrado! É pior do que os tais cambistas de loterias. (Passeia.)

AUGUSTO - Então que decide? ERNESTO - Nada, Sr.

AUGUSTO - Acha pouco? Tenho mais baratas; porém para concluir dou-lhe seis e quinhentos... Sete pagando a corretagem.

ERNESTO [contrariado] - Pelo que, Sr.?... Disse-lhe que desejava vender alguma coisa para que o Sr. esteja a maçar-me há meia hora, oferecendo-me preços?

AUGUSTO - Não me disse; mas eu adivinhei. Nós cá, homens habilitados ao negócio, não precisamos que nos digam as coisas. Apenas o ví, descobri logo que era acionista...

ERNESTO - O quê? Acionista?.

AUGUSTO - Sim; que tinha sido contemplado na distribuição das ações da Estrada de Ferro, na qualidade de lavrador naturalmente; por isso ofereço-lhe os meus serviços.

ERNESTO - E o que é o Sr.?

AUGUSTO - Corretor de fundos e mercadorias; incumbo-me de todas as transações de crédito e câmbio, como saques, descontos.

ERNESTO - Pois, meu Sr., sinto dizer-lhe que nem sou acionista, nem fui contemplado em distribuição de coisa alguma.

AUGUSTO - Deveras?

ERNESTO - Dou-lhe minha palavra.

AUGUSTO - Basta; às suas ordens. (A BRAGA) Levei um logro! uma transação magnífica! Também não sei onde estava com a cabeça! Devia ver logo que este sujeitinho não tem a cara respeitável de um acionista! (Vai sair pelo fundo).

ERNESTO [a BRAGA] - Que diabo de profissão é a que exerce este buscapé vestido de paletó?

BRAGA - Creio que é um corretor.

ERNESTO - Fico-o conhecendo.

(AUGUSTO saindo, encontra CUSTÓDIO que entra.)

CENA IV

Os mesmos, CUSTÓDIO

CUSTÓDIO [cumprimentando AUGUSTO] - Passou bem, Sr. Augusto? Que há de novo?...

AUGUSTO (rápido) - Câmbio 27 ½; juros 9 e 10%; cotação oficial. Ações - vendas animadas; Estradas de Ferro, dez, bastante procuradas. Tem Estrada de Ferro?...

CUSTÓDIO - Dizem que o ministério não está seguro?...

AUGUSTO (rápido) - Seguro monstro - estacionário. Banco do Brasil - 102; Hipotecário 205 - mercado regular, poucas vendas. Mangaratiba - frouxo; Paquetes e Gás - oscilam; Rua do Cano - baixa completa, desconto.

CUSTÓDIO - Então não diz nada a respeito da política?

AUGUSTO - Digo que tome o meu conselho; Estrada de Ferro, Estrada de Ferro, e largue o mais. Adeus; vou concluir uma operação importante. (Sai.)

ERNESTO (a BRAGA) - Eis como se diverte um homem aqui na corte, olhando para o tempo e sofrendo as maçadas de todos estes importunos! Oh! Os Srs. folhetinistas com os seus contos de mil e uma noites são os culpados do que me acontece! Quem os lê e quem vê a realidade!

[CUSTÓDIO dá um passeio pela loja e dirige-se a ERNESTO; BRAGA vai ao fundo.]

CENA V

ERNESTO, CUSTÓDIO

CUSTÓDIO - Muito bom dia? [Apertam as mãos].

ERNESTO - Viva, senhor! (A BRAGA) Eis um sujeito que me conhece, mas que naturalmente nunca me viu.

CUSTÓDIO - Que há de novo?

ERNESTO - E esta? O senhor não leu os jornais?

CUSTÓDIO - Passei apenas os olhos... (Senta-se.)

ERNESTO - Pois eu nem isto. (A BRAGA) Pensa este senhor que sou algum almanaque de notícias? Achou-me com cara de boletim?

CUSTÓDIO - Que calor que está fazendo. Creio que teremos mudança de tempo. O senhor não acha?

ERNESTO - Vou ver, depois lhe direi.

(Vai sair, encontra-se com HENRIQUE que entra.)

CENA VI

Os mesmos, HENRIQUE

HENRIQUE - Ernesto! Oh! Quando chegaste?

ERNESTO - Adeus; como vais, Henrique?

HENRIQUE - Perfeitamente, e tu? Alegro-me muito em ver-te por aqui.

ERNESTO - Não esperava ter o prazer de te encontrar.

HENRIQUE - Desembarcaste hoje mesmo?

ERNESTO - Não; há oito dias.

HENRIQUE - Como deixaste São Paulo?

ERNESTO - No mesmo estado.

HENRIQUE - É verdade; aproveito a ocasião para pedir-te um pequeno obséquio.

ERNESTO - Estou às tuas ordens.

HENRIQUE - Chegaste há pouco, e naturalmente deves ter curiosidade de ver os nossos teatros; aceita este bilhete, é do benefício de um hábil artista.

ERNESTO (com ironia) - Ora, meu amigo, és tu que me fazes o obséquio: obrigadíssimo.

HENRIQUE - Onde estás morando?

ERNESTO - No Hotel de Botafogo.

HENRIQUE - Sei; adeus. Havemos de nos ver.

ERNESTO - Sim; quando quiseres.

HENRIQUE (saindo, passa por CUSTÓDIO) - Tem passado bem, Sr. Custódio?

CUSTÓDIO (levanta-se) - Bem, obrigado. Que há de novo?

HENRIQUE - Quer ficar com um bilhete do benefício de...

CUSTÓDIO - Nada. Há vinte anos não freqüento os espetáculos; no meu tempo...

HENRIQUE (rindo-se) - Freqüentava o teatrinho de bonecos! (Sai.)

CUSTÓDIO - Criançola!

CENA VII

ERNESTO, CUSTÓDIO

ERNESTO (mostrando o cartão) - Mais uma bucha!

CUSTÓDIO - Pois caiu?

ERNESTO - Está me parecendo que esta gente não faz outra coisa desde o princípio até o fim do ano senão beneficiar se mutuamente; mas beneficiar-se desta maneira! Proudhomme que definiu a propriedade um roubo legitimado pela lei se viesse ao Rio de Janeiro, não podia deixar de definir o benefício um estelionato legitimado pela sociedade.