A pretexto de teatro e de baile um amigo abusa da nossa confiança e nos toma cinco ou dez mil-réis contra a nossa vontade.
CUSTÓDIO - Pensa muito bem! O governo é o culpado...
ERNESTO - Dos benefícios?
CUSTÓDIO - De tudo!
(Entram HENRIQUE e PEREIRA.)
CENA VIII
Os mesmos, HENRIQUE, PEREIRA
HENRIQUE - Meu amigo, desculpa; não pude deixar de voltar para ter o prazer de apresentar-te o Sr. Pereira, um dos nossos poetas mais distintos.
PEREIRA - É bondade de meu amigo!
CUSTÓDIO (a meia voz) - Que firma!
ERNESTO - Ah! O Sr. é poeta! Estimo muito conhecê-lo: tenho uma grande simpatia pelos poetas, embora na minha vida nunca conseguisse fazer um verso.
PEREIRA - Isto não quer dizer nada; Chateaubriand é um grande poeta e escreveu em prosa.
HENRIQUE - Meu amigo, nós não queremos tomar-te o tempo. O Sr. Pereira vai publicar um volume de suas primeiras poesias e espera que tu, que és amante da literatura, protejas essa publicação.
ERNESTO - Tu pedes, Henrique, não posso recusar.
PEREIRA - Submeto à consideração de V.Sa. o programa da assinatura. Um belo volume in-8o francês, de cem páginas, 5$OOO no ato da entrega. Não exijo adiantado.
ERNESTO - Mas não há necessidade de demorar uma coisa que pode ficar concluída. (Tira a carteira.)
PEREIRA - V.Sa. ordena...
HENRIQUE - Tomas duas assinatura ou três?
ERNESTO - Uma basta, Henrique; sabes que a minha fortuna não está a par do meu gosto pela literatura.
PEREIRA - É sempre assim; os grandes talentos são ricos de inteligência, mas pobres desse vil objeto a que se chama dinheiro. (Recebe a nota.) Muito obrigado, Sr....
ERNESTO - Não tem de quê.
(Entra D. LUÍSA.)
CENA IX
Os mesmos, D. LUÍSA
D. LUÍSA - Perdão, meus Srs.; tenham a bondade de ler este papel.
HENRIQUE (finge não ouvir) - Até logo, Ernesto.
PEREIRA (a ERNESTO) - Tive muito prazer em conhecer a V.Sa..
D. LUÍSA - Uma pobre viúva! Meu marido...
PEREIRA - Se puder servir-lhe para alguma coisa...
ERNESTO - Igualmente!
HENRIQUE (a PEREIRA) - Vamos; tenho pressa.
D. LUÍSA - Então, Srs! Qualquer coisa...
PEREIRA - Às suas ordens. (Sai.)
D. LUÍSA - Não lê?
HENRIQUE - Adeus, adeus. (Sai.)
CENA X
ERNESTO, CUSTÓDIO, D. LUÍSA
ERNESTO (a CUSTÓDIO) - Que papel será esse que aquela Sra. pede com tanta instância para ler? Talvez alguma notícia importante?
CUSTÓDIO (levantando-se) - Com sua licença.
D. LUÍSA (a CUSTÓDIO, apresentando o papel) - O Sr. faz obséquio?...
CUSTÓDIO (saindo) - Esqueci os óculos em casa. (Sai.)
CENA XI
ERNESTO, D. LUÍSA, depois BRAGA
D. LUÍSA - V.Sa. ao menos me fará a caridade!
ERNESTO - Deixe ver. [Abre o papel] Ah! uma subscrição! Por isso é que os tais amigos se puseram todos ao fresco, fazendo-se desentendidos; um tinha pressa, o outro esqueceu os óculos. [Fecha.] Desculpe, minha Sra.; não posso dar nada; tenho feito muitas despesas.
D. LUÍSA - Pouco mesmo que seja; tudo serve.
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