Não me demoro.

ERNESTO - Olhe lá!...

JÚLIA (sorrindo) - Um minuto! (Sai.)

CENA III

ERNESTO, D. MARIANA

ERNESTO - Que graça e elegância ela tem nos seus menores movimentos; e ao mesmo tempo que simplicidade!... Oh! não há como as moças do Rio de Janeiro para fazerem de um nada, de uma palavra, de um gesto, um encanto poderoso! Seu espírito anima tudo; onde elas se acham tudo brinca, tudo sorri, porque a sua alma se comunica a todos os objetos que as cercam.

D. MARIANA - Que entusiasmo!

ERNESTO - E não é justo, D. Mariana?

D. MARIANA - Certamente! (Uma pausa.)

ERNESTO - Como passaram rápidos estes três meses! Pareceram-me um sonho!

D. MARIANA - Sim?

ERNESTO - Oh! tenho-os impressos na memória hora por hora, instante por instante. De manhã os sons prazenteiros do piano de Júlia acordavam-me no fim de um sono tranqüilo. Daí a um instante uma xícara de excelente chocolate confortava-me o estômago, condição essencial para a poesia.

D. MARIANA - Ah! Não sabia...

ERNESTO - Pois fique sabendo, D. Mariana. Esses poetas que se alimentam de folhas de rosas, têm a imaginação pobre e raquítica. Pouco depois dava um passeio com Júlia pelo jardim, apanhávamos juntos flores para os vasos, eu escolhia a mais linda para os seus cabelos, e assim passávamos o tempo até a hora do almoço, em que meu tio ia para a cidade tratar dos seus negócios na Praça... Bela instituição esta da Praça do Comércio! Foi criada expressamente para que os pais e maridos deixassem as suas filhas e mulheres livres, sob pretexto de tratar dos negócios. A princípio aborreceu-me...

D. MARIANA - E agora?

ERNESTO - Agora compreendo as suas imensas vantagens.

D. MARIANA - Ora, Sr. Ernesto, já vê que as velhas do Rio de Janeiro têm sempre algum préstimo.

ERNESTO - Que quer dizer, D. Mariana?

D. MARIANA - Quero dizer que uma parenta velha que acompanha uma prima bonita serve não só para fazer-lhe companhia, como para receber as confidências de um primo apaixonado.

ERNESTO (rindo) - Ora!... Não tem razão!

D. MARIANA - Não se ria; é sério! (Sobe.) Aí vem um moço que eu não conheço.

ERNESTO [olhando] - Ah! Henrique!

D. MARIANA - seu amigo? Deixo-lhe com ele. [Sai].

CENA IV

ERNESTO, HENRIQUE

HENRIQUE [entrando] - Aqui me tens às tuas ordens. Como passas?

ERNESTO - Bem, meu amigo; peço-te desculpa do incômodo que te dei.

HENRIQUE [com volubilidade] - Qual incômodo! Recebi o teu bilhete, dizias que precisavas de mim; fiz o que farias. Vejamos; de que se trata?

ERNESTO - Desejava pedir-te um obséquio; mas tenho acanhamento; temo abusar da tua amizade.

HENRIQUE - Escuta, Ernesto. Nós aqui no Rio de Janeiro costumamos ser francos; quando um amigo precisa de outro, pede; se ele pode, satisfaz; se não, diz abertamente: e nem por isso deixam de estimar-se da mesma maneira.

ERNESTO - Tu me animas; vou dizer-te tudo.

HENRIQUE - É o meio de nos entendermos. [Sentam-se].

ERNESTO - Sabes que ainda sou estudante, e por conseguinte não tenho grande abundância de dinheiro; vindo passar aqui as férias, julguei que a mesada que o meu pai me dava chegasse para as minhas despesas. Mas na corte são tantos os prazeres e divertimentos, que quanto se tenha, gasta-se; e gasta-se mesmo mais do que se tem. Foi o que me sucedeu.

HENRIQUE - Fizeste algumas dívidas? Não é isso?

ERNESTO - Justamente: procedi mal.