Tirei o chapéu e cumprimentei mui submissamente o lavrador, lancei-me a seus pés, levantei as mãos e a cabeça, e proferi algumas palavras o mais fortemente que pude. Tirei da algibeira uma bolsa cheia de ouro e apresentei-lha humildemente. Recebeu-a na palma da mão e chegou-a muito perto dos olhos para ver o que era e em seguida virou-a e revirou-a com a ponta de um alfinete que tirou da manga, mas nada percebeu. Nisto, fiz-lhe sinal para que pusesse a mão no chão e, tomando a bolsa, abri-a e espalhei todas as moedas de ouro na sua mão. Tinha seis moedas espanholas de quatro pistolas cada uma, sem contar umas trinta moedas menores. Vi-o molhar o dedo mínimo na língua e levantar uma das moedas maiores e logo outra; pareceu-me, porém, ignorar completamente o que era; indiquei-lhe que as tornasse a guardar na bolsa e que a metesse na minha algibeira.

 

O lavrador ficou então persuadido de que eu era uma criatura pensante; dirigiu-me a palavra a miúdo, mas o timbre da sua voz aturdia-me os ouvidos como se fora uma azenha; no entanto, as palavras eram claras. Respondi o mais alto que pude em várias línguas e muitas vezes aplicou o ouvido a uma toesa de mim, mas em vão. Depois, mandou a sua gente voltar para o seu trabalho, e, puxando pelo lenço, dobrou-o em dois e colocou-o na mão esquerda que pusera no chão, fazendo-me sinal para que saltasse para dentro, o que pude fazer com facilidade, porque não tinha mais que um pé de espessura. Pareceu-me dever obedecer e, receando cair, deitei-me ao comprido no lenço, em que me envolvi e, por essa maneira, fui levado até à sua casa. Aí, chamou a mulher e apresentou-ma; ela, porém, soltou horríveis gritos e recuou como fazem as mulheres em Inglaterra ao ver um sapo ou uma aranha. Entretanto, quando, ao cabo de certo tempo, reparou em todos os meus modos e em como eu compreendia os sinais que o marido me fazia, começou a tratar-me com mais ternura.

Estava próximo o meio-dia e então um criado pôs o jantar na mesa. A refeição era, conforme o uso comum do lavrador, constituída de carne cozida dentro de um prato com o diâmetro aproximado de vinte e quatro pés. A família compunha-se do lavrador, da mulher, de três filhos e de uma velha avó. Assim que se sentaram, o dono da casa colocou-me a pequena distância dele, em cima da mesa que tinha uns trinta pés de altura. Coloquei-me o mais afastado possível do rebordo, com medo de dar uma queda. A mulher cortou um bocado de carne, em seguida pão em um prato de madeira que pôs diante de mim. Fiz-lhe uma reverência muito humilde e, fazendo uso do meu garfo e da minha faca, comecei a comer, o que lhes causou grande satisfação. A dona da casa mandou a criada buscar um pequeno cálice que tinha capacidade para dez canadas; depois, encheu-o de um líquido. Ergui o cálice com grande dificuldade e, com um modo muito respeitoso, bebi à saúde dela, exprimindo-me em inglês o mais alto que me foi possível, o que fez com que os assistentes dessem tão grandes gargalhadas que quase fiquei surdo. Este líquido tinha um pouco o sabor da cidra e não era desagradável. O lavrador fez-me sinal para que me colocasse ao lado do seu prato de madeira; mas, caminhando muito depressa, tropecei numa côdea de pão e caí de bruços, sem que, contudo, me magoasse. Levantei-me logo, notando que aquela boa gente estava muito contristada, agarrei o meu chapéu e, fazendo-o voltear sobre a cabeça umas poucas de vezes, soltei três vivas para provar que não tinha sofrido dano algum; ao encaminhar-me, porém, para o meu amo, (este é o nome que doravante lhe vou dar), o filho mais novo, que estava sentado mais perto dele, e que era maldoso, tendo pouco mais ou menos dez anos, agarrou-me pelas pernas e levantou-me a tamanha altura, que todo eu estremeci. O pai livrou-me das suas mãos e ao mesmo tempo assobiou-lhe com tanta força o ouvido esquerdo, que seria capaz de deitar abaixo um regimento de cavalaria européia, e mandou-o sair da mesa; temendo, porém, que o pequeno me ficasse com zanga, pois sei bem o que são rapazes, sempre maus e prontos a fazer perversidades a aves, a gatos, a cães e a coelhos, lancei-me de joelhos e pedi instantemente ao pai, indicando-lhe o filho, que o desculpasse. O pai acedeu e o rapazinho retornou a seu lugar; então, dirigi-me para ele e beijei-lhe a mão.

 

A meio do jantar, o gato favorito da minha ama saltou-lhe para o colo. Ouvi atrás de mim um ruído semelhante ao de doze fabricantes de meias trabalhando, e, voltando a cabeça, notei que era o gato que miava. Pareceu-me três vezes maior do que um boi, quando lhe examinei a cabeça e uma das patas, enquanto a ama lhe dava de comer e lhe fazia festas. A ferocidade do focinho deste animal desconcertou-me completamente, embora estivesse a respeitável distância da mesa, a uns cinqüenta pés pelo menos, e embora a minha ama segurasse o bichano com medo que me saltasse; mas não houve novidade e o gato poupou-me.

Meu amo postou-me a toesa e meia do gato e como sei que, sempre que se foge de um animal feroz ou se mostra medo, o animal persegue-nos infalivelmente, resolvi portar-me convenientemente junto do bichano e andei resolutamente umas dezoito polegadas, o que o fez recuar como se tivesse medo de mim. Os cães não me assustaram tanto. Entraram uns quatro, e, entre eles, um mastim do tamanho de quatro elefantes e um galgo mais alto, mas menos corpulento.

Ao fim do jantar, entrou a ama de leite, trazendo ao colo uma criança de um ano que, assim que me viu, soltou gritos tão fortes, que não me custava nada acreditar se ouvissem da ponte de Londres até Chelsea. A criança, olhando-me como se fora um boneco ou uma bugiganga, chorava, porque me queria para brinquedo.