Eu, de pagar quatro dólares e 25 centavos hoje à noite, ele, de sair amanhã às cinco da manhã, sem vender para mais ninguém nesse intervalo: eu, de tomar posse às seis. Seria bom, disse ele, chegar cedo para prevenir algumas reclamações vagas, mas totalmente injustas, sobre o aluguel do terreno e a lenha. Isso ele me garantiu que era o único encargo. Às seis cruzei com James e família na estrada. Coube tudo numa trouxa grande – cama, moedor de café, espelho, galinhas –, tudo menos a gata, que foi para o mato e virou uma gata selvagem, e fiquei sabendo depois que caiu numa armadilha para marmota e assim virou uma gata morta.

Derrubei essa casa na mesma manhã, tirando os pregos, e transportei o material em várias viagens de carriola até o lago, espalhando as tábuas por cima do capim para quarar e desempenar ao sol. Um tordo matinal me assobiou uma ou duas notas enquanto eu empurrava a carriola pela trilha da mata. Fui traiçoeiramente informado por um rapaz irlandês que o vizinho Seeley, um outro irlandês, nos intervalos em que eu saía com a carriola, estava transferindo para seu bolso os pregos, cavilhas e grampos ainda razoavelmente retos e prestáveis, e então, quando eu voltava, ele se punha ali como se estivesse passando o tempo, e olhando a devastação com ar petulante, despreocupado, cheio de pensamentos primaveris; por falta de serviço, como disse ele. Estava ali representando a plateia, e contribuiu para tornar esse episódio aparentemente insignificante similar à saída dos deuses de Troia.

Cavei meu porão na encosta sul de uma colina, onde uma marmota já tinha feito sua toca, atravessando raízes de sumagre e amora preta e os estratos do solo, um quadrado de 1,80 por 1,80 com 2,10 metros de profundidade, até chegar a uma areia fina onde as batatas nunca congelariam no inverno. As laterais ficaram inclinadas, e sem pedras; mas, como o sol nunca bate ali, a areia ainda se mantém no lugar. Foram apenas duas horas de trabalho. Tive especial prazer nessa tarefa de abrir o solo, pois em quase todas as latitudes os homens cavam a terra procurando uma temperatura constante. Sob a mais esplêndida casa da cidade ainda se encontra o porão onde armazenam suas raízes como antigamente, e muito tempo depois de desaparecer a superestrutura a posteridade ainda vê seu recorte na terra. A casa ainda é apenas uma espécie de pórtico na entrada de uma toca.

Finalmente, no começo de maio, com a ajuda de alguns conhecidos, mais para aproveitar uma boa ocasião de convívio com os vizinhos do que por necessidade, ergui a estrutura de minha casa. Nenhum homem jamais teve honra maior do que eu no caráter de seus inspiradores ajudantes. Estão destinados, confio eu, a erguer algum dia estruturas mais elevadas. Comecei a ocupar minha casa em 4 de julho, logo que ela recebeu assoalho e telhado, pois as tábuas foram cuidadosamente chanfradas e encaixadas e ficaram totalmente impermeáveis à chuva; mas, antes de assoalhar, fiz a base de uma lareira num dos lados, trazendo no braço duas carradas de pedras do lago até o alto da colina. Ergui a lareira depois da carpição do outono, antes que se tornasse indispensável o calor do fogo, enquanto isso cozinhando no chão, ao ar livre, de manhã cedo: modo este que ainda considero, em alguns aspectos, mais conveniente e mais agradável do que o usual. Quando a chuva chegava antes que o pão estivesse pronto, eu fazia uma armação de tábuas por cima do fogo, e ficava sentado ali embaixo cuidando de meu pão, e passava algumas horas agradáveis nisso. Naqueles dias, com as mãos muito ocupadas, eu lia pouco, mas o menor pedacinho de jornal que estivesse no chão, em minha vasilha ou na toalha de mesa me oferecia o mesmo entretenimento, na verdade respondia à mesma finalidade de uma Ilíada.

Valeria a pena construir ainda mais devagar do que construí, avaliando, por exemplo, qual o fundamento que uma porta, uma janela, um porão, um sótão têm na natureza do homem, e talvez nunca erguendo superestrutura alguma enquanto não encontrássemos para ela uma razão melhor do que nossas necessidades temporais. Quando um homem constrói sua casa, há aí um pouco da mesma aptidão com que uma ave constrói seu ninho. Quem sabe, se os homens construíssem suas moradias com as próprias mãos, e providenciassem alimento para si e para suas famílias com simplicidade e honestidade, será que a faculdade poética não se desenvolveria de modo universal, tal como as aves universalmente cantam quando estão empenhadas nessas atividades? Mas, ai de nós!, fazemos como os chupins e os cucos, que botam seus ovos nos ninhos construídos por outros passarinhos, e não alegram ninguém com seus piados pouco musicais. Iremos sempre entregar o prazer da construção ao carpinteiro? O que a arquitetura representa na experiência da maioria dos homens? Em todos os meus passeios, nunca topei com alguém empenhado numa ocupação tão simples e natural como construir a própria casa. Fazemos parte da comunidade. Não é só o alfaiate que é a nona parte de um homem; o pregador, o comerciante, o agricultor também são. Aonde vai parar essa divisão do trabalho? e no final das contas a que objetivo ela serve? Claro que outra pessoa também pode pensar por mim; mas nem por isso é desejável que o faça e que eu deixe de pensar por mim mesmo.

Certo, existem os chamados arquitetos aqui neste país, e ouvi falar pelo menos de um deles possuído pela ideia de dar aos ornamentos arquitetônicos um núcleo de verdade, uma necessidade e, portanto, uma beleza, como se isso fosse uma revelação para ele. Tudo bem, talvez, do ponto de vista dele, mas não é muito mais do que mero diletantismo. Reformador sentimental da arquitetura, ele começou pela cornija, não pelo alicerce. Era apenas como colocar um núcleo de verdade dentro dos ornamentos, e de fato todo bombom pode ter uma amêndoa ou semente de cariz dentro dele – embora eu ache que as amêndoas são extremamente saudáveis sem o açúcar –, e à diferença do simples habitante, o morador realmente construiria por dentro e por fora, deixando que os ornamentos cuidassem de si mesmos. Que homem sensato algum dia supôs que os ornamentos seriam simplesmente algo externo, apenas de superfície – que a tartaruga ganhou seu casco malhado ou o molusco seus matizes de madrepérola por um contrato como o dos moradores da Broadway com sua Trinity Church? Mas um homem não precisa se ocupar com o estilo arquitetônico de sua casa mais do que a tartaruga com o estilo de seu casco: e tampouco o soldado precisa perder tempo tentando pintar em sua bandeira a cor exata de sua virtude. O inimigo vai descobrir.