Ele pode empalidecer quando chegar a hora de se pôr à prova. Este homem me deu a impressão de se debruçar na cornija e sussurrar timidamente sua meia verdade aos rudes ocupantes da casa, que na verdade nem acreditaram muito nele. O que vejo de beleza arquitetônica, sei que cresceu aos poucos de dentro para fora, brotando das necessidades e do caráter do morador, que é o único construtor – brotando de alguma verdade inconsciente e da nobreza, sem jamais pensar na aparência; e qualquer beleza adicional desse gênero que vier a surgir será precedida por uma beleza da vida igualmente inconsciente. As moradias mais interessantes neste país, como sabe o pintor, são geralmente os chalés e casebres de tronco mais humildes e despretensiosos dos pobres; o que os torna pitorescos é a vida dos moradores que têm ali suas conchas, e não meramente alguma peculiaridade de sua superfície; e igualmente interessante será o caixote suburbano do morador citadino quando sua vida também for simples e agradável para a imaginação, e sem qualquer esforço para obter algum efeito de estilo em sua moradia. Grande parte dos ornamentos arquitetônicos são literalmente vazios, e um vendaval de outono os arrancaria, como plumas emprestadas, sem nenhum dano ao essencial. Quem não tem azeitonas e vinhos na adega pode passar sem arquitetura. E o que seria se se criasse o mesmo alvoroço em torno dos ornamentos estilísticos na literatura, e os arquitetos de nossas bíblias gastassem tanto tempo em suas cornijas quanto os arquitetos de nossas igrejas? Assim surgem as belles-lettres e os beaux-arts e seus mestres. Interessa muito a um homem, deveras, quantos paus estão assim ou assado por cima ou por baixo dele, e de que cor é sua caixa. Significaria alguma coisa se, em algum sentido importante, tivesse sido ele a colocar os paus e a pintar sua casa; mas, tendo o espírito abandonado o morador, é a mesma coisa que construir seu próprio caixão – a arquitetura da tumba, e “carpinteiro” é só um outro nome para “fazedor de caixão”. Diz alguém, em seu desespero ou indiferença à vida: pegue um punhado de terra do chão e pinte sua casa dessa cor. Está ele pensando em sua última e estreita morada? Podem apostar nisso também. Que falta do que fazer! Para que pegar um punhado de terra? Melhor pintar a casa na cor de sua pele; aí ela vai corar e empalidecer por você. Que façanha aprimorar o estilo da arquitetura de uma cabana! Quando você estiver com meus ornamentos prontos, vou usá-los.

Antes do inverno construí uma lareira, e revesti as laterais de minha casa, que já eram impermeáveis à chuva, com placas de madeira irregulares e úmidas de seiva que tirei da primeira camada do tronco, cujas beiradas tive de acertar com uma plaina.

Assim tenho uma casa de estuque e placas de madeira bem firmes, com 3 metros de largura por 5 metros de comprimento, e pé direito de 2,40 metros, com um sótão e uma despensa, uma janela larga de cada lado, dois alçapões, uma porta na ponta e uma lareira de tijolos no lado oposto. O custo exato de minha casa, pagando o preço normal pelos materiais que usei, mas sem contar o trabalho, todo ele feito por mim, foi o seguinte; e dou os detalhes porque pouquíssima gente sabe dizer exatamente o quanto custa sua casa, e ninguém ou quase ninguém sabe o custo de cada um dos vários materiais empregados:

Tábuas $8,03 ½ , na maioria não aplainadas

Refugo de taubilhas

para o telhado e as laterais 4,00

Ripas 1,25

Duas janelas com vidro

de segunda mão 2,43

Mil tijolos usados 4,00

Duas barriladas de cal 2,40 Foi caro.

Fibra animal 0,31 Mais do que eu precisava.

Ferro para a armação da lareira 0,15

Pregos 3,90

Dobradiças e parafusos 0,14

Trinco 0,10

Cal 0,01

Transporte 1,40 Carreguei boa parte nas costas.

Ao todo $28,12 ½

Este é o total de material, exceto os troncos de madeira, as pedras e a areia, que incluí entre meus direitos de posseiro. Também tenho um pequeno telheiro, feito basicamente com o que sobrou depois de construir a casa.

Pretendo construir para mim uma casa que vai superar em luxo e grandeza qualquer uma da rua principal de Concord, logo que me der vontade, e não vai me custar mais caro do que esta.

Assim descobri que o estudante que quiser pode obter uma morada para o resto da vida a um preço não superior ao aluguel anual que ele paga hoje em dia. Se pareço me vangloriar mais do que deveria, minha desculpa é que alardeio para a humanidade, e não para mim mesmo; e meus defeitos e incoerências não afetam a verdade do que digo. Apesar de muita hipocrisia e fingimento – joio que acho difícil separar de meu trigo, mas que lamento como todo mundo –, vou respirar livremente e me esticar à vontade, de tanto alívio que isso traz ao sistema físico e moral; e decidi que não vou me tornar o advogado do diabo só por humildade. Vou me empenhar em falar a favor da verdade. Na Universidade de Cambridge, o simples aluguel de um quarto de estudante, só um pouco maior do que o meu, sai por trinta dólares ao ano, embora a universidade tenha aproveitado para construir 32 dormitórios, um ao lado do outro e sob o mesmo teto, e o ocupante sofre o inconveniente de ter muitos vizinhos barulhentos, e talvez ainda por cima tenha de ficar no quarto andar. Não consigo deixar de pensar que, se realmente tivéssemos maior sensatez verdadeira nesses aspectos, não só seria preciso menos ensino escolar, pois de fato já se teria aprendido mais, como também as despesas monetárias com a educação diminuiriam muito. Essas comodidades que o estudante requer em Cambridge ou algum outro lugar custam a ele ou a alguma outra pessoa um sacrifício de vida dez vezes maior do que teriam com uma administração sensata de ambos os lados. As coisas que demandam a maior parte do dinheiro nunca são as coisas de que o estudante mais precisa. Os cursos, por exemplo, correspondem a um item importante na anuidade, ao passo que não se cobra nada pela educação muitíssimo mais valiosa que o estudante obtém ao conviver com seus contemporâneos mais cultivados. A maneira de criar uma faculdade é, geralmente, conseguir uma subscrição de dólares e centavos, e então seguir cegamente os princípios de uma divisão do trabalho levada a seu extremo, princípios estes que jamais deveriam ser seguidos a não ser com muita circunspecção – chamar um empreiteiro que faz daquilo um objeto de especulação, e emprega irlandeses ou outros operários para fazer a fundação, enquanto os futuros estudantes ficam supostamente se preparando para o curso; e gerações inteiras têm de pagar por essas omissas empreitadas. Penso que, para os estudantes ou os que desejam ser beneficiados com esses estudos, seria melhor eles mesmos construírem a fundação. O estudante que consegue seu sonhado retiro e lazer evitando sistematicamente qualquer trabalho necessário ao homem obtém apenas um lazer indigno e estéril, roubando a si mesmo a experiência, única coisa capaz de tornar o lazer fecundo. “Mas”, pode alguém perguntar, “então você está dizendo que os estudantes deveriam trabalhar com as mãos e não com a cabeça?” Não é bem isso o que estou dizendo, mas o que estou dizendo é algo que ele poderia achar bem parecido com isso; o que estou dizendo é que eles não deviam apenas estudar a vida ou brincar de viver, enquanto a comunidade os sustenta nesse jogo bem caro, e sim vivê-la sinceramente do começo ao fim. Como os jovens podem melhor aprender a viver a não ser tentando a experiência de viver? A meu ver, isso exercitaria o intelecto deles, tanto quanto a matemática. Se eu quisesse que um menino aprendesse alguma coisa de artes e ciências, por exemplo, eu não seguiria a praxe, que é simplesmente mandá-lo para junto de algum professor, onde se professa e se pratica qualquer coisa menos a arte da vida – examinar o mundo por um telescópio ou por um microscópio, e nunca com o olho a nu; estudar química e não aprender como é feito o pão, ou mecânica, e não aprender como se ganha a vida; descobrir novos satélites de Netuno e não perceber o cisco nos olhos, ou de que ente errante ele mesmo é satélite; ou ser devorado pelos monstros que pululam a seu redor enquanto examina os monstros numa gota de vinagre. Depois de um mês, quem teria aprendido mais – o menino que fez seu canivete simples com o minério que ele mesmo desencavou e fundiu, lendo o que fosse necessário, ou o menino que, enquanto isso, assistiu às aulas de metalurgia no Instituto e ganhou do pai um Rogers de duas travas? Quem teria mais chance de cortar o dedo?...