Partindo o mensageiro, o filósofo comentou: Que digno mensageiro! Que digno mensageiro!” O pastor na igreja, em vez de apoquentar os ouvidos dos agricultores sonolentos em seu dia de descanso ao final da semana – pois o domingo é o término condizente com uma semana malgasta, e não o início fresco e valoroso de uma nova – com mais esse outro arrastado suplício em forma de sermão, devia era bradar com uma voz trovejante: “Chega! Basta! Por que tão rápidos na aparência, mas tão mortalmente lentos?”.

Imposturas e ilusões são estimadas como as mais sólidas verdades, ao passo que a realidade é fabulosa. Se os homens observassem constantemente apenas as realidades, e não se deixassem iludir, a vida, comparada às coisas que conhecemos, seria como um conto de fadas ou uma história das Mil e uma noites. Se respeitássemos apenas o que é inevitável e tem o direito de existir, as ruas ressoariam com música e poesia. Quando somos sábios e não temos pressa, percebemos que somente as coisas grandes e valiosas têm alguma existência absoluta e permanente – que os pequenos medos e os pequenos prazeres não passam de sombras da realidade. Esta é sempre revigorante e sublime. Ao fechar os olhos e cochilar, ao consentir ser iludidos pelas aparências, os homens estabelecem e consagram por toda parte sua vida diária de hábito e rotina, a qual, porém, se ergue sobre alicerces puramente ilusórios. As crianças, que brincam de vida, percebem suas verdadeiras leis e relações com mais clareza do que os homens, que fracassam em vivê-la dignamente, mas pensam que são mais sábios pela experiência, isto é, pelo fracasso. Li num livro hindu que “havia o filho de um rei que, tendo sido expulso em tenra infância de sua cidade natal, foi criado por um homem das florestas e, chegando à idade adulta naquele estado, imaginava pertencer à raça bárbara com que vivia. Ao descobri-lo, um dos ministros de seu pai lhe revelou quem ele era, desfez-se o engano sobre seu caráter, e ele veio a saber que era um príncipe”. E prossegue o filósofo hindu: “Assim a alma, pelas circunstâncias em que se encontra, engana-se sobre seu caráter, até que lhe é revelada a verdade por algum santo mestre, e então ela vem a saber que é Brahma”. Tenho a impressão de que nós, os habitantes da Nova Inglaterra, vivemos a vida mesquinha que vivemos porque nossa visão não atravessa a superfície das coisas. Pensamos que as coisas são o que parecem ser. Se um homem percorresse esta cidade e visse apenas a realidade, onde vocês acham que iria parar o centro comercial Mill-dam? Se ele nos contasse o que viu por lá, não reconheceríamos o local. Olhem um templo, um tribunal, uma cadeia, uma loja, uma residência, e digam o que realmente é essa coisa perante um verdadeiro olhar, e todas elas vão se esfacelar na descrição que vocês fizerem. Os homens consideram a verdade muito remota, na periferia do sistema solar, atrás da estrela mais distante, antes de Adão e depois do último homem. Há, de fato, algo de verdadeiro e sublime na eternidade. Mas todos esses tempos, lugares e ocasiões existem aqui e agora. Deus culmina no momento presente, e não será mais divino no decorrer de todos os tempos. E só somos capazes de apreender o que é sublime e nobre com a perpétua instilação e absorção da realidade que nos cerca. O universo responde constantemente, obediente, às nossas concepções: quer andemos depressa ou devagar, o caminho nos está aberto. Passemos nossas vidas, então, concebendo. Nunca existiu nenhum desígnio de poeta ou de artista tão belo e tão nobre que algum póstero não pudesse realizá-lo.

Passemos pelo menos um dia com o vagar e a deliberação da Natureza, sem sermos arrojados fora do caminho a cada casca de noz ou asa de mosquito que caia nos trilhos. Cedo despertos e alertas, com calma e sem bulha: as pessoas que entrem e saiam, os sinos que toquem, as crianças que gritem – decididos a fazer deste dia um verdadeiro dia. Por que ceder e seguir a corrente? Não nos deixemos transtornar nem submergir naquela terrível corredeira e redemoinho chamado almoço, situado nos baixios meridianos. Vençam esse perigo e estarão a salvo, pois o restante do caminho é em declive. Com nervos firmes, com vigor matinal, singrem olhando para o outro lado, amarrados ao mastro como Ulisses. Se a locomotiva assobiar, deixem que assobie até enrouquecer. Se o sino tocar, para que correr? Avaliaremos o tipo de música que tocam. Vamos nos assentar, trabalhar, calcar fundo os pés na lama e no pântano da opinião, do preconceito, da tradição, da ilusão, da aparência, aquele aluvião que cobre o mundo, passando por Paris e Londres, Nova York, Boston e Concord, igreja e Estado, poesia, filosofia e religião, até alcançarmos um fundo firme com as pedras no lugar certo, que podemos chamar de realidade, e diremos: Ei-la, sem erro; e então, tendo um point d’appui, deem início, sob a enchente, a geada e o fogo, a um lugar onde se possa erguer uma parede ou um Estado, ou firmar com segurança um poste de luz, ou talvez um medidor, não um Nilômetro, e sim um Realômetro, para que as eras vindouras possam saber o nível que, de tempos em tempos, alcançava a enchente de imposturas e aparências. Se vocês ficarem de frente, bem diante de um fato, verão o sol cintilar nas duas superfícies, como se fosse uma cimitarra, e sentirão seu fio suave penetrando-lhes o coração e a medula, e poderão encerrar felizes suas carreiras mortais.