Ouvem-se vozes. Entra Yerma com seis mulheres que vão à Igreja. Vão descalças e levam círios torcidos. Começa a anoitecer)

MARIA — Senhor, que a rosa floresça!

Não fique na sombra presa.

2ª MULHER — Nesse corpo que se engelha, floresça a rosa amarela!

MARIA — No ventre das tuas servas, a chama escura da terra.

CORO DE MULHERES — Senhor, que a rosa floresça!

Não fique na sombra presa. (Ajoelham-se)

YERMA — O céu tem os seus jardins com roseiras de alegria; entre roseira e roseira, a rosa da maravilha.

Raio de aurora parece, e há um arcanjo que a vigia; as asas, como tormentas, os olhos, como agonias.

Em redor de suas folhas, arroios de leite brincam, tépidos, molhando a cara das estrelinhas tranquilas.

Senhor, abre um roseiral nesta murcha carne minha. (Levantam-se)

2ª MULHER — Senhor, acalma esse fogo de sua face incendida!

YERMA — Escuta uma penitente desta santa romaria; abre em mim a tua rosa, embora espinhos me firam.

CORO — Senhor, que a rosa floresça e não fique em sombra presa.

YERMA — Sobre a murcha carne minha, a rosa da maravilha!

(Entram. Saem Raparigas correndo, com longas fitas nas mãos — pela esquerda. Pela direita, outras três, olhando para trás. Há na cena como um crescendo de vozes e de ruídos de guizos e colares de campainhas. Num plano superior, aparecem as sete Raparigas que agitam as fitas para a esquerda. Cresce o ruído e entram dois mascarados populares, um como Macho e outro como Fêmea. Levam grandes máscaras. O Macho empunha um chifre de touro. Não são de modo nenhum grotescos, mas antes de grande beleza e com um sentido de pura terra. A Fêmea agita um colar de grandes campainhas. O fundo enche-se de gente que grita e comenta a dança. Já é noite fechada)

MENINOS — O demônio e sua mulher! O demônio e sua mulher!

FÊMEA — Pelo rio de uma serra, triste esposa se banhava: pelo corpo lhe subiam os vivos caracóis da água.

A fina areia das margens e os ares da madrugada lhe enchiam de fogo o riso e de tremor as espáduas.

Ai, como estava despida a donzela dentro d’água!

MENINO — Ai, como se queixava!

1º HOMEM — Ai, tão murcha de amores, com o vento e a água!

2º HOMEM — Que diga por quem espera!

1º HOMEM — Que diga por quem aguarda!

2º HOMEM — Ai, com seu ventre seco e a cor tão desmaiada!

FÊMEA — Quando chegue a noite o direi, quando chegue a noite clara.

Quando cheque a noite da romaria rasgarei os folhos da minha anágua!

MENINO — E em seguida veio a noite.

Ai, que a noite já chegava!

Olhai como fica escura pela montanha, a cascata! (Começam a soar umas guitarras) MACHO — (Levanta-se e agita o chifre) Ai, tão branca, a triste casada!

Ai, como se queixa entre as ramas!

Já vais ser cravo e papoula, quando o macho desdobre a capa.

(Aproxima-se) Se vieres à romaria, pedir que teu ventre se abra, não te cubras com véus de luto, mas com leve camisa de holanda.

Vai sozinha detrás desses muros, onde estão as figueiras cerradas, e sustenta meu corpo de terra até quando suspire a alvorada.

Ai, como rebrilha, Ai, como rebrilhava, ai, como se meneia a casada!

FÊMEA — Ai, que o amor lhe oferece coroas e grinaldas, e dardos de ouro vivo em seu peito se cravam.

MACHO — Sete vezes gemia, nove se levantava; laranjas com jasmins quinze vezes juntaram.

3º HOMEM — Bate-lhe já com o chifre!

2º HOMEM — Com a rosa e com a dança!

1º HOMEM — Ai, como se meneia a casada!

MACHO — Nesta romaria o varão sempre manda.

Os maridos são touros.

O varão sempre manda: e as romeiras são flores para aqueles que as ganha.

MENINO — Bate-lhe já com o ar!

2º HOMEM — Bate-lhe já com a rama!

MACHO — Vinde ver o esplendor dessa que se banhava!

1º HOMEM — Como junco se curva.

FÊMEA — E como flor se cansa.

HOMENS — Afastar as meninas!

MACHO — E incendeie-se a dança e o corpo reluzente da garrida casada.

(Vão-se a bailar ao som de palmas, com sorrisos. Cantam) O céu tem seus jardins com roseiras de alegria.

Entre roseira e roseira, a rosa da maravilha.

(Tornam a passar duas Raparigas gritando. Entra a Velha alegre)

VELHA — Vamos a ver se nos deixam dormir. Mas agora vai ser ela (Entra Yerma) Tu! (Yerma está abatida e não fala) Dize-me a que vieste.

YERMA — Não sei.

VELHA — Não te convences? E teu marido? (Yerma dá mostras de cansaço e vê-se que uma ideia fixa lhe atormenta a cabeça) YERMA — Está por aí.

VELHA — E que faz?

YERMA — Bebe. (Pausa. Levando a mão à testa) Ai!

VELHA — Ai! Ai! Menos ai e mais alma. Antes não te pude dizer nada, mas agora posso.

YERMA — E que me vais dizer que já não saiba!

VELHA — O que já não se pode calar. O que está em cima do telhado. A culpa é de teu marido. Estás ouvindo? Deixaria que me cortassem as mãos. Nem seu pai, nem seu avô, nem seu bisavô se portaram como homens de casta. Para terem um filho, foi preciso que se juntasse o céu com a terra. São feitos de saliva. Com tua gente, foi o contrário.