As lavadeiras estão colocadas em diversos planos: Cantam)


LAVADEIRAS — No arroio frio, Lavo a tua faixa: Ardente jasmim É tua risada.

1ª LAVADEIRA — Eu cá não gosto de falar.

3ª LAVADEIRA — Mas aqui se fala.

4ª LAVADEIRA — E não há mal nisso.

5ª LAVADEIRA — A que quiser ser honrada, faça por onde.

4ª LAVADEIRA — Plantei um tomilho que crescendo vem.

Quem quer ser honrada, que se porte bem. (Riem-se)

5ª LAVADEIRA — É o que dizem.

1ª LAVADEIRA — Mas nunca se sabe nada.

4ª LAVADEIRA — O certo é que o marido levou as duas irmãs para morarem com eles.

5ª LAVADEIRA — As solteironas?

4ª LAVADEIRA — Elas mesmas. Estavam encarregadas de cuidar da igreja, e agora vão cuidar da cunhada. Eu não poderia viver com elas.

1ª LAVADEIRA — Por quê?

4ª LAVADEIRA — Porque metem medo. São como essas folhas grandes que nascem de repente em cima das sepulturas. Estão untadas com cera. São viradas para dentro. Dão-me a impressão de fritarem a comida no óleo das lâmpadas.

3ª LAVADEIRA — E já estão em casa?

4ª LAVADEIRA — Desde ontem. O marido vai de novo trabalhar nas suas terras.

1ª LAVADEIRA — Mas pode-se saber o que aconteceu?

5ª LAVADEIRA — Passou a noite de anteontem sentada na soleira da porta, apesar do frio.

1ª LAVADEIRA — Mas, por quê?

4ª LAVADEIRA — Custa-lhe muito estar em casa.

5ª LAVADEIRA — Essas machonas são assim. Preferem subir para o telhado ou andar descalças por esses rios, quando podiam estar em casa, fazendo renda ou compota de maçã.

1ª LAVADEIRA — Quem és tu para dizeres estas coisas? Ela não tem filhos, mas não é culpa sua.

4ª LAVADEIRA — Quem quer ter filhos, tem-nos. É que as mimosas, as preguiçosas, as melosas não são feitas para ter o ventre enrugado. (Riem-se)

3ª LAVADEIRA — E enchem-se de polvilhos e carmim e enfeitam-se com ramos de adelfa, à procura de outro que não seja o seu marido.

5ª LAVADEIRA — Essa é que é a verdade.

1ª LAVADEIRA — Mas vós a vistes com outro?

4ª LAVADEIRA — Nós, não, mas o povo, sim.

1ª LAVADEIRA — Sempre o povo!

5ª LAVADEIRA — Dizem que por duas vezes.

2ª LAVADEIRA — E que faziam?

4ª LAVADEIRA — Conversavam.

1ª LAVADEIRA — Conversar não é pecado.

4ª LAVADEIRA — Há uma coisa no mundo, que é o olhar. Minha mãe já o dizia: não é o mesmo uma mulher mirando rosas ou mirando as coxas de um homem. E ela o mira.

1ª LAVADEIRA — Mas a quem?

4ª LAVADEIRA — A alguém, estás ouvindo? Procura saber tu mesma. Queres que o diga mais alto? (Risadas) — E quando não o mira, porque está sozinha, porque não o tem na sua frente, leva-o retratado nos olhos.

1ª LAVADEIRA — Isso é mentira! (Algazarra)

5ª LAVADEIRA — E o marido?

3ª LAVADEIRA — O marido está como surdo. Parado com um lagarto ao sol. (Riem)

1ª LAVADEIRA — Tudo isso endireitariam se tivesses filhos.

2ª LAVADEIRA — Tudo isso são coisas de gente que não está conformada com a sua sorte.

4ª LAVADEIRA — Cada hora que passa aumenta o inferno naquela casa. Ela e as cunhadas sem despregarem os lábios, caiam todo o dia as paredes, esfregam as vasilhas de cobre, limpam com bafo os vidros, dão lustro ao chão; pois quanto mais brilha a casa, mais arde por dentro.

1ª LAVADEIRA — A culpa é dele; dele: quando um pai não dá filhos, deve cuidar de sua mulher.

4ª LAVADEIRA — A culpa é dela que tem uma língua dura como um pedernal.

1ª LAVADEIRA — Que demônio se meteu entre os seus cabelos, para falares assim?

4ª LAVADEIRA — E quem deu licença à tua boca para me dar conselhos?

2ª LAVADEIRA — Calar!

1ª LAVADEIRA — Com uma agulha de fazer meia, gostaria de traspassar as línguas murmuradoras...

2ª LAVADEIRA — Cala-te!

4ª LAVADEIRA — E eu, a tampa do peito das fingidas.

2ª LAVADEIRA — Silêncio. Não v6es que ali vêm as cunhadas?

(Murmúrios. Entram as duas Cunhadas de Yerma, vestidas de luto. Põem-se a lavar, em meio ao silêncio. Ouvem-se cincerros)

1ª LAVADEIRA — Já se vão os pastores?

3ª LAVADEIRA — É, agora partem todos os rebanhos.

4ª LAVADEIRA — (Aspirando o ar) — Gosto do cheiro das ovelhas.

3ª LAVADEIRA — Gostas?

4ª LAVADEIRA — E por que não? Cheiro do que se tem. Como gosto do cheiro do lodo vermelho que o rio arrasta no inverno.

3ª LAVADEIRA — Caprichos.

5ª LAVADEIRA — (Olhando) — Vão juntos, todos os rebanhos.

4ª LAVADEIRA — É uma inundação de lã. Arrasam tudo. Se os trigos verdes tivessem cabeça, tremeriam, vendo-os chegar.

3ª LAVADEIRA — Olha como correm! Que manada de inimigos!

1ª LAVADEIRA — Já partiram todos. Não falta nenhum.

4ª LAVADEIRA — Deixa ver... Não... Sim, sim... falta um.

5ª LAVADEIRA — Qual?

4ª LAVADEIRA — O de Victor. (As duas Cunhadas se levantam e olham) No arroio frio, lavo a tua faixa.

Ardente jasmim é tua risada.

Quero sobre mim a leve nevada desse jasmim.

1ª LAVADEIRA — Ai da casada seca!

Ai da que tem os peitos de areia!

5ª LAVADEIRA — Dize-me se teu marido de amor te lavra, para que em tuas roupas cantem as águas.

4ª LAVADEIRA — É tua camisa nave de prata, e o vento em torno a alisa.

1ª LAVADEIRA — As roupas de meu filho venho lavar,

para ensinar às águas lições de cristal.

2ª LAVADEIRA — Vem chegando pelo monte meu marido.