Bem, pois todo dia hei de estar a fazer aquilo de que não gosto. E para quê? Que necessidade tem meu marido de ser meu marido? Porque no tempo de noivos fazíamos o mesmo que agora. Tolice dos velhos.
YERMA — Cala-te, não digas essas coisas.
2ª RAPARIGA — Também tu me chamarás louca, a louca! A louca! (Ri-se) — Posso dizer-te a única coisa que aprendi na vida: toda a gente está metida dentro de casa fazendo aquilo de que não gosta. É muito melhor estar no meio da rua! Umas vezes vou para o arroio, outras subo a tocar os sinos, outras tomo um refresco de anis.
YERMA — És uma criança.
2ª RAPARIGA — Claro, mas não louca. (Ri-se)
YERMA — Tua mãe mora na porta mais alta da aldeia?
2ª RAPARIGA — Mora.
YERMA — Na última casa?
2ª RAPARIGA — É.
YERMA — Como se chama?
2ª RAPARIGA — Dolores. Por que perguntas?
YERMA — Por nada.
2ª RAPARIGA — Por alguma coisa há de ser.
YERMA — Não ei. Falo por falar...
2ª RAPARIGA — Vê lá... Olha, vou levar a comida a meu marido (Ri-se) Isso é o principal. Que pena não poder dizer “meu noivo”, não é? (Ri-se) Lá se vai a louca! (Sai, rindo alegremente) Adeus!
VOZ DE VICTOR — (Cantando) Por que dormes sozinho, pastor?
Por que dormes sozinho, pastor?
Melhor dormirias No meu cobertor.
Por que dormes sozinho, pastor?
YERMA — (Escutando) Por que dormes sozinho, pastor?
Melhor dormirias No meu cobertor.
Tua colcha — pedra escura, Pastor,
Tua camisa de geada, Pastor,
Juncos cinzentos de inverso Na noite de tua cama.
Os robles soltam agulhas, Pastor,
Onde pões tua almofada, Pastor,
E se ouves voz de mulher,
É a voz da água, entrecortada.
Pastor, pastor.
Que quer o monte de ti, Pastor?
Monte de ervas amargas, Que criança te estás matando?
A giesta com seus espinhos, Com seus espinhos te mata!
(Faz menção de sair e esbarra com Victor, que entra)
VICTOR — (Alegre) — Aonde vai essa formosura?
YERMA — Eras tu que cantavas?
VICTOR — Eu mesmo.
YERMA — Como cantas bem! Nunca te tinha ouvido.
VICTOR — Não?
YERMA — E que voz tão forte! Parece um jorro d’água que te enche a boca toda!
VICTOR — Sou alegre.
YERMA — É verdade.
VICTOR — Como tu és triste.
YERMA — Não sou triste. É que tenho motivos para estar assim.
VICTOR — E teu marido mais triste que tu.
YERMA — Ele, sim, tem um temperamento seco.
VICTOR — Sempre foi como agora (Pausa. Yerma está sentada) Vieste trazer a comida?
YERMA — Vim. (Olha-o. Pausa) Que tens aqui? (Aponta-lhe a cara)
VICTOR — Onde?
YERMA — (Levanta-se e aproxima-se de Victor) — Aqui... na face; parece uma queimadura.
VICTOR — Não é nada.
YERMA — Parecia-me. (Pausa)
VICTOR — Deve ser o sol.
YERMA — Talvez... (Pausa. Acentua-se o silêncio, e, sem o menor gesto, começa uma luta entre os dois personagens)
YERMA — (Tremendo) — Estás ouvindo?
VICTOR — O quê?
YERMA — Não sentes chorar?
VICTOR — (Escutando) — Não.
YERMA — Pareceu-me que chorava uma criança.
VICTOR — Uma criança?
YERMA — Muito perto. E chorava como afogada.
VICTOR — Por aqui há sempre muitas crianças que vêm roubar frutas.
YERMA — Não. É a voz de uma criança pequena. (Pausa)
VICTOR — Não ouço nada.
YERMA — Serão ilusões minhas. (Mira-o firmemente e Victor também a mira e desvia o olhar lentamente, como com medo. Aparece João)
JOÃO — Que fazes aqui?
YERMA — Conversava.
VICTOR — Saúde! (Sai)
JOÃO — Devias estar em casa.
YERMA — Fiquei entretida.
JOÃO — Não compreendo com que ficaste entretida.
YERMA — Ouvi cantar os pássaros.
JOÃO — Está bem. Assim darás que falar ao povo.
YERMA — (Com força) — João, que estás pensando?
JOÃO — Não o digo por ti: digo-o pelo povo.
YERMA — Um raio que parta o povo!
JOÃO — Não praguejes! É feio, numa mulher.
YERMA — Oxalá fosse eu uma mulher!
JOÃO — Vamos deixar de conversas. Vai para casa. (Pausa)
YERMA — Está bem. Posso esperar por ti?
JOÃO — Não. Passarei toda a noite na rega. Vem pouca água; é minha, até o sair do sol; e tenho que defendê-la dos ladrões. Deita-te e dorme.
YERMA — (Dramática) — Dormir! (Sai)
Segundo Ato
PRIMEIRO QUADRO
(Canto com a cortina corrida. Torrente onde lavam as mulheres da aldeia.
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