Ao deixarem o comércio de lãs, aplicaram seu capital na aquisição de bens nacionais,[2] que representava outro velocino de ouro. O genro, mais ou menos certo de que em breve choraria a morte da mulher, mandou a filha a Paris, para a casa do cunhado, tanto para fazer-lhe conhecer a capital como para seguir uma intenção astuciosa. Descoings não tinha filhos. A sra. Descoings, doze anos mais velha que o marido, gozava ótima saúde; era, porém, gorda como um odre após a vindima e o esperto Rouget sabia bastante medicina para prever que o casal, contrariamente à moral dos contos de fada, seria muito feliz e não teria filhos. O casal bem poderia afeiçoar-se a Ágata. Ora, o dr. Rouget queria deserdar a filha e gabava-se de alcançar seu intento desterrando-a. Essa moça, então a mais bela de Issoudun, não se parecia com o pai nem com a mãe. Seu nascimento dera lugar a uma inimizade eterna entre o dr. Rouget e seu íntimo amigo, sr. Lousteau, antigo subdelegado, que recentemente deixara Issoudun. Quando uma família se expatria, os filhos duma região tão sedutora como Issoudun têm o direito de investigar as razões de um ato tão exorbitante. Segundo as más-línguas, o dr. Rouget, homem vingativo, declarara que Lousteau não escaparia de morrer em suas mãos. Tal ameaça, na boca dum médico, tinha a força dum projétil de canhão. Quando a Assembleia Nacional suprimiu os subdelegados, Lousteau partiu e nunca mais voltou a Issoudun.
Depois da partida dessa família, a sra. Rouget passava os dias inteiros na casa da própria irmã do subdelegado, sra. Hochon, madrinha da filha e a única pessoa a quem ela confiava seus dissabores. Assim, o pouco que a cidade de Issoudun soube da bela sra. Rouget foi contado por essa boa mulher e somente após a morte do doutor.
A primeira frase da sra. Rouget, quando o marido lhe falou em mandar Ágata para Paris, foi:
— Nunca mais verei minha filha!
— E, desgraçadamente, ela teve razão — dizia, mais tarde, a respeitável sra. Hochon.
A pobre mãe ficou, desde então, amarela como um marmelo e seu estado de saúde não desmentiu os que pretendiam que Rouget a estava matando aos poucos. As atitudes do idiota do filho deviam contribuir para fazer infeliz essa mãe injustamente acusada. Pouco comedido, talvez encorajado pelo pai, o rapaz, estúpido em todo o sentido, não tinha as atenções nem o respeito que um filho deve à mãe. João-Jaques Rouget parecia-se com o pai no que este possuía de mau, e o doutor já não andava muito bem no moral nem no físico.
A chegada da encantadora Ágata Rouget não levou felicidade ao tio Descoings. Na mesma semana, ou melhor, na década (pois a República fora proclamada), ele foi preso por uma ordem de Robespierre a Fouquier-Tinville.[3] Descoings, que cometeu a imprudência de julgar que a carestia de gêneros alimentícios era artificial, praticou a tolice de manifestar sua opinião (ele pensava que as opiniões eram livres) a vários fregueses e freguesas, enquanto os atendia. A cidadã Duplay, mulher do marceneiro em cuja casa morava Robespierre e que fazia o serviço doméstico para esse grande cidadão, honrava com sua preferência, para desgraça de Descoings, o armazém desse berriense. Essa cidadã achou que a opinião do vendeiro era insultuosa para Maximiliano I.[4] Já pouco satisfeita com as maneiras do casal Descoings, a ilustre rendeira do clube dos jacobinos encarava a beleza da cidadã Descoings como uma espécie de aristocracia. Envenenou as palavras dos Descoings ao repeti-las a seu bondoso e brando chefe.
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