Rastignac.

— Não é possível — respondeu Finot. — A Torpedo não tem um centavo para dar, pois ainda há pouco, segundo me disse Nathan,[24] pediu mil francos emprestados a Florina.

— Oh, senhores! Oh, senhores! — disse Rastignac, tentando defender Luciano contra tão odiosas imputações.

— Então? — exclamou Vernou. — Será possível que o antigo querido de Corália seja tão delambido?

— Pois esses mil francos — disse Bixiou — são uma prova de que Luciano está vivendo com a Torpedo.

— Que perda irreparável para a literatura, para a ciência, para a arte e para a política! — disse Blondet. — A Torpedo é a única mundana que daria uma bela cortesã; não a tinha estragado a instrução, pois não sabia ler nem escrever; ela de certo nos compreenderia. Podíamos dotar a nossa época com uma dessas magníficas figuras aspasianas sem as quais não há nada grandioso. Vejam como a condessa du Barry fica bem ao século xviii , Ninon de Lenclos ao século xvii , Marion Delorme ao século xvi , Impéria ao século xv , Flora à república romana, a quem fez sua herdeira, e que pôde pagar a dívida pública com essa herança. Que seria Horácio sem Lídia, Tibulo sem Délia, Catulo sem Lésbia, Propércio sem Cíntia, Demétrio sem Lâmia, que hoje é a sua glória?[25]

— Blondet falando de Demétrio no baile da Ópera parece-me Débats[26] demais — disse Bixiou ao ouvido do seu vizinho.

— E, sem essas rainhas todas, que seria o Império dos Césares? — continuou Blondet. — Laís e Ródope[27] são a Grécia e o Egito. Todas são, aliás, a poesia do século em que viveram. Essa poesia que falta a Napoleão, pois que a viúva do seu grande exército é apenas uma brincadeira de caserna, nem sequer faltou à Revolução, que teve a sra. Tallien.[28]

— Agora, na França, onde todos querem triunfar, há um trono vago. Todos juntos podíamos fazer uma rainha. Eu dava à Torpedo uma tia, porque a mãe[29] morreu com efeito no campo da desonra; Du Tillet[30] pagava-lhe um palácio, Lousteau uma carruagem, Rastignac os lacaios, Des Lupeaulx um cozinheiro, Finot os chapéus — Finot não pôde reprimir certo sobressalto ao apanhar à queima-roupa aquele epigrama[31] — Vernou fazia-lhe reclames, Bixiou dizia-lhe graçolas. Iria a aristocracia divertir-se em casa da nossa Ninon, onde nós chamaríamos os artistas sob pena de aguentarem artigos mortíferos. Ninon ii seria magnífica de insolência, esmagadora de luxo. Teria opiniões suas. Leríamos em casa dela alguma obra-prima dramática que tivesse sido proibida, e que, em caso de necessidade, se havia de inventar. Ela não seria liberal, porque uma cortesã é essencialmente monárquica. Que perda! Ela, que devia abranger todo o seu século, anda de amores com um rapazinho que vai fazer dela algum cão de caça!

— Nenhuma das potências femininas que tu citaste chafurdou na rua — disse Finot —, ao passo que a Torpedo se espolinhou na lama.

— Como uma semente de lírio no seu torrão — replicou Vernou —, ela aí se fez bonita e floresceu. Eis donde vem sua superioridade. Acaso não será preciso ter conhecido tudo para criar o riso e a alegria que de tudo participam?

— Ele tem razão — disse Lousteau, que até então observava sem falar. — A Torpedo sabe rir e fazer rir. Essa ciência dos grandes autores e dos grandes atores pertence àqueles que têm penetrado todas as profundezas sociais. Apenas com dezoito anos, já essa pequena tinha conhecido a máxima opulência, a mais baixa miséria, os homens de todas as rodas. Tem uma espécie de varinha de condão com que desencadeia os apetites brutais, tão violentamente comprimidos nos homens que ainda têm coração e que se ocupam de política ou de ciência, de literatura ou de arte. Não há mulher em Paris que possa dizer como ela ao Animal: “Sai!”. E o Animal deixa a toca e se engolfa nos excessos. Arrasta-nos às delícias da boa mesa, ajuda-nos a beber, a fumar. Enfim essa mulher é o sal cantado por Rabelais[32] e que, atirado sobre a matéria, a anima e eleva até as maravilhosas regiões da Arte: seu vestido ostenta magnificências inauditas, seus dedos deixam cair a tempo as pedras preciosas, como sua boca deixa cair os sorrisos; a tudo ela infunde o espírito da circunstância; seu calão fervilha de rasgos picantes; tem o segredo das onomatopeias mais coloridas e mais colorantes; tem...

— Estás perdendo cinco francos de folhetim — disse Bixiou interrompendo Lousteau —, e afinal a Torpedo vale muito mais do que isso; todos vocês foram mais ou menos seus amantes, e nenhum pode dizer que ela foi sua amante; a Torpedo pode ter vocês quando quiser, vocês não a terão nunca. Vocês forçam sua porta, têm um favor a pedir-lhe...

— Oh! Ela é mais generosa que um chefe de bandidos que sabe seu ofício, e mais dedicada que o melhor companheiro de colégio — disse Blondet.