Diverti-vos e sedes felizes. A felicidade a qualquer preço, eis a minha doutrina. Mas tu — disse ele dirigindo-se a Ester —, tu a quem eu tirei da lama e a quem salvei a alma e o corpo, creio que não te irás atravessar no caminho de Luciano. Quanto a ti, pequeno — continuou depois de uma pausa, encarando Luciano —, já não és tão poeta que te deixes arrastar por outra Corália. Nós fazemos prosa. Que pode vir a ser neste mundo o amante de Ester? Nada. Pode acaso Ester tornar-se sra. de Rubempré? Não. Pois bem. O mundo, minha filha — disse ele pondo sua mão sobre a de Ester, que estremeceu como se uma serpente a envolvesse —, o mundo deve ignorar que existes; deve principalmente ignorar que uma tal Ester ama Luciano e é amada por ele... Este apartamento é a tua prisão, minha amiguinha. Se quiseres sair, o que é bom para a saúde, passeia de noite, em horas em que não te possam ver; porque tua beleza, tua mocidade e a distinção que adquiriste no convento logo te fariam notada em Paris. O dia em que alguém, seja quem for — disse ele num tom terrível, acompanhado de um olhar mais terrível ainda —, sonhar que Luciano é teu amante será o teu penúltimo dia. Arranjou-se para esse amigo um decreto que lhe permite usar o nome e as armas de seus antepassados maternos. Mas isso é pouco. Falta-lhe a restituição do título de marquês; e, para o recuperar, tem de casar com alguma fidalga a quem o rei faça esse favor. Tal aliança introduzirá Luciano na roda da Corte. Esta criança, de quem eu consegui fazer um homem, será primeiro secretário de embaixada; mais tarde será ministro em alguma pequena Corte da Alemanha, e, com a ajuda de Deus ou com a minha (o que vale mais), irá um dia sentar-se nos bancos da Câmara dos Pares...

— Ou nos bancos... — disse Luciano interrompendo o homem.

— Cala-te! — exclamou Carlos tapando com sua larga mão a boca do jovem. — Um segredo desses a uma mulher! — disse-lhe ao ouvido.

— Ester, uma mulher?... — exclamou o autor das Boninas .

— Lá vem soneto! — disse o espanhol. — Todos esses anjos voltam mais cedo ou mais tarde a ser mulheres; ora a mulher tem sempre momentos em que é simultaneamente macaco e criança, dois seres que nos matam querendo rir. Ester, minha flor — disse ele à jovem colegial aterrorizada —, arranjei-lhe para criada de quarto uma criatura que me pertence como se fosse minha filha. Você terá por cozinheira uma mulata, coisa que dá grande tom a uma casa. Com Europa e Ásia, você pode viver aqui com uns mil francos por mês, incluindo tudo, como uma rainha... de teatro. Europa foi costureira, modista e comparsa; Ásia já serviu em casa de um lorde glutão. Essas duas criaturas vão ser para você como duas fadas.

Vendo Luciano tão criança diante daquele homem, culpado pelo menos de um sacrilégio e de uma falsidade, aquela mulher, santificada pelo seu amor, sentiu então no fundo da alma um terror profundo. Sem nada responder, arrastou Luciano para o quarto e lá lhe perguntou:

— Esse homem será o diabo?

— Pior ainda... para mim! — respondeu ele vivamente.