A Terceira Parte, “Aonde os maus caminhos vão dar”, saiu em jornal em julho de 1846, com título de “Uma instrução criminal”; reeditada pela segunda vez, em volume separado, assumiu o título de Um drama nas prisões . A Quarta Parte, A última encarnação de Vautrin , saiu em jornal de 13 de abril a 4 de maio de 1847.

As quatro partes da obra só vieram a sair reunidas na edição definitiva de A comédia humana em 1869, isto é, dezenove anos depois da morte de Balzac. Feita aos pedaços, a composição deste romance, um dos maiores de Balzac, arrastou-se, pois, por mais de oito anos, período durante o qual escreveu e publicou, entre outras obras, Uma filha de Eva , Beatriz , O cura da aldeia , Os segredos da princesa de Cadignan , Pierrette , O gabinete das antiguidades , Z . Marcas , Pedro Grassou , Um caso tenebroso , Um conchego de solteirão , Alberto Savarus , Uma estreia na vida , Honorina , A musa do departamento , Modesta Mignon , Os comediantes sem o saberem , O primo Pons , A prima Bete , quer dizer, a maior parte e a mais importante de sua obra. Além do assombro provocado por tão extraordinária fecundidade, deve-nos causar espanto o haver o romancista podido trabalhar simultaneamente em várias obras cujas personagens são as mesmas, interrompendo e retomando ora uma, ora outra. Já explicamos que Esplendores e misérias formam a continuação de Ilusões perdidas : ora, fato estranho, o último episódio deste foi escrito e publicado antes do primeiro daquele. Talvez seja precisamente esta medonha confusão bibliográfica — na qual só nos podemos orientar graças ao trabalho de beneditino do primeiro balzaquista, o visconde Spoelberch de Lovenjoul — a melhor prova da ordem admirável em que esse mundo de três mil personagens devia viver no cérebro de seu inventor.

Como Ilusões perdidas , por sua vez, pode ser considerado a continuação de O pai Goriot , esses dois romances mais Esplendores e misérias das cortesãs formam uma obra só, um livro de proporções enormes; é de estranhar que nenhum editor se tenha lembrado de juntá-los numa edição única. Além dessas duas obras, Esplendores está ligado organicamente a várias outras. Assim, contém a conclusão ou as consequências de episódios contados em A interdição , Uma estreia na vida , A Casa Nucingen , O gabinete das antiguidades . O sistema balzaquiano da volta das personagens está em pleno funcionamento; o número de remissões a acontecimentos anteriores é tão grande que até o leitor familiarizado com o mundo de A comédia pode facilmente perder-se no labirinto. O autor percebeu o perigo e procurou conjurá-lo, remetendo ele mesmo os leitores às obras respectivas. Chega a assinalar não apenas as conexões da narração como também o desenvolvimento de teorias precedentemente esboçadas. Mesmo fora dessas notas, aparecem no próprio texto explicações relativas ao plano, aos pormenores, à execução de A com é dia . Numa palavra, Balzac se faz comentarista de si mesmo, o que nem sempre é vantagem, sobretudo aos olhos de quem lê o romance como obra isolada.

Comparado com as duas primeiras partes da trilogia, Esplendores e misérias das cortesãs é de qualidade artística inferior: não tendo a esplêndida unidade de O pai Goriot , tampouco possui a ordenada e rica variedade de Ilusões perdidas . Sente-se nele, porém, melhor do que em qualquer outro livro de Balzac, um ritmo vertiginoso e avassalador, uma fabulação empolgante. Sucedem-se, muitas vezes entrelaçando-se, mas grosso modo correspondendo à divisão em quatro partes, quatro temas: a cortesã redimida pelo amor; os amores de um ancião; a ascensão e a queda do provinciano ambicioso que deseja tomar Paris de assalto; a luta dos criminosos com a polícia. Os dois ambientes principais do livro, o da prostituição e o das galés, comunicam-se por meio de canais secretos, cujos mistérios Balzac revela, com os meios da alta finança e da aristocracia, ideia esta que o romancista já aproveitou em outros romances, mas do qual tira aqui o melhor partido.

O primeiro e o último dos quatro temas são essencialmente românticos. A figura inesquecível de Ester van Gobseck é a encarnação mais perfeita dessa heroína romântica, que é a prostituta enobrecida e resgatada pela paixão. Vale a pena compará-la com a sua pálida embora famosa cópia, a Dama das camélias , de Alexandre Dumas Filho. (Trata-se indubitavelmente de uma cópia, como o assinala Jean Vignaud citando a página em que Ester, para se entregar a Nuncigen e morrer, faz a sua toilette de noiva: “Pôs seu vestido de renda por cima de uma saia de cetim branco, um cinto branco, calçou sapatos de cetim branco e lançou sobre suas belas espáduas uma echarpe em ponto de Inglaterra. Adornou o cabelo com camélias brancas naturais, imitando um penteado de donzela”. Na última aparição de Ester, Balzac sublinha o pormenor com insistência patética: “Quando a moribunda apareceu na sala, houve um grito de admiração. Os olhos de Ester refletiam o infinito em que a alma se perdia ao vê-los. O preto azulado de sua fina cabeleira fazia sobressair a alvura das camélias”.)

A guerra da polícia e dos criminosos organizados em sociedade foi pela primeira vez aproveitada por Balzac na História dos Treze , e particularmente em Ferragus , com o qual se tornou ele precursor desse gênero híbrido que é o romance policial. O que o levou a voltar ao gênero deve ter sido, pelo menos em parte, o grande êxito obtido por Eugène Sue com suas composições semiliterárias, sobretudo os Mistérios de Paris , publicados em folhetim em 1842 e 1843. A luta de Vautrin e Corentin servirá de modelo para a de Jean Valjean e Javert em Os miseráveis , de Victor Hugo, protótipo e remate do romance romântico.

A crítica, desde o começo, assinalou, ao lado das inegáveis fraquezas de Esplendores e misérias das cortesãs , as grandes belezas de que este livro é cheio. O próprio Sainte-Beuve, cuja hostilidade a Balzac nos é conhecida, reconhece-lhes o valor numa crítica sutil, em que procura temperar o elogio com as suas costumeiras cavilações: “O retrato, a descrição da pessoa e da vida da Torpedo (é este o nome odioso da pobre rapariga perdida) acusam essas observações profundas e finas peculiares ao autor e respiram uma complacência amolecida que logo se insinua no leitor se ele não a repele de início; é este um segredo e como que um malefício deste talento algo subornador que penetra furtivamente até no coração das mulheres honestas como um médico íntimo entra pela alcova... Os costumes que ressaltam destes pretensos quadros do dia serão reais? São pelo menos verdadeiros no sentido que mais de um, hoje em dia, sonha com eles. Ora, não é inútil conhecer mesmo os sonhos e os pesadelos de uma época”. Depois de uma série de ressalvas no tocante ao bom gosto e à exatidão de certos pormenores, o eminente crítico prossegue: “Há uma página sobre a paixão do poeta, amante da cortesã, sobre seu amor que voa, pula, rasteja; esta página para mim resume e figura todo esse estilo, que se assemelha frequentemente ao movimento irregular de uma orgia, à dança contínua e enervada de um sacerdote de Cibele”.

Bellessort reconhece que o romance “é resplandecente de belezas”, lamentando ao mesmo tempo que nele o autor “tenha multiplicado inutilmente as surpresas e os lances teatrais”.

André Gide, no Diário , confirma a sentença de seus predecessores: “Terminada ontem a releitura da longa série que abrange Ilusões perdidas , Esplendores e misérias das cortesãs e A última encarnação de Vautrin , este são Gotardo de A comédia humana , em que Balzac dá ao mesmo tempo o melhor e o pior de si mesmo; incomparável no excelente, mas muito abaixo de Zola no mau e justamente onde Zola teria brilhado. Assim como Hugo, Balzac tem demasiada confiança no seu gênio.