Vendo-se admirada, a mulher, que era jovem, abaixou o véu com um gesto de terror. O lacaio soltou um grito rouco, cuja significação foi bem compreendida pelo cocheiro, pois que a carruagem partiu como uma flecha.

O velho banqueiro sentiu uma comoção terrível; o sangue que subia de seus pés trazia-lhe lume à cabeça, a cabeça mandava chamas ao coração, apertou-se-lhe a garganta. O desgraçado teve medo de alguma indigestão; mas, apesar dessa apreensão capital, pôs-se em pé.

— A toto o calope , sua pesta de torminhoco! — berrou ele. — Cem francos se apanhas aquela carruachem![79]

Aquelas palavras, cem francos , o cocheiro acordou, e o trintanário sem dúvida as ouviu mesmo a dormir. O barão repetiu a ordem, o cocheiro pôs os cavalos a galope e conseguiu alcançar, na b arrière du Trône, uma carruagem mais ou menos semelhante àquela em que Nucingen tinha visto a divina desconhecida, mas onde simplesmente se repoltreava o primeiro caixeiro de qualquer grande casa de modas com alguma grande dama da Rue Vivienne. Esse equívoco consternou o barão.

— Se eu tifesse tracido Chorche em fez de ti, minia cavalcatura, ele não teixaria escapar assim aquela mulier — disse o ricaço ao criado, enquanto os caixeiros examinavam a carruagem.

— Ah, senhor barão! Parece-me que o diabo, em forma de lacaio, trocou sua carruagem por esta.

O tiapo non egziste — disse o barão.

O barão de Nucingen tinha então sessenta anos, e as mulheres eram-lhe inteiramente indiferentes, e com mais razão a sua. Gabava-se de nunca ter conhecido o amor que obriga a fazer loucuras. Considerava uma felicidade haver-se desembaraçado das mulheres, das quais dizia, sem constrangimento, que a mais angélica não valia o que custava, ainda quando se dava de graça. Passava por ser tão completamente embotado que já não comprava nem por dois mil francos por mês o prazer de se fazer enganar. Do seu camarote da Ópera, seus olhos frios contemplavam tranquilamente o conjunto de bailarinas. Nem uma olhadela partia para o capitalista, vinda daquele temível enxame de raparigas velhas e de velhas juvenis, a nata dos prazeres parisienses. Amor natural, amor postiço e amor-próprio, amor de pompa e de vaidade, amor-gosto, amor decente e conjugal, amor excêntrico, tudo o barão tinha comprado e conhecido, exceto o verdadeiro amor. Esse amor acabava de cair sobre ele como uma águia sobre sua presa, como caiu sobre Gentz,[80] o confidente de s.a. o príncipe de Metternich. São sabidas as loucuras que esse velho diplomata fez por causa de Fanny Elssler, cujos ensaios o preocupavam muito mais que os interesses europeus. A mulher que acabava de transtornar aquele cofre couraçado de ferro a que chamavam Nucingen aparecera-lhe como uma dessas mulheres únicas numa geração. Não é certo que a amante de Ticiano, que a Mona Lisa de Leonardo da Vinci, que a Fornarina de Rafael fossem tão belas como a sublime Ester, em quem o olhar perito do parisiense mais observador não poderia reconhecer o mínimo vestígio de cortesã. Assim é que o barão ficou aturdido sobretudo por aquele ar de mulher nobre que Ester, amada, rodeada de luxo, de elegância e de amor, possuía no mais alto grau. O amor feliz é a santa âmbula das mulheres que então as põe altivas como imperatrizes. O barão foi oito noites a fio ao b ois de Vincennes, depois ao de Boulogne, depois aos de Ville-de-Avray, depois ao de Meudon, enfim a todos os arrabaldes de Paris, sem poder encontrar Ester. Essa sublime figura judia que ele dizia ser uma figura da Bíblia estava sempre diante de seus olhos. Ao cabo de quinze dias, perdeu o apetite. Delfina de Nucingen e sua filha Augusta, que a baronesa começava a mostrar à sociedade, a princípio não haviam reparado na mudança do barão. Mãe e filha só viam o sr. de Nucingen pela manhã ao almoço e à noite ao jantar, quando jantavam todos em casa, o que só acontecia quando Delfina dava recepção. Mas ao cabo de dois meses, tomado de uma febre de impaciência, e vítima de um estado semelhante ao que dá a nostalgia, o barão, surpreendido com a impotência do dinheiro, emagreceu e mostrou-se tão profundamente acabado que Delfina secretamente teve esperança de enviuvar. Pôs-se muito hipocritamente a lamentar o marido e não permitiu que a filha saísse. Assediou o marido com perguntas; ele respondeu como respondem os ingleses atacados de spleen , quase não respondendo. Delfina de Nucingen dava um grande jantar todos os domingos. Escolhera esse dia para dar recepção, por ver que, na alta sociedade, ninguém ia ao teatro, sendo portanto o domingo um dia vago. A invasão das classes comerciais ou burguesas torna esse dia quase tão tolo em Paris como é fastidioso em Londres.