A baronesa convidou pois o ilustre Desplein[81]
para jantar a fim de poder consultá-lo sem licença do doente, porque Nucingen dizia sentir-se muito bem. Keller,[82]
Rastignac, De Marsay, Du Tillet, todos os amigos da casa tinham feito ver à baronesa que um homem como Nucingen não devia morrer de improviso; os seus imensos negócios exigiam precauções, fazia-se absolutamente necessário saber o que era aquilo. Foram todos convidados para esse jantar, bem como o conde de Gondreville,[83]
sogro de Francisco Keller, o cavaleiro d’Espard,[84]
Des Lupeaulx, o dr. Bianchon,[85]
o discípulo mais estimado de Desplein, Beaudenord e sua mulher, o conde e a condessa de Montcornet, Blondet, a srta. des Touches, Conti[86]
e finalmente Luciano de Rubempré, para com o qual Rastignac nutria, há cinco anos, a mais viva amizade.
xvi − desespero de um cofre
— Não vai ser fácil livrarmo-nos deste — disse Blondet a Rastignac, vendo entrar Luciano mais belo que nunca e admiravelmente vestido.
— É preferível ser amigo dele, pois trata-se de um adversário muito sério — disse Rastignac.
— Luciano? — perguntou De Marsay. — Adversários sérios são, a meu ver, aqueles cuja posição é clara, e a posição de Luciano tem mais de inatacada que de inatacável. Sim. Pois de que vive ele? De onde lhe vem sua fortuna? Aposto que tem uns sessenta mil francos de dívidas.
— Há um padre espanhol muito rico que o protege, e que é muito amigo dele — disse Rastignac.
— Ele vai casar com a Grandlieu mais velha — disse a srta. des Touches.
— Sim — observou o cavaleiro d’Espard. — Mas querem que ele compre uma propriedade de trinta mil francos de rendimento para garantir o futuro da noiva, e precisa de um milhão, coisa que não se encontra debaixo dos pés de nenhum espanhol.
— É caro, porque Clotilde é muito feia — disse a baronesa, tomando a liberdade de tratar a srta. de Grandlieu pelo seu nome próprio, como se ela, uma Goriot antes do casamento, frequentasse essa roda.
— Qual! — replicou Du Tillet. — A filha de uma duquesa nunca é feia para nós, principalmente quando ela traz o título de marquês e um posto na diplomacia. Porém o maior obstáculo a essa união é o amor insensato que a sra. de Sérisy tem a Luciano. Ela deve dar-lhe muito dinheiro.
— Já me não admira ver Luciano tão sério — tornou De Marsay —, pois certamente a sra. de Sérisy não lhe dará um milhão para o ver casado com a srta. de Grandlieu. Sem dúvida ele não sabe como sair dessa situação.
— Sim, mas a srta. de Grandlieu é louca por ele — disse a condessa de Montcornet — e, com a sua ajuda, talvez o jovem obtenha melhores condições.
— Que irá ele fazer com a irmã e o seu cunhado de Angoulême?[87]
— perguntou o cavaleiro d’Espard.
— Ora — volveu Rastignac —, a irmã é rica, e ele hoje lhe chama sra. Séchard de Marsac.
— Seja como for, mas ele é um rapagão — disse Bianchon levantando-se para cumprimentar Luciano.
— Bom dia, caro amigo — disse Rastignac trocando um caloroso aperto de mão com Luciano.
De Marsay cumprimentou friamente, respondendo à saudação do recém-chegado. Antes do jantar, Desplein e Bianchon, que, gracejando com o barão de Nucingen, o iam examinando, reconheceram que sua enfermidade era inteiramente moral; mas ninguém pôde adivinhar-lhe a causa, pois parecia impossível que aquele profundo político da Bolsa pudesse apaixonar-se. Quando Bianchon, vendo que somente o amor era responsável pelo estado patológico do banqueiro, foi falar com Delfina de Nucingen, ela sorriu como mulher que há muito conhecia o marido. Contudo, depois do jantar, descendo ao jardim, os íntimos da casa cercaram o banqueiro, resolvidos a esclarecer aquele caso extraordinário, por ouvirem Bianchon afirmar que o caso era de amor.
— O barão — disse-lhe De Marsay — não sabe que tem emagrecido consideravelmente? E desconfia-se que está violando as leis da natureza financeira.
— Chamais! —
disse o barão.
— Sim — retrucou De Marsay. — Até se afirma que anda apaixonado.
—
É fertate —
respondeu lamentosamente Nucingen. —
Suspiro por alcuma coisa que non conieço.
— Apaixonado, hein?... O senhor é um gabarola! — disse o cavaleiro d’Espard.
— Zei que estar apaixonato na minia itate é coisa pastante ridícula; mas que querem? É um facto!
— Por alguma senhora da alta sociedade? — perguntou Luciano.
— O barão — disse De Marsay — só pode emagrecer assim por um amor sem esperança, pois tem com que comprar todas as mulheres que podem ou querem vender-se.
— Eu não a conieço —
respondeu o barão. —
E posso tizê-lo porque a ziniora paronesa está no zalão. Até aqui eu não zabia o que era o amor. Acora zei: creio que o amor é a xente emacrecer.
— E onde encontrou essa inocentinha? — perguntou Rastignac.
— No
p
ois de Vincennes, à meia-noite, de carruachem.
— Os sinais quais são? — indagou De Marsay.
— Chapéu de caze pranca, vestido cor-de-rosa, véu pranco... uma ficura vertateiramente píplica! Olhos de foco, tez oriental.
— Isso foi sonho! — disse Luciano sorridente.
—
É fertate.
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