roubei outras vezes, mas sem sabê-lo. Meu pai deixava pela casa charutos Virginia fumados a meio, equilibrados à borda das mesas e das cômodas. Eu imaginava que era a sua maneira de jogá-los fora e pensava também que nossa velha criada Carina dali os poria no lixo. Comecei a fumá-los às escondidas. O simples fato de apossar-me deles já vinha pervadido por uma sensação de estremecer, ao dar-me conta do mal que me estava reservado. Mas mesmo assim fumava-os até sentir a fronte coberta de suores frios e o estômago embrulhando. Não se pode dizer que na infância eu fosse isento de força de vontade.

Sei perfeitamente como meu pai me curou também desse hábito. Num dia de verão, eu tinha voltado de uma excursão escolar, cansado e banhado de suor. Mamãe ajudou-me a tirar as vestes e, depois de envolver-me num roupão, me pôs a dormir num sofá onde ela própria sentou-se também para fazer uma costura. Eu estava quase adormecido, mas, com os olhos ainda cheios de sol; custava a entregar-me ao sono. A deliciosa sensação que naquela idade encontramos no repouso que se segue a uma grande fadiga aparece-me agora como uma imagem própria, tão evidente como se eu ainda estivesse lá, junto daquele corpo que não existe mais.

Recordo a sala grande e fresca onde nós, crianças, brincávamos e que hoje, nestes tempos ávidos de espaço, foi dividida em duas. Meu irmão não aparece nesta cena, o que muito me surpreende, pois creio que certamente participara da excursão e teria, portanto, igual direito ao repouso. Também teria sido posto a dormir, no outro braço do sofá? Olho para o local, mas me parece vazio. Vejo apenas a mim, a delícia do repouso, minha mãe, e depois meu pai cujas palavras sinto ecoar. Entrara sem perceber que eu ali estava, pois chamou em voz alta:

— Maria!

Mamãe, com um gesto acompanhado de um leve movimento dos lábios, apontou para mim, pois me supunha imerso no sono acima do qual eu ainda vagava em plena consciência. Agradou-me tanto que papai tivesse de tratar-me com aquela consideração que permaneci imóvel. Ele pôs-se a lamentar em voz baixa:

— Devo estar maluco. Estou quase certo de ter deixado ainda há pouco um charuto apagado em cima daquela cômoda e não consigo encontrá-lo. Estou cada vez pior. Não me lembro de nada.

Também em voz baixa, mas que traía uma hilaridade contida apenas pelo temor de despertar-me, minha mãe respondeu:

— E olha que ninguém esteve aqui na sala depois do almoço.

Papai murmurou:

— Exatamente por isso acho que estou doido!

Voltou-se e saiu.

Entreabri os olhos e espreitei minha mãe. Ela havia voltado a atenção à costura, mas continuava a sorrir. Decerto não achava que papai fosse ao ponto de estar doido para sorrir assim de seu temor. Aquele sorriso me permaneceu de tal forma impresso na lembrança que um dia o revi nos lábios de minha mulher.

Mais tarde, a falta de dinheiro já não constituía obstáculo à satisfação de meu vício, mas bastavam as proibições para incitá-lo.

Lembro-me de haver fumado muito, escondido em todos os lugares possíveis. Recordo-me particularmente de uma meia hora passada no interior de um porão sombrio, por força da indisposição física que em seguida me assaltou. Estava em companhia de dois outros garotos de quem guardei na memória apenas a ridícula infantilidade de suas roupas: dois pares de calças curtas que ainda estão hirtos em minha memória como se os corpos que as animavam já não tivessem sido eliminados pelo tempo.

Tínhamos muitos cigarros e queríamos saber quem seria capaz de fumar a maior quantidade em menos tempo. Ganhei a parada, ocultando heroicamente o mal-estar que me adveio do estranho exercício. Depois saímos para o ar livre e para o sol. Tive de cerrar os olhos para não cair desmaiado. Logo me recompus e vangloriei-me da proeza. Um dos garotos então me disse:

— Não me importo de ter perdido.