Só fumo enquanto estou gostando.
Recordo-me da observação sadia, mas não da face certamente saudável do menino que a proferiu, embora devesse estar olhando para ele no momento.
Àquela época eu não sabia se amava ou odiava o fumo e o gosto do cigarro, bem como o estado a que a nicotina me arrastava. Quando compreendi que odiava tudo aquilo, a coisa foi pior. E só fui compreendê-lo por volta dos vinte anos. Nessa época sofri durante algumas semanas de violenta dor de garganta acompanhada de febre. O médico prescreveu-me repouso e abstenção absoluta de fumar. Recordo a impressão que a palavra absoluta me causou, enfatizada pela febre: abriu-se diante de mim um vazio enorme sem que houvesse alguém que me ajudasse a resistir a intensa pressão que logo se produz em torno de um vazio.
Quando o doutor se foi, meu pai (mamãe já havia morrido há muitos anos), com uma guimba de charuto na boca, ainda ficou algum tempo me fazendo companhia. Ao ir-se embora, depois de me haver passado ternamente a mão sobre a testa escaldante, disse:
— E nada de fumar, está ouvindo?
Fui invadido por enorme inquietude. Pensei: "Já que me faz mal, nunca mais hei de fumar, mas antes disso quero fazê-lo pela última vez." Acendi um cigarro e logo me senti relevado da inquietude, apesar de a febre talvez aumentar e de sentir a cada tragada que as amígdalas me ardiam como se tocadas por um tição. Fumei o cigarro até o fim com a determinação de quem cumpre uma promessa. E, sempre experimentando dores horríveis, fumei muitos outros enquanto estive acamado. Meu pai ia e vinha com seu charuto na boca, dizendo:
— Muito bem! Mais alguns dias de abstenção e estará curado!
Bastava esta frase para me fazer desejar que ele se fosse logo, a fim de que eu pudesse correr imediatamente para o cigarro. Às vezes fingia mesmo dormir para induzi-lo a ir-se mais depressa.
Aquela enfermidade foi a causa de meu segundo distúrbio: o esforço para libertar-me do primeiro. Meus dias acabaram por ser um rosário de cigarros e de propósitos de não voltar a fumar, e, para ser franco, de tempos em tempos são ainda assim. A ciranda do último cigarro começou aos vinte anos e ainda hoje está a girar. Minhas resoluções são agora menos drásticas e, à medida que envelheço, torno-me mais indulgente para com minhas fraquezas. Ao envelhecermos, sorrimos da vida e de todo o seu conteúdo. Posso assim dizer que, desde há algum tempo, tenho fumado muitos cigarros... que não serão os últimos.
Na folha de rosto de um dicionário encontro um registro meu feito com bela caligrafia e alguns ornatos:
"Hoje, 2 de fevereiro de 1886, deixo de estudar leis para me dedicar à química. Último cigarro!"
Tratava-se de um "último cigarro" muito importante. Recordo todas as esperanças que o acompanharam. Havia perdido o gosto pelo direito canônico, que me parecia distanciado da vida, e corri para a ciência, que é a própria vida, se bem que reduzida a uma retorta. Aquele último cigarro representava o próprio anseio de atividade (também manual) e de meditação sóbria, serena e sólida.
Para fugir das cadeias de combinações do carbono, em que não acreditava, resolvi voltar ao direito. Muito pior! Foi um erro igualmente registrado com um último cigarro, cuja data encontro inscrita numa página de livro. Também este foi importante. Eu me resignava a voltar às intrincâncias do direito com os melhores propósitos, abandonando para sempre as cadeias de carbono. Convenci-me de falta de pendor para a química até mesmo pela minha inabilidade manual. Como poderia tê-la, se continuava a fumar como um turco?
Agora que estou a analisar-me, assalta-me uma dúvida: não me teria apegado tanto ao cigarro para poder atribuir-lhe a culpa de minha incapacidade? Será que, deixando de fumar, eu conseguiria de fato chegar ao homem forte e ideal que eu me supunha? Talvez tenha sido essa mesma dúvida que me escravizou ao vício, já que é bastante cômodo podermos acreditar em nossa grandeza latente. Avento esta hipótese para explicar minha fraqueza juvenil, embora sem convicção definida. Agora que sou velho e que ninguém exige nada de mim, passo com freqüência dos cigarros aos bons propósitos e destes novamente aos cigarros. Que significam hoje tais propósitos? Como aquele velho hipocondríaco, descrito por Goldoni, será que desejo morrer são depois de ter passado toda a vida doente?
Certa vez, quando era estudante, ao mudar de uma pensão, tive que mandar pintar de novo as paredes do quarto, porque eu as havia coberto de datas.
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