“E mesmo que alguém apareça, sou a pior poliglota do mundo.”
A descrição a divertiu, pois ela não tinha a menor pretensão ao título de poliglota. Sua ignorância para línguas estrangeiras era fruto de ter sido educada em Paris e Dresden. Na época em que esteve na escola, ela convivia exclusivamente com outras garotas inglesas, enquanto as professoras nativas que lhes davam aula adquiriam um excelente sotaque inglês.
Essa era sua releitura de um dos versos do Hino Nacional: “Garanta-nos a vitória”.
Mas o patriotismo não lhe fora nada útil naquele momento, pois ela hesitou quando um moreno atarracado, usando uma bermuda de couro e suspensórios amarronzados, veio subindo pela trilha.
Na turma de amigos de Iris havia um jovem com facilidade para línguas. A partir de seu conhecimento das raízes comuns, ele conseguia usar o alemão como um tipo de língua intuitiva, mas precisava contar com a imaginação para interpretar e ser compreendido.
Quando chamou o transeunte em inglês e o pediu que lhe mostrasse onde ficava o vilarejo, Iris se lembrou nitidamente de como o grupo costumava vaiar e ridicularizar as falhas do jovem.
O homem olhou para ela, deu de ombros e balançou a cabeça.
Sua segunda tentativa, num tom de voz mais baixo, fracassou da mesma maneira. O lavrador, que parecia com pressa, continuou andando, e Iris barrou sua passagem, entrando na frente dele. Tinha pleno conhecimento de sua própria impotência, como se fosse uma criatura mutilada, cuja língua tivesse sido arrancada. Mas precisava prender a atenção dele e forçá-lo a entender. Sentindo que havia perdido toda sua dignidade de criatura racional, ela se viu obrigada a fazer gestos, apontando para os caminhos possíveis enquanto continuava repetindo o nome do vilarejo.
“Agora ele vai entender, a não ser que seja um idiota”, pensou.
O homem pareceu ter entendido sua intenção, pois assentiu várias vezes com a cabeça. Mas, em vez de indicar uma ou outra direção, disparou a tagarelar numa língua que ela não conhecia.
Enquanto ouvia a torrente de sons guturais, Iris foi superada pela própria raiva. Ela se sentiu isolada de toda relação humana, como se uma linha fronteiriça tivesse sido apagada e, em vez de estar na Europa, ela estivesse abandonada nos confins da Ásia.
Sem dinheiro e sem uma língua comum, ela poderia vagar indefinidamente. Naquele momento, poderia tomar o rumo da selva em vez de o do vilarejo. O desfiladeiro tinha muitos caminhos afluentes, como os meandros de um mar epicontinental.
À medida que seu medo crescia, o rosto do lavrador começava a tremular, como a ilusão de um pesadelo. Ela notou que a pele dele brilhava, e que ele tinha um leve bócio; além disso, tinha plena ciência do cheiro caprino que ele exalava, pois estava suando devido à subida.
“Eu não consigo entender”, gritou ela, histérica. “Não consigo entender nenhuma palavra. Pare, por favor, pare. Você vai me deixar maluca.”
Por sua vez, o homem ouvia apenas uma tagarelice incompreensível. Estava vendo uma garota, vestida como homem, de uma magreza nada atraente – segundo o padrão local de beleza – e com os joelhos sujos e machucados. Uma estrangeira, embora ele não soubesse a nacionalidade dela. Além disso, havia atingido o auge da irritação e era excepcionalmente estúpida.
Ela parecia não entender que estava dizendo para ele menos da metade do nome do vilarejo, uma vez que três diferentes lugares da região tinham o mesmo prefixo. Ele explicou isso para ela, e pediu o nome completo.
Iris não poderia dar a ele a informação, mesmo que o tivesse entendido. O nome do vilarejo era um trava-línguas que ela nunca havia tentado pronunciar com clareza, mas, assim como as outras pessoas, o chamava pelas três primeiras sílabas.
A situação chegou a um impasse. Fazendo uma careta e dando de ombros, o lavrador deixou Iris sozinha e seguiu seu caminho.
As montanhas projetavam-se sobre ela como uma ameaça concreta. Ela havia comprado cartões-postais da paisagem e os enviara com um comentário estereotipado: “Um cenário maravilhoso”. Em um deles, chegou a rabiscar “Este é meu quarto”, marcando um dos picos com uma cruz irônica.
Agora, as montanhas estavam se vingando. Agachada sob os rochedos salientes, sentiu que elas só tinham a chacoalhar aqueles cumes elevados e reduzi-la a pó embaixo de uma avalanche de pedregulhos. Elas a reduziram à sua insignificância, aniquilaram sua individualidade, exterminaram seu espírito.
O feitiço foi quebrado pelo som de vozes em inglês: o casal em lua de mel vinha dobrando a curva, vindo do hotel.
Esse casal era respeitado por todo o grupo, por causa da integridade de sua discrição e do esplendor de sua aparência. O homem era alto, bonito, de postura imponente. Sua voz inspirava confiança, e ele empinava a cabeça de um jeito que sugeria orgulho excessivo. Os garçons saíam em disparada quando ele acenava com a cabeça, e o proprietário – provavelmente porque o homem ocupava uma suíte presidencial – o chamava de “milorde”.
Sua esposa era quase da mesma altura que ele, com o físico perfeito e o rosto impecável. Usava roupas belíssimas, totalmente inapropriadas para a natureza selvagem; mas era óbvio que se vestia dessa maneira tanto por costume quanto para agradar o marido.
Eles estabeleciam as próprias normas e pareciam ignorar os outros visitantes, que os consideravam membros de uma esfera social mais elevada.
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