Acreditava-se que o nome com que se registraram, “Todhunter”, era inventado para lhes preservar o anonimato.
Passaram por Iris quase sem perceber. O homem levantou o chapéu distraidamente, mas seu olhar era indiferente. Sua esposa não tirava os olhos azuis do caminho de pedras, pois seus saltos eram perigosamente altos.
Ela falava com a voz baixa, mas veemente, apesar do tom abafado.
“Não, querido. Nem mais um dia. Nem por você. Nós já ficamos muito...”
Iris perdeu o resto da frase. Preparou-se para segui-los a uma distância discreta, pois havia mais que se dado conta de sua aparência destruída.
A chegada do casal em lua de mel restabelecera seu senso de proporção. A presença deles era a prova de que o hotel não estava muito longe, pois eles nunca caminhavam longas distâncias. Com isso, as montanhas deixaram de aviltá-la e ela se reedificou – de criatura perdida, voltou a ser a uma moça londrina que criticava o corte de seu short.
Pouco tempo depois, ela reconheceu o santuário verdadeiro, onde havia desviado do caminho principal. Mancando penosamente pela trilha, avistou logo em seguida o lago que se escurecia e as luzes do hotel, brilhando através da verde escuridão.
Quando se lembrou do quanto estava cansada e com fome, começou a pensar de novo no banho quente e no jantar.
Mas embora aparentasse carregar apenas as marcas físicas de sua aventura, seu senso de segurança havia sido abalado, como se a experiência fosse uma ameaça do futuro, para revelar os horrores do desamparo, distante de tudo que lhe era familiar.
C A P Í T U L O 3

Chá das cinco
Quando os recém-casados voltaram para o hotel, os quatro hóspedes restantes estavam sentados do lado de fora, na área coberta de cascalhos, de frente para a varanda. Aproveitavam o tranquilo intervalo à meia-luz, na passagem para o crepúsculo. Estava escuro demais para escrever cartas, ou para ler, e cedo demais para se vestir para o jantar. As xícaras vazias e as migalhas de bolo nas mesas eram o sinal de que tinham tomado o chá da tarde ao ar livre, e permanecido ali desde então.
Demorar-se num mesmo lugar era típico de duas pessoas: as senhoritas Flood-Porter. Na casa dos cinquenta anos, definitivamente acostumadas à sua forma física e aos seus hábitos, elas não eram do tipo que se movimentavam demais. As duas tinham o cabelo grisalho, impecavelmente arrumado, que ainda guardava fios do loiro original suficientes para lhes dar o título de cortesia de loiras. Também tinham em comum uma pele esplendorosa por natureza, e uma expressão ameaçadora.
A pele delicada da mais velha, a srta. Evelyn, era levemente enrugada, pois ela tinha quase sessenta, enquanto a srta. Rose tinha acabado de entrar na casa dos cinquenta. A mais jovem das irmãs era a mais alta e robusta; tinha a voz mais enérgica e a pele mais escura. Mulher de excelente caráter em todos os outros aspectos, tinha um certo ar de arrogância que a levava a repreender sua parceira de bridge.
Durante sua visita, elas formaram um quarteto com o reverendo Kenneth Barnes e sua esposa. Todos haviam viajado no mesmo trem, e planejavam voltar juntos para a Inglaterra. O pároco e sua esposa tinham o dom da sociabilidade, o que as srtas. Flood-Porter, que não o tinham, atribuíam ao fato de terem os mesmos gostos e preconceitos.
O pátio era mobiliado com cadeiras e mesas de ferro, esmaltadas em cores brilhantes, e decorado com vasos de arbustos verdes e empoeirados. Ao olhar em volta, a srta. Evelyn pensava na sua casa encantadora, localizada numa cidade episcopal.
De acordo com os jornais, havia chovido na Inglaterra, de modo que os jardins deviam estar belíssimos, com um gramado verde bem vivo e canteiros viçosos cheios de ásteres e dálias.
“Estou ansiosa para ver meu jardim de novo”, disse ela.
“Nosso jardim”, corrigiu a irmã, sempre muito franca.
“E eu não vejo a hora de me sentar numa cadeira confortável”, riu o pároco. “Rá. Lá vêm os recém-casados.”
Apesar do simpático interesse pelos colegas, ele não os cumprimentou de maneira afável. Depois da última (e derradeira) rejeição, ele aprendeu que o casal não gostava de nenhum tipo de invasão à sua privacidade. Desse modo, inclinou-se na cadeira tragando seu cachimbo, enquanto os observava subir os degraus da varanda.
“Belo casal”, disse ele, em tom de aprovação.
“Fico me perguntando quem eles realmente são”, observou a srta. Evelyn.
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