“O rosto dele me é familiar. Eu sei que o conheço de algum lugar.”

“Dos filmes, talvez”, sugeriu a irmã.

“Ah, você costuma ir ao cinema?”, intrometeu-se a sra. Barnes, esperando encontrar mais um gosto em comum, pois ela escondia uma paixão pelos filmes.

“Só para ver George Arliss e Diana Wynyard”, explicou a srta. Evelyn.

“Isso encerra o assunto”, disse o pároco. “Ele com certeza não é George Arliss, tampouco ela é Diana.”

“Ainda assim, acho que algum mistério circunda esses dois”, insistiu a srta. Evelyn.

“Também acho”, concordou a sra. Barnes. “Fico pensando se eles são realmente casados.”

“E você, é?”, perguntou imediatamente o marido.

Ele riu alegremente quando a viu corar de orelha a orelha.

“Perdoe-me por desapontá-la, querida”, disse ele, “mas não é mais simples acreditar que todos somos o que supomos ser? Inclusive párocos e suas esposas.” Ele bateu a boca do cachimbo para lhes tirar as cinzas e se levantou da cadeira. “Acho que vou conversar com meus amigos lá embaixo no vilarejo.”

“Como ele consegue conversar com eles se não sabe a língua?”, perguntou a srta. Rose sem rodeios, quando o pároco saiu do jardim.

“Ah, ele se faz entender”, explicou a esposa, orgulhosa. “Empatia, sabe? E são todos humanos. Devem esfregar os narizes, como esquimós.”

“Acho que nossos mexericos acabaram expulsando-o daqui”, disse a srta. Evelyn.

“A culpa foi minha”, declarou a sra. Barnes. “As pessoas acham que sou curiosa, mas a verdade é que eu me forço a mostrar interesse nas coisas dos outros. É minha forma de protestar contra nossa terrível timidez nacional.”

“Mas nós temos orgulho dela”, disse a srta. Rose. “A Inglaterra não precisa de publicidade.”

“É claro que não... Mas só trilhamos nosso caminho no mundo uma vez. Preciso me lembrar o tempo todo de que o estranho ao meu lado pode estar com problemas, e que talvez eu possa ajudar.”

As irmãs olharam para ela com aprovação. Era uma mulher esguia, de quarenta e poucos anos, com o rosto alongado e pálido, os cabelos escuros, os traços meigos. Seus grandes olhos castanhos eram tão gentis quanto francos – e seu jeito, autêntico.

Era impossível conectá-la com outra coisa que não fosse uma rígida honestidade. Elas sabiam que a sra. Barnes preferia se perder em explicações desconfortáveis a correr o risco de passar uma falsa impressão.

Ela, por sua vez, gostava das duas irmãs. Eram pessoas sérias, dignas e respeitosas. Pensou que, se presidissem os tribunais, agiriam distintamente e cumpririam seu dever para com Deus e o próximo, sem permitir que nada influenciasse sua índole.

Elas também eram pessoas livres, donas de uma casa agradável com jardim, empregados bem-treinados e dinheiro investido no banco. A sra. Barnes sabia disso. Desse modo, como ser humano, dava-lhe uma sensação de superioridade pensar que o único homem do grupo era seu marido.

Ela podia apreciar o sentido da posse porque, até o seu quadragésimo aniversário, ela passou suas férias anuais na companhia de outras solteironas. Desde que terminara os estudos, ganhava a vida lecionando, até que um milagre lhe deu não apenas um marido, mas também um filho.

Ela e o marido ficaram tão envolvidos com a criança que o pároco temeu algumas vezes que a devoção dos dois pudesse pôr em risco seu destino.