Além disso, ganhou notoriedade o fato de que um mandado que retirava o fugitivo da custódia do delegado federal não pôde ser cumprido, por ausência de forças suficientes para implementá-lo.
Eu julgava até então que o governador era, em certo sentido, o funcionário executivo do estado; que era seu papel, como governador, fazer com que as leis desse estado fossem executadas; desde que, como homem, tomasse cuidado para que, ao agir assim, não violasse as leis da humanidade; mas quando surge uma utilidade importante para ele, o governador é inútil, ou pior que inútil, e permite que as leis permaneçam sem execução. Talvez eu não saiba quais são os deveres de um governador; mas se ser governador exige submeter-se a tanta ignomínia sem remédio, se significa pôr um freio à própria hombridade, jamais desejarei ser governador de Massachusetts. Não li em profundidade os estatutos desta Comunidade de estados. Não vale a pena sua leitura. Eles nem sempre dizem a verdade; e nem sempre querem dizer o que dizem. O que me preocupa é saber que a influência e a autoridade desse homem ficaram do lado do proprietário de escravos, e não do lado do escravo — do culpado, não do inocente — da injustiça, não da justiça. Nunca vi a pessoa de quem falo; de fato, nem sabia que ele era governador até esse evento ocorrer. Ouvi falar dele e de Anthony Burnsd ao mesmo tempo, e será assim, sem dúvida, que a maioria se lembrará dele. Eu não poderia estar mais distante de ser governado por ele. Não quero dizer que o desabone o fato de eu não ter ouvido falar dele, apenas que eu ouvi o que ouvi. O mínimo que posso dizer é que ele não se mostrou nem um pouco melhor do que a maioria de seus eleitores provavelmente se mostraria. Em minha opinião, não esteve à altura da ocasião.
Toda a força militar do estado está a serviço de um tal sr. Suttle, um proprietário de escravos da Virgínia, para permitir-lhe capturar um homem que ele chama de sua propriedade; mas nem um único soldado é oferecido para salvar um cidadão de Massachusetts de ser sequestrado! É para isso que servem todos esses soldados, foi para isso que serviu todo o seu treinamento nos últimos 79 anos? Foram treinados meramente para usurpar o México e trazer escravos fugidos de volta a seus senhores?
Nas últimas noites ouvi rufar de tambores em nossas ruas. Havia homens treinando ainda; e para quê? Eu poderia perdoar sem esforço os galos de Concord por ainda estarem cantando, pois talvez eles tivessem perdido a hora pela manhã; mas não pude perdoar aquele batuque dos “treinadores”. O escravo foi levado de volta por gente como aquela, isto é, pelo soldado, de quem o melhor que se pode dizer a esse propósito é que se trata de um idiota tornado notável pela farda colorida.
Três anos atrás, também, apenas uma semana depois de as autoridades de Boston se unirem para levar de volta à escravidão um homem inocente — e que eles sabiam ser inocente —, os habitantes de Concord fizeram os sinos repicarem e os canhões serem disparados para comemorar sua liberdade — e a coragem e o amor à liberdade de seus antepassados que lutaram na ponte.e Como se aqueles 3 milhões tivessem lutado pelo direito de serem, eles próprios, livres, mas mantendo na escravidão outros 3 milhões. Hoje em dia os homens vestem um barrete de bufão e o chamam de barrete da liberdade. Não sei não, mas penso que há alguns que, se fossem amarrados num pelourinho e só tivessem uma das mãos livre, usá-la-iam para tocar os sinos e disparar os canhões, para celebrar a liberdade deles. Assim, alguns de meus concidadãos tomaram a liberdade de tocar sinos e disparar canhões. Era essa a medida da sua liberdade, e quando o som dos sinos desapareceu, também desapareceu sua liberdade; quando a pólvora se dissipou, sua liberdade virou fumaça.
A piada não seria mais direta se os prisioneiros das cadeias se juntassem para comprar toda a pólvora usada nessas salvas, e contratassem os carcereiros para disparar os tiros e tocar os sinos por eles, enquanto eles assistiriam ao espetáculo através das grades.
Foi isso o que eu pensei dos meus concidadãos.
Cada habitante humano e inteligente de Concord, ao ouvir aqueles sinos e canhões, não sentiu orgulho pelos eventos de 19 de abril de 1775, mas sim vergonha nos de 12 de abril de 1851. Mas agora enterramos em parte aquela velha vergonha sob uma nova.
O estado de Massachusetts esperou sentado pela decisão do sr. Loring, como se esta de algum modo pudesse afetar sua própria culpabilidade. O crime do estado, o mais proeminente e fatal de todos, foi o de permitir que o sr. Loring fosse o juiz de tal caso. Tratava-se, na verdade, do julgamento de Massachusetts. A cada instante em que o estado hesitou em libertar aquele homem — a cada instante em que agora hesita em expiar esse seu crime, ele se condena mais. O encarregado de seu caso é Deus; não um João da Silva Deus, mas simplesmente Deus.
Gostaria que meus compatriotas levassem em consideração que, qualquer que seja a lei humana, não há um indivíduo sequer, ou uma nação sobre a Terra, que possa cometer o mais mínimo ato de injustiça contra o mais obscuro dos indivíduos sem sofrer um castigo por isso. Um governo que deliberadamente pratica a injustiça, e nela persiste, acabará por se tornar alvo do sarcasmo do mundo.
Muito já se falou acerca da escravidão norte-americana, mas penso que ainda nem sequer nos demos conta do que vem a ser a escravidão. Se eu propusesse seriamente ao Congresso a transformação da humanidade em salsichas, não tenho dúvida de que a maioria dos parlamentares riria da minha proposta, e se porventura algum deles acreditasse que eu estava falando sério, pensaria que a minha proposta era pior do que qualquer coisa que o Congresso já tivesse feito. Mas se um deles me dissesse que transformar um homem em salsicha seria muito pior, ou mesmo só um pouco pior, do que convertê-lo em escravo, e do que adotar a Lei do Escravo Fugitivo, eu o acusaria de estupidez, de incapacidade intelectual, por distinguir duas coisas que não têm diferença alguma. Uma proposta é tão razoável quanto a outra.
Ouço muitos falarem sobre pisotear essa lei.
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