Não damos importância à Bíblia, mas sim ao jornal. Em qualquer reunião de políticos — como a que ocorreu em Concord outra noite, por exemplo —, como soaria impertinente citar a Bíblia! E como soa pertinente citar um jornal ou a Constituição! O jornal é uma Bíblia que lemos a cada manhã e a cada tarde, de pé ou sentados, caminhando ou a cavalo. É uma Bíblia que cada homem carrega no bolso, que repousa em cada mesa e balcão, e que o correio, e milhares de missionários, estão entregando continuamente. É, em suma, o único livro que a América imprimiu, e o único que a América lê. Sua influência é vastíssima. O editor é um sacerdote que as pessoas sustentam voluntariamente. O dízimo, em geral, é de um centavo por dia, e não é preciso pagar pelo aluguel do banco da igreja. Mas quantos desses sacerdotes pregam a verdade? Repito o testemunho de muitos estrangeiros inteligentes, bem como minhas próprias convicções, quando digo que provavelmente país algum jamais foi governado por uma classe tão vil de tiranos como são, com poucas e nobres exceções, os editores da imprensa periódica deste país. E como eles vivem e reinam de acordo apenas com seu servilismo, e apelando para o que há de pior, e não de melhor, na natureza humana, as pessoas que os leem estão na condição do cão que volta a comer o que acabou de vomitar.
O Liberator e o Commonwealth foram, até onde eu sei, os únicos jornais de Boston que manifestaram sua condenação à covardia e à vileza exibidas pelas autoridades daquela cidade em 1851. Os outros jornais, quase sem exceção, por sua maneira de se referir à Lei do Escravo Fugitivo e à recaptura do escravo Simms, insultaram o bom senso do país, para dizer o mínimo. E, em sua maior parte, fizeram isso, poder-se-ia dizer, porque julgaram conseguir assim a aprovação de seus patronos, sem se dar conta de que um sentimento mais profundo predominava no coração da Comunidade. Contam-me que alguns deles melhoraram nos últimos tempos; mas eles são ainda essencialmente oportunistas. Essa é a reputação que conquistaram.
Mas, por sorte, esse sacerdote pode ser atingido mais facilmente pelas armas do reformador do que o sacerdote infiel. Para matar de uma vez só uma porção deles, os homens livres da Nova Inglaterra só precisam abster-se de comprar e ler esses jornais, negando-lhes seus centavos. Alguém que eu respeito me contou que comprou no trem o Citizen, de Mitchell, e o jogou pela janela. Mas será que o seu desprezo não teria sido expresso de maneira mais incisiva se ele simplesmente não o tivesse comprado?
Serão americanos? Serão naturais da Nova Inglaterra? Serão habitantes de Lexington, de Concord, de Framingham, os que leem e sustentam o Boston Post, o Mail, o Journal, o Advertiser, o Courier e o Times? Serão essas as bandeiras da nossa União? Não sou um leitor de jornais, e posso estar omitindo os nomes dos piores deles.
Nem mesmo a escravidão sugere, talvez, um servilismo mais completo do que o exibido por alguns desses jornais. Existe imundície que a conduta deles não lamba, e que não torne ainda mais imunda com sua saliva? Não sei se o Herald de Boston ainda existe, mas me lembro de tê-lo visto nas ruas quando Simms estava sendo levado de volta a seu dono. O jornal não cumpriu bem seu papel? Não serviu fielmente a seu amo? Como poderia ter rastejado mais? Como pode um homem se rebaixar mais do que sua própria baixeza? Fazer mais do que baixar a cabeça ao nível dos pés, fazer da cabeça sua extremidade mais baixa? Ao erguer aquele jornal com as duas mãos, eu ouvia o gorgolejo do esgoto atravessando cada coluna. Sentia que estava segurando um papel tirado dos bueiros da cidade, uma folha arrancada do evangelho da casa de jogo, da taverna e do bordel, em harmonia com o evangelho da bolsa de mercadorias.
Em sua maioria, os homens do Norte, do Sul, do Leste e do Oeste não são homens de princípios. Quando votam, eles não mandam representantes ao Congresso para cumprir missões humanitárias; enquanto seus irmãos e irmãs são açoitados e enforcados por amar a liberdade — e aqui eu poderia inserir tudo o que a escravidão implica e representa —, é com a má gestão da madeira, do ferro e do ouro que eles estão preocupados. Faça o que quiser, ó Governo, com minha esposa e meus filhos, minha mãe e meu irmão, meu pai e minha irmã, obedecerei aos seus mandamentos ao pé da letra. Claro que me afligirei se você os ferir, se os entregar aos capatazes, para ser caçados pelos cães ou açoitados até a morte; mas mesmo assim seguirei pacificamente a profissão que escolhi nesta bela terra, até que um dia, quem sabe, quando tiver pranteado a morte deles, eu possa convencê-lo a se abrandar. Tal é a atitude, tais são as palavras de Massachusetts.
Em vez de fazer isso, nem preciso dizer que fósforo eu acenderia, que sistema eu tentaria explodir — mas, por amar a minha vida, ficaria do lado da luz e deixaria a terra escura rolar sob meus pés, chamando minha mãe e meu irmão a me seguirem.
Eu lembraria a meus compatriotas que eles devem ser antes de tudo homens, e só depois, no momento adequado, americanos. Não importa quão valiosa possa ser a lei para proteger sua propriedade, ou mesmo para garantir a integridade de seu corpo e sua alma, se ela não mantiver a pessoa unida à humanidade.
Lamento dizer que duvido que exista um juiz em Massachusetts disposto a renunciar ao cargo, e a ganhar a vida inocentemente, toda vez que se exija dele emitir uma sentença com base numa lei que é simplesmente contrária à lei de Deus. Sou obrigado a constatar que eles se colocam — ou antes, são assim mesmo, por sua própria natureza — exatamente no mesmo plano do fuzileiro naval que dispara seu mosquete na direção que lhe ordenarem. São mais instrumentos do que propriamente homens. Com certeza não merecem mais respeito pelo fato de seu amo escravizar seu entendimento e sua consciência, e não o seu corpo.
Os juízes e advogados — apenas como tais, quero dizer — e todos os espertalhões julgam um caso desses com base em padrões muito baixos e incompetentes. Eles não avaliam se a Lei do Escravo Fugitivo é justa, mas se é o que eles chamam de constitucional. Constitucional é a virtude ou o vício? A equidade ou a iniquidade? Em questões morais e vitais como esta, perguntar se uma lei é ou não constitucional é tão fora de propósito quanto perguntar se ela é ou não lucrativa. Eles insistem em ser os servidores dos piores entre os homens, e não os servidores da humanidade.
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