A questão não é saber se o nosso avô, setenta anos atrás, fez um acordo para servir o diabo, e se esse serviço está ou não sendo cumprido devidamente; a questão é saber se nós agora, finalmente, serviremos a Deus — a despeito de nossa covardia pregressa, ou da covardia do nosso antepassado —, obedecendo à única constituição eterna e justa, que Ele, e não Jefferson ou Adams, escreveu em nosso ser.

O resultado disso é que, se a maioria decidir pelo voto que o diabo passa a ser Deus, a minoria se resignará a viver e comportar-se de acordo com isso, confiando que em algum momento, por obra do voto em um grande Orador, talvez se possa recolocar Deus em seu lugar. Este é o princípio mais elevado que posso inferir ou inventar para meus concidadãos. Esses homens agem como se acreditassem poder deslizar seguramente morro abaixo por um pequeno trecho — ou uma grande distância — e chegar ilesos a um lugar de onde poderão, depois, começar a deslizar de volta morro acima. É a lei do menor esforço, a escolha do caminho que oferece os menores obstáculos para os pés, isto é, o caminho morro abaixo. Mas não se pode realizar uma reforma íntegra e honrada mediante o uso do “menor esforço”. Não há como deslizar morro acima. No campo da moral, os únicos esquis que existem deslizam para trás.h

Desse modo adoramos a riqueza material, bem como a escola, o Estado e a Igreja, e no sétimo dia blasfemamos contra Deus com um grande rebuliço de uma ponta a outra da União.

Será que a humanidade nunca vai entender que estratégia não é moralidade — que ela nunca assegura qualquer direito moral, mas se limita a levar em conta apenas o que é conveniente? Que ela escolhe o candidato à mão, que é invariavelmente o diabo? Ora, que direito têm seus eleitores de ficar surpresos quando o diabo não se comporta como um anjo de luz? O que faz falta são homens constituídos não de astúcia, mas de probidade, que reconheçam uma lei mais elevada que a Constituição ou que a decisão da maioria. O destino do país não depende de como votamos nas eleições — nesse jogo o pior dos homens se equipara ao melhor —, não depende do tipo de papel que colocamos na urna uma vez por ano, mas do tipo de homem que cada um de nós coloca na rua ao sair de casa a cada manhã.

O que deveria preocupar Massachusetts não é a Lei de Nebraska, nem a Lei do Escravo Fugitivo, mas sua própria escravatura e servilismo. Que o estado dissolva sua união com os proprietários de escravos. Ele pode oscilar e hesitar, pode pedir licença para ler mais uma vez a Constituição; mas não pode encontrar nenhuma lei ou precedente respeitável que endosse sequer por um instante a continuação de semelhante união.

Que cada habitante do estado dissolva sua união com ele enquanto ele postergar o cumprimento de seu dever.

Os eventos do último mês me ensinam a desconfiar da Fama. Percebo que, em vez de discernir cuidadosamente, ela prefere a aclamação vulgar. Não leva em consideração o heroísmo de uma ação em si, mas apenas sua conexão com as consequências aparentes. Fica rouca de tanto louvar a proeza fácil do Boston Tea Party,i mas em comparação silencia a respeito do ataque mais corajoso e desinteressadamente heroico ao Tribunal de Justiça de Boston, simplesmente porque não teve êxito!

Coberto de vergonha, o Estado ficou sentado calmamente enquanto eram decididos no tribunal o destino e as liberdades dos homens que tentaram realizar por ele aquilo que era seu dever. E chamam a isso de justiça! Aqueles que demonstraram comportar-se especialmente bem poderão, quem sabe, ser presos por bom comportamento. Aqueles a quem a verdade exige no momento que se declarem culpados são, entre todos os habitantes do estado, os mais notoriamente inocentes. Enquanto o governador, o prefeito e incontáveis autoridades da Comunidade de estados estão soltos, os defensores da liberdade estão na prisão.

Os únicos isentos de culpa são os que cometem o crime de desprezar um tribunal assim. Cabe a todo homem cuidar para que sua influência esteja do lado da justiça, e os tribunais que tomem suas decisões. Minhas simpatias neste caso estão inteiramente com os acusados, e inteiramente contra os acusadores e juízes. A justiça é doce e musical; a injustiça é desarmônica e dissonante. O juiz ainda senta diante do seu órgão e aciona a manivela, mas não produz música alguma, e só o que ouvimos é o som produzido pela manivela. Ele crê que toda música reside na manivela, e a multidão atira-lhe suas moedas como antes.

Os senhores supõem que o estado de Massachusetts, que agora está fazendo essas coisas — hesita em honrar esses acusados, cujos advogados e talvez até juízes podem ser levados a refugiar-se em picuinhas para não ultrajar completamente seu senso instintivo de justiça —, os senhores supõem que esse estado é algo mais do que abjeto e servil? Que ele é o paladino da liberdade?

Mostrem-me um estado livre, e um tribunal que seja realmente de justiça, e eu lutarei por eles, se for necessário; mas mostrem-me Massachusetts e eu lhe recusarei minha submissão e expressarei desprezo por seus tribunais.

O resultado de um bom governo é tornar a vida mais valiosa — o de um mau governo é torná-la menos valiosa. Podemos suportar que as ferrovias, e todos os outros bens meramente materiais, percam um pouco de seu valor, pois isso só nos obrigará a viver de modo mais simples e econômico; mas suponham que o valor da própria vida tivesse que ser diminuído! Como querer menos do homem e da natureza, como viver de modo mais econômico do que fazemos no que diz respeito à virtude e às qualidades nobres? De um mês para cá tenho vivido — e creio que todo homem de Massachusetts capaz do sentimento de patriotismo deve vivenciar uma experiência semelhante — com a sensação de ter sofrido uma perda enorme e indefinida. Não identifiquei de início o que me afligia. Ocorreu-me, por fim, que o que eu perdi foi um país. Nunca respeitei o governo sob o qual eu vivia, mas pensei tolamente que pudesse viver aqui, ocupado com meus assuntos pessoais, e esquecê-lo. De minha parte, minhas velhas e mais valiosas atividades perderam não sei dizer quanto de seu atrativo, e sinto que meu investimento na vida aqui vale muitos pontos percentuais a menos desde a última vez que Massachusetts mandou deliberadamente de volta à escravidão um homem inocente, Anthony Burns. Antes disso eu vivia, talvez, na ilusão de que minha vida se passava em algum lugar entre o céu e o inferno, mas agora não posso me convencer de que não vivo completamente dentro do inferno. O território dessa organização política chamada Massachusetts está, para mim, coberto moralmente de cinzas e lava vulcânica, tal como Milton descreve as regiões infernais. Se existe um inferno mais desprovido de princípios que os nossos governantes, e que nós, os governados, sinto curiosidade em conhecê-lo. Se a vida vale menos, todas as coisas que fazem parte dela, ou que para ela concorrem, também perdem valor.