Um nome familiar não pode tornar um homem menos estranho para mim. Ele pode ter sido dado a um selvagem que guarda em segredo seu próprio título selvagem conquistado nas matas. Temos um bárbaro selvagem dentro de cada um de nós, e um nome bárbaro talvez esteja registrado como nosso em algum lugar. Vejo que meu vizinho, que ostenta o epíteto familiar de William, ou Edwin, despe-o junto com seu paletó. O nome não adere a ele enquanto está dormindo, ou quando tem um acesso de fúria ou está tomado por alguma paixão ou inspiração. Num momento assim, tenho a impressão de ouvir, pronunciado por alguém de sua família ou círculo de amigos, seu nome selvagem original, em alguma língua árida ou melodiosa.

 

 

Eis aqui esta vasta, bárbara e uivante mãe de todos nós, a Natureza, espalhando-se à nossa volta, com tanta beleza, tanto afeto por seus filhos como a mãe leopardo; e no entanto somos tão cedo desmamados do seu seio e lançados à sociedade, àquela cultura que é exclusivamente uma interação de homens com homens — uma espécie de criação endogâmica, que produz quando muito uma nobreza meramente inglesa, uma civilização destinada a ter um limite estreito.

Em sociedade, nas melhores instituições humanas, é fácil detectar uma certa precocidade. Quando ainda deveríamos ser crianças em desenvolvimento, somos já pequenos homens. Quero uma cultura que traga muito estrume dos prados para adensar seu solo — não uma que se fie apenas em fertilizantes, implementos avançados e técnicas de cultivo.

Tive conhecimento de muitos pobres estudantes com olheiras que se desenvolveriam mais rápido, tanto intelectual como fisicamente, se, em vez de ficar acordados até tão tarde, permitissem a si mesmos dormir honestamente como bobos.m

Pode haver excesso até na luz que dá forma. Niépce, um francês, descobriu o “actinismo”, aquele poder dos raios solares de produzir um efeito químico. Descobriu que pedras de granito, estruturas rochosas e estátuas metálicas “sofrem todas uma ação destrutiva semelhante durante as horas de sol e, não fosse por outras ações não menos maravilhosas da Natureza, pereceriam em pouco tempo sob o toque delicado do mais sutil dos agentes do universo”. Mas ele observou que “os corpos que sofriam essa mudança durante o dia possuíam o poder de recuperar suas condições originais durante as horas noturnas, quando aquela excitação não mais os influenciava”. Daí se deduziu que “as horas de escuridão são tão necessárias à criação inorgânica quanto a noite e o sono são, como sabemos, para o reino orgânico”. Nem mesmo a lua brilha todas as noites, mas dá lugar à escuridão.

Eu não gostaria que todo homem, ou cada pedaço de um homem, fosse cultivado por inteiro, assim como não gostaria que cada acre de terra fosse cultivada: uma parte será lavoura, mas a maior parte há de ser campina e floresta, não servindo para um mero uso imediato, mas preparando um humo para um futuro distante, mediante a decomposição anual da vegetação que ali cresce.

Há outras letras para a criança aprender além daquelas que Cadmo inventou. Os espanhóis têm uma boa fórmula para expressar esse conhecimento selvagem e obscuro — gramática parda —, uma espécie de saber materno derivado da mesma mãe leopardo a que me referi.

Ouvimos falar de uma Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil. Costuma-se dizer que conhecimento é poder, e coisas do tipo. Penso que é igualmente necessária uma Sociedade para a Difusão da Ignorância Útil, que chamaremos de Conhecimento Belo, um conhecimento útil num sentido mais elevado: pois o que é a maior parte do nosso presunçosamente chamado conhecimento, senão a vaidade de saber algo, uma vaidade que nos priva da vantagem da nossa verdadeira ignorância? O que chamamos de conhecimento é muitas vezes nossa efetiva ignorância; e o que chamamos de ignorância, nosso conhecimento negativo. Mediante anos a fio de paciente labor e leitura dos jornais — pois o que são as bibliotecas de ciências senão arquivos de jornais? — um homem acumula uma miríade de fatos, armazena-os na memória, e então, quando em alguma primavera da sua vida resolve perambular pelos Grandes Campos do pensamento, ele, por assim dizer, corre para o pasto como um cavalo, e deixa para trás todos os seus arreios. À Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil eu por vezes diria: “Corram para o pasto. Vocês já comeram forragem suficiente. A primavera chegou com sua relva verdejante”. As próprias vacas são levadas a suas pastagens em campo aberto antes do final de maio; se bem que eu soube de um fazendeiro desnaturado que mantinha sua vaca no estábulo e a alimentava só de forragem durante o ano todo. É assim que, frequentemente, a Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil trata seu gado.

A ignorância de um homem às vezes é não apenas útil, mas bela, enquanto seu assim chamado conhecimento é frequentemente pior que inútil, além de ser feio. Com que homem é melhor lidar? Com aquele que não sabe nada sobre um assunto e — o que é extremamente raro — sabe que não sabe, ou com aquele que de fato sabe alguma coisa a respeito, mas pensa que sabe tudo?

Meu desejo de conhecimento é intermitente; mas meu desejo de adentrar atmosferas desconhecidas aos meus passos é constante e perene. O mais alto a que podemos ascender não é o Conhecimento, mas a Sintonia com a Inteligência. Não creio que esse conhecimento mais elevado represente algo mais definitivo do que uma nova e grandiosa surpresa diante da súbita revelação da insuficiência de tudo o que chamávamos Conhecimento até então — uma descoberta de que há mais coisas no céu e na terra do que sonhava a nossa filosofia. É a dissipação do nevoeiro pelo sol. O homem não é capaz de saber em qualquer sentido superior a esse, assim como não pode olhar, serena e impunemente, direto para o sol: “Você não compreenderá nada tão bem quanto uma coisa particular”, dizem os Oráculos Caldeus.

Há algo de servil no hábito de ficar procurando uma lei que possamos obedecer. Podemos estudar as leis da matéria de acordo com nossa conveniência, mas uma vida bem-sucedida não conhece lei alguma. É sem dúvida uma descoberta infeliz a de uma lei que nos prende àquilo a que antes não sabíamos que estávamos presos. Vivamos livres, filhos do nevoeiro — pois, no que diz respeito ao conhecimento, somos todos filhos do nevoeiro.