Não desejo me perder em minúcias, fazer distinções sutis ou me colocar acima de meus semelhantes. Ao contrário, posso dizer que até procuro uma desculpa para acatar as leis do país. Estou mesmo muito disposto a acatá-las. De fato, tenho razões para desconfiar de mim mesmo quanto a este tópico; e a cada ano, quando o coletor de impostos aparece, eu me vejo resolvido a passar em revista os atos e posições dos governos geral e estadual, bem como o espírito do povo, a fim de descobrir um pretexto para a obediência.
Devemos ter afeto por nosso país como temos por
[nossos pais;
E se em algum momento deixarmos de honrá-lo
Com o nosso amor ou com nossa dedicação,
Devemos respeitar as aparências e ensinar à alma
As coisas da consciência e da religião,
E não o desejo de poder ou benefício.29
Acredito que o Estado logo será capaz de me tirar das mãos todo trabalho desse tipo, e então não serei mais patriota que o restante de meus patrícios. Contemplada de um ponto de vista menos elevado, a Constituição, com todas as suas falhas, é muito boa; a lei e os tribunais são muito respeitáveis; até mesmo este estado e este governo americano são, em vários aspectos, bastante admiráveis e extraordinários, e devemos ser gratos a eles, como muitos já disseram. Mas, de um ponto de vista um pouco superior, são como os descrevi; e vistos de mais acima ainda, do alto de tudo, quem poderia dizer o que são essas instituições, ou o quanto vale a pena examiná-las e refletir sobre elas?
No entanto, o governo não me preocupa muito, e dedicarei a ele a menor quantidade possível de pensamentos. Não são muitos os momentos da vida nos quais vivo sob um governo, mesmo neste mundo tal como ele é. Se um homem tem pensamento, fantasia e imaginação livres, de tal modo que o que não é jamais lhe pareça ser por muito tempo, governantes insensatos não podem interrompê-lo definitivamente.
Sei que a maioria dos homens pensa de modo diferente do meu, mas aqueles cujas vidas são, por ofício, dedicadas ao estudo de semelhantes assuntos satisfazem-me tão pouco quanto os demais. Estadistas e legisladores, estando tão completamente entranhados na instituição, nunca conseguem observá-la de modo distinto e franco. Falam da sociedade em movimento, mas não têm nenhum lugar de repouso fora dela. Podem ser homens de certo discernimento e experiência, e sem dúvida inventaram sistemas engenhosos e mesmo úteis, pelos quais lhes somos sinceramente gratos; mas toda a sua perspicácia e sua utilidade situam-se dentro de limites não muito amplos. Têm o hábito de esquecer que o mundo não é governado por diretrizes e conveniências. Webster30 nunca chega aos bastidores do governo, e portanto não pode falar com autoridade a seu respeito. Suas palavras são sinônimo de sabedoria para os legisladores que não cogitam fazer nenhuma reforma essencial no governo vigente. Mas, para os pensadores, e para aqueles que legislam para todos os tempos, ele nem chega a vislumbrar o assunto. Sei de alguns cujas especulações serenas e sábias sobre o tema logo revelariam os limites do alcance e da receptividade da mente dele. No entanto, comparadas com a atuação reles da maioria dos reformistas, e com a ainda mais reles sabedoria e eloquência dos políticos em geral, as palavras de Webster são quase as únicas sensíveis e valiosas, e damos graças aos céus por sua existência. Comparativamente, ele é sempre vigoroso, original e, acima de tudo, prático. Ainda assim, sua virtude não é a da sabedoria, mas a da prudência. A verdade de um advogado não é a Verdade, mas a coerência, ou uma conveniência coerente. A Verdade está sempre em harmonia consigo mesma, e não está preocupada primordialmente em revelar a justiça que possa porventura ser compatível com o mal. Webster bem merece ser chamado, como foi, de Defensor da Constituição. De fato, não há golpes que ele desfira que não sejam de defesa. Ele não é um líder, mas sim um seguidor. Seus líderes são os homens de 87.31 “Nunca empreendi iniciativa alguma”, diz ele, “e nunca me propus a isso; nunca apoiei iniciativa alguma, nem pretendo, no sentido de perturbar o acordo original pelo qual os vários estados constituíram a União.” No entanto, pensando na chancela que a Constituição concede à escravidão, ele diz: “Por fazer parte do pacto original, que continue”. Não obstante sua notável argúcia e habilidade, ele é incapaz de separar um fato de seu contexto meramente político e de contemplá-lo de modo absoluto, tal como se apresenta ao intelecto — por exemplo, o que cabe a um homem fazer, na América atual, no tocante à escravidão. Porém, se aventura a fazer (ou é levado a isso) afirmações desesperadas como as que se seguem, embora admitindo estar falando em termos absolutos, e como homem particular; que novo e singular código de deveres sociais pode ser inferido disso? “O modo como”, diz ele, “os governos dos estados onde existe a escravidão devem regulamentá-la é de seu próprio arbítrio, levando em consideração sua responsabilidade perante seus eleitores, perante as leis gerais da propriedade, humanidade e justiça, e perante Deus. Associações formadas alhures, nascidas de um sentimento humanitário, ou de outra causa qualquer, nada têm a ver com isso. Elas nunca receberam qualquer encorajamento de minha parte, e nunca receberão.”a
Aqueles que não conhecem fontes mais puras da verdade, que não foram mais longe correnteza acima, apegam-se, prudentemente, à Bíblia e à Constituição, e delas bebem com reverência e humildade. Mas aqueles que avistam de onde ela vem para desaguar neste lago ou naquela lagoa, aprumam o corpo mais uma vez e continuam sua peregrinação até a nascente.
Nenhum homem dotado de gênio para legislar apareceu até hoje na América.
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