Virgílio o informa a respeito de muitos ilustres personagens da antigüidade que estão no Limbo. Chegando os Poetas no sexto compartimento, encontram uma árvore cheia de pomos perfumados, da qual saem vozes que louvam a virtude da temperança.
Già era l’angel dietro a noi rimaso,
l’angel che n’avea vòlti al sesto giro,
avendomi dal viso un colpo raso;
O anjo atrás já tínhamos deixado,
Que para o sexto círc’lo nos guiava,
Um P na fronte havendo-me apagado.
e quei c’ hanno a giustizia lor disiro
detto n’avea beati, e le sue voci
con ’sitiunt’, sanz’altro, ciò forniro.
E à turba, que a justiça desejava,
Tinha dito Beati docemente
Com sitio e, após tais vozes, se calava.
E io più lieve che per l’altre foci
m’andava, sì che sanz’alcun labore
seguiva in sù li spiriti veloci;
Mais que em toda a jornada antecedente
Eu, ligeiro, seguia sem fadiga
Os Vates, que subiam velozmente.
quando Virgilio incominciò: “Amore,
acceso di virtù, sempre altro accese,
pur che la fiamma sua paresse fore;
— “Aquele amor, com que virtude instiga,
Reproduz” — disse o Mestre — “a própria chama
Mostras de si apenas dar consiga.
onde da l’ora che tra noi discese
nel limbo de lo ’nferno Giovenale,
che la tua affezion mi fé palese,
“Dês que, da vida terminada a trama,
Do inferno ao limbo, Juvenal descendo,
Saber me fez o afeto, que te inflama,
mia benvoglienza inverso te fu quale
più strinse mai di non vista persona,
sì ch’or mi parran corte queste scale.
“Tão vivo bem-querer sabe te rendo,
Quanto haver pode a incógnita pessoa,
Contigo ora suave andar me sendo.
Ma dimmi, e come amico mi perdona
se troppa sicurtà m’allarga il freno,
e come amico omai meco ragiona:
“Mas dize (e como amigo me perdoa,
Se em falar há nímia confiança
E em prática amigável arrazoa):
come poté trovar dentro al tuo seno
loco avarizia, tra cotanto senno
di quanto per tua cura fosti pieno?”.
“Como avareza fez em ti liança
Com ciência, que o estudo te alcançava
E em que punhas cuidados e esperança?”
Queste parole Stazio mover fenno
un poco a riso pria; poscia rispuose:
“Ogne tuo dir d’amor m’è caro cenno.
Às palavras do Mestre pronto estava
Estácio, e lhe sorrindo: — “O que me hás dito
Penhor caro é de afeto” — lhe tornava.
Veramente più volte appaion cose
che danno a dubitar falsa matera
per le vere ragion che son nascose.
“Muitas vezes da dúvida o conflito
Por aparência errônea é suscitado,
Até que a exata causa surja ao esp’rito.
La tua dimanda tuo creder m’avvera
esser ch’i’ fossi avaro in l’altra vita,
forse per quella cerchia dov’io era.
“Fica em tua pergunta declarado
Creres que eu fora avaro noutra vida,
Por ser no círc’lo a avaros destinado.
Or sappi ch’avarizia fu partita
troppo da me, e questa dismisura
migliaia di lunari hanno punita.
“Pois sabe que a avareza repelida
Por mim foi nimiamente, e a demasia
De luas em milhares foi punida.
E se non fosse ch’io drizzai mia cura,
quand’io intesi là dove tu chiame,
crucciato quasi a l’umana natura:
“Minha alma eterno fardo volveria,
Se atenção tanta em mim não despertasse
A indi’nação, que nos teus versos via,
’Per che non reggi tu, o sacra fame
de l’oro, l’appetito de’ mortali?’,
voltando sentirei le giostre grame.
“Quando lançaste dos mortais à face:
— “A que extremos impeles os humanos,
Fome de ouro sacrílega e rapace!” —
Allor m’accorsi che troppo aprir l’ali
potean le mani a spendere, e pente’ mi
così di quel come de li altri mali.
“Então do excesso em despender, os danos
Aprender pude, agro pesar sentindo
Desse pecado e de outros tantos insanos.
Quanti risurgeran coi crini scemi
per ignoranza, che di questa pecca
toglie ’l penter vivendo e ne li stremi!
“Chorarão, tosquiados ressurgindo,
Quantos não têm sabido à penitência
Dar-se em vida ou sua hora extrema em vindo!
E sappie che la colpa che rimbecca
per dritta opposizione alcun peccato,
con esso insieme qui suo verde secca;
“Cada culpa e a que tem contrária essência
Aqui a pena dão conjuntamente,
No martírio expurgando a virulência.
però, s’io son tra quella gente stato
che piange l’avarizia, per purgarmi,
per lo contrario suo m’è incontrato”.
“Estive entre essa turba penitente,
Que o desvario chora da avareza
Por ter sido no oposto renitente.” —
“Or quando tu cantasti le crude armi
de la doppia trestizia di Giocasta”,
disse ’l cantor de’ buccolici carmi,
— “Quando cantaste de armas a crueza,
Que duplamente molestou Jocasta” —
Disse o cantor da pastoril simpleza —
“per quello che Clïò teco lì tasta,
non par che ti facesse ancor fedele
la fede, sanza qual ben far non basta.
“Pois que de Clio então o ardor te arrasta,
Inda o fervor da fé não te incendia,
E o bem sem fé para salvar não basta:
Se così è, qual sole o quai candele
ti stenebraron sì, che tu drizzasti
poscia di retro al pescator le vele?”.
“Que sol, que estrela, em treva tão sombria
Te aclarou e dessa arte alçar pudeste
Velas após o pescador, que se ia?” —
Ed elli a lui: “Tu prima m’invïasti
verso Parnaso a ber ne le sue grotte,
e prima appresso Dio m’alluminasti.
— “Primeiro” — disse Estácio — “tu me deste
Do Parnaso a beber na doce fonte
E de Deus santa luz ver me fizeste.
Facesti come quei che va di notte,
che porta il lume dietro e sé non giova,
ma dopo sé fa le persone dotte,
“Hás sido, como à noite o guia insonte,
Que leva a luz, mas o seu bem não prova,
E aqueles serve, de quem vai na fronte,
quando dicesti: ’Secol si rinova;
torna giustizia e primo tempo umano,
e progenïe scende da ciel nova’.
“Quando disseste — “O séc’lo se renova,
Volta a justiça, volta a idade de ouro,
E progênie do céu descende nova.” —
Per te poeta fui, per te cristiano:
ma perché veggi mei ciò ch’io disegno,
a colorare stenderò la mano.
“Por ti ganhei a fé, de vate o louro:
Isto deve, porém, ser-te explicado;
Dê ao desenho a cor de claro o foro,
Già era ’l mondo tutto quanto pregno
de la vera credenza, seminata
per li messaggi de l’etterno regno;
“Já stava o mundo inteiro alumiado
Da vera crença que do reino eterno
Os mensageiros tinham propagado.
e la parola tua sopra toccata
si consonava a’ nuovi predicanti;
ond’io a visitarli presi usata.
“O vaticínio teu, Mestre superno,
Aos predicantes novos se adatava;
Por isso, os freqüentando, o bem discerne.
Vennermi poi parendo tanto santi,
che, quando Domizian li perseguette,
sanza mio lagrimar non fur lor pianti;
“Tanto a virtude sua me enlevava,
Que, quando os perseguiu Domiciano,
Ao pranto seu meu pranto acompanhava.
e mentre che di là per me si stette,
io li sovvenni, e i lor dritti costumi
fer dispregiare a me tutte altre sette.
“Enquanto estiver no viver humano,
Dei-lhes socorro e o seu exemplo austero
Ódio inspirou-me às seitas do erro insano.
E pria ch’io conducessi i Greci a’ fiumi
di Tebe poetando, ebb’io battesmo;
ma per paura chiuso cristian fu’ mi,
“Antes já de cantar o cerco fero
De Tebas no batismo renascera:
Mas, de medo, ocultei meu crer sincero.
lungamente mostrando paganesmo;
e questa tepidezza il quarto cerchio
cerchiar mi fé più che ’l quarto centesmo.
“Gentio largo tempo eu parecera;
Por isso hei tantos séc’los padecido
No círc’lo quarto; a pena merecera.
Tu dunque, che levato hai il coperchio
che m’ascondeva quanto bene io dico,
mentre che del salire avem soverchio,
“Tu a quem devo, pois, ter conseguido
O véu rasgar, que tanto bem cobria.
Pois que tempo em subir é concedido,
dimmi dov’è Terrenzio nostro antico,
Cecilio e Plauto e Varro, se lo sai:
dimmi se son dannati, e in qual vico”.
“Onde Terêncio diz-me ora estancia?
Onde está Plauto Varro com Cecílio?
À qual parte do inferno a culpa os lia?” —
“Costoro e Persio e io e altri assai”,
rispuose il duca mio, “siam con quel Greco
che le Muse lattar più ch’altri mai,
— “Aqueles, Pérsio e eu” — tornou Virgílio —
E os outros mais o Grego acompanhamos
Predileto das Musas; lá no exílio
nel primo cinghio del carcere cieco;
spesse fïate ragioniam del monte
che sempre ha le nutrice nostre seco.
“Do círculo primeiro demoramos
Vezes freqüentes do famoso monte,
Das Camenas assento praticamos.
Euripide v’è nosco e Antifonte,
Simonide, Agatone e altri piùe
Greci che già di lauro ornar la fronte.
“Eurípede é conosco e Anacreonte,
Simônide, Agaton e outros inda
Gregos, que cingem de laurel a fronte.
Quivi si veggion de le genti tue
Antigone, Deïfile e Argia,
e Ismene sì trista come fue.
“Stão heroínas, que cantaste: a linda
Antígone, Deifile com Argia,
Ismênia, em quem tristeza nunca finda;
Védeisi quella che mostrò Langia;
èvvi la figlia di Tiresia, e Teti,
e con le suore sue Deïdamia”.
“Vê-se também a que mostrou Langia,
Tétis se vê e de Tirésia a filha,
E das irmãs Deidama em companhia” —
Tacevansi ambedue già li poeti,
di novo attenti a riguardar dintorno,
liberi da saliri e da pareti;
Os dois, da poesia maravilha,
Calaram-se, ao que os cerca atentos stando,
Vencida sendo da subida a trilha.
e già le quattro ancelle eran del giorno
rimase a dietro, e la quinta era al temo,
drizzando pur in sù l’ardente corno,
Das ancilas do dia atrás ficando
A quarta, logo a quinta se jungia
Ao carro ardente, ao alto o encaminhando,
quando il mio duca: “Io credo ch’a lo stremo
le destre spalle volger ne convegna,
girando il monte come far solemo”.
“Quando o Mestre — “Eu suponho” — nos dizia
“Que nós à destra caminhar devemos,
Volteando, como antes se fazia.” —
Così l’usanza fu lì nostra insegna,
e prendemmo la via con men sospetto
per l’assentir di quell’anima degna.
Desta arte na exp’riência a mestra havemos,
E no andar prosseguimos confiados,
Porque de Estácio o assenso recebemos.
Elli givan dinanzi, e io soletto
di retro, e ascoltava i lor sermoni,
ch’a poetar mi davano intelletto.
Iam diante os Vates afamados,
E eu logo após, nas vozes escutando
Arcanos da poesia sublimados,
Ma tosto ruppe le dolci ragioni
un alber che trovammo in mezza strada,
con pomi a odorar soavi e buoni;
Eis rompe esse colóquio doce e brando
Uma árvore, que à estrada em meio achamos:
Lindos pomos na fronde estão cheirando.
e come abete in alto si digrada
di ramo in ramo, così quello in giuso,
cred’io, perché persona sù non vada.
Vão para cima decrescendo os ramos
De abeto; estes descendo diminuem:
Para alguém não subir — acreditamos.
Dal lato onde ’l cammin nostro era chiuso,
cadea de l’alta roccia un liquor chiaro
e si spandeva per le foglie suso.
Límpidos jorros do penedo ruem
Da parte, em que a montanha a entrada mura;
Sobre as folhas em rocio as gotas fluem.
Li due poeti a l’alber s’appressaro;
e una voce per entro le fronde
gridò: “Di questo cibo avrete caro”.
Estácio com Virgílio se apressura
Para essa árvore, quando voz, da fronde,
Gritou: — “Não gozareis desta doçura!
Poi disse: “Più pensava Maria onde
fosser le nozze orrevoli e intere,
ch'a la sua bocca, ch'or per voi risponde.
“Maria (e o seu desejo não se esconde)
Atende mais das bodas à grandeza
Que ao seu gosto; e por vós ora responde.
E le Romane antiche, per lor bere,
contente furon d’acqua; e Danïello
dispregiò cibo e acquistò savere.
“Das Romanas à antiga singeleza
Água bastava; e Daniel ciência
Logrou, tendo em desprezo a régia mesa.
Lo secol primo, quant’oro fu bello,
fé savorose con fame le ghiande,
e nettare con sete ogne ruscello.
“Chamou-se de ouro a idade da inocência;
Fez as glandes a fome saborosas;
Água em néctar tornou da sede a ardência.
Mele e locuste furon le vivande
che nodriro il Batista nel diserto;
per ch’elli è glorïoso e tanto grande
“Ao Batista iguarias bem gostosas
Mel, gafanhotos foram no deserto:
Assim fez grandes obras gloriosas,
quanto per lo Vangelio v’è aperto”.
“Como pelo Evangelho ficou certo.” —
Canto XXIII
Canto XXIII, dove si tratta del sopradetto girone e di quella medesima colpa de la gola, e sgrida contro a le donne fiorentine; dove truova Forese de’ Donati di Fiorenze col quale molto parla.
No sexto compartimento estão as almas dos gulosos. Elas são atormentadas pela fome e pela sede; Dante descreve a sua horrível magreza. O Poeta reconhece o seu parente Forense Donati, o qual louva a sua viúva, Nella, e repreende a impudicícia das mulheres florentinas.
Mentre che li occhi per la fronda verde
ficcava ïo sì come far suole
chi dietro a li uccellin sua vita perde,
Fitava os olhos sobre a rama verde,
Qual caçador, que após um passarinho,
Correndo, parte da existência perde.
lo più che padre mi dicea: “Figliuole,
vienne oramai, ché ’l tempo che n’è imposto
più utilmente compartir si vuole”.
Quando o que me era mais que pai: — “Filhinho,
O tempo” — disse — “que nos está marcado,
Quer mais útil emprego. Eia! a caminho!” —
Io volsi ’l viso, e ’l passo non men tosto,
appresso i savi, che parlavan sìe,
che l’andar mi facean di nullo costo.
Voltando o rosto, a passo acelerado
Os sábios sigo e, atento ao que falavam,
Não me sentia, andando, fatigado.
Ed ecco piangere e cantar s’udìe
’Labïa mëa, Domine’ per modo
tal, che diletto e doglia parturìe.
Plangentes vozes súbito entoavam
Labia, Domine, mea por maneira,
Que piedade e prazer me provocaram.
“O dolce padre, che è quel ch’i’ odo?”,
comincia’ io; ed elli: “Ombre che vanno
forse di lor dover solvendo il nodo”.
— “Do que ouço”— disse então — “ó Pai, me inteira.”—
— “Almas” — tornou — “talvez que o meio tentam,
Que o peso à sua dívida aligeira.” —
Sì come i peregrin pensosi fanno,
giugnendo per cammin gente non nota,
che si volgono ad essa e non restanno,
Peregrinos solícitos que atentam
Só na jornada, achando estranha gente,
Vontam-se apenas, mas o passo alentam:
così di retro a noi, più tosto mota,
venendo e trapassando ci ammirava
d’anime turba tacita e devota.
Tal após nós vem turba diligente;
Em devoto silêncio se acercava;
Olhou-nos e afastou-se prestamente.
Ne li occhi era ciascuna oscura e cava,
palida ne la faccia, e tanto scema
che da l’ossa la pelle s’informava.
Os olhos encovados nos mostrava,
Pálida a face e o rosto descarnado,
Sobre os ossos a pele se estirava.
Non credo che così a buccia strema
Erisittone fosse fatto secco,
per digiunar, quando più n’ebbe tema.
Não creio que Erisicton devastado
Tanto da fome horrível estivesse
Quando das forças viu-se abandonado.
Io dicea fra me stesso pensando: 'Ecco
la gente che perdé Ierusalemme,
quando Maria nel figlio diè di becco!'.
Eu cogitava: — “O povo aqui padece,
Que Solima perdeu, quando Maria
Carnes comeu ao filho, que perece.” —
Parean l’occhiaie anella sanza gemme:
chi nel viso de li uomini legge ’omo’
ben avria quivi conosciuta l’emme.
Cad’olho anel sem pedra parecia:
O que na humana face lesse “omo”
Bem claro o M aqui distinguiria.
Chi crederebbe che l’odor d’un pomo
sì governasse, generando brama,
e quel d’un’acqua, non sappiendo como?
Quem crer pudera, não sabendo como,
Efeito de desejo ser, nascido
Do frescor de água, junto a odor de pomo?
Già era in ammirar che sì li affama,
per la cagione ancor non manifesta
di lor magrezza e di lor trista squama,
Atônito inquiria o que haja sido
De tal fome a razão, não manifesta,
Que tal magreza tenha produzido,
ed ecco del profondo de la testa
volse a me li occhi un’ombra e guardò fiso;
poi gridò forte: “Qual grazia m’è questa?”.
Eis lá da profundez da sua testa
Uma alma olhos volvia e me encarava,
Gritando: — “Mereci graça como esta?” —
Mai non l’avrei riconosciuto al viso;
ma ne la voce sua mi fu palese
ciò che l’aspetto in sé avea conquiso.
Quem fora o gesto seu não me indicava;
Mas tive pela voz prova segura
Do que o aspecto seu não revelava.
Questa favilla tutta mi raccese
mia conoscenza a la cangiata labbia,
e ravvisai la faccia di Forese.
Foi súbito clarão em noite escura,
Do rosto avivou traços deformados
Forese conheci nessa figura.
“Deh, non contendere a l’asciutta scabbia
che mi scolora”, pregava, “la pelle,
né a difetto di carne ch’io abbia;
— “Ai! não fiquem teus olhos assombrados”
— Dizia — “a lepra ao ver que me descora,
E estes ossos mesquinhos, descarnados!
ma dimmi il ver di te, dì chi son quelle
due anime che là ti fanno scorta;
non rimaner che tu non mi favelle!”.
“Dize a verdade de ti próprio agora:
De quais almas te vejo companheiro?
Não haja, rogo, em responder demora.” —
“La faccia tua, ch’io lagrimai già morta,
mi dà di pianger mo non minor doglia”,
rispuos’io lui, “veggendola sì torta.
— “Como outrora é meu dó tão verdadeiro,
Vendo-te o vulto que chorei já morto,
Tão dif’rente do que era de primeiro,
Però mi dì, per Dio, che sì vi sfoglia;
non mi far dir mentr’io mi maraviglio,
ché mal può dir chi è pien d’altra voglia”.
“Dize, por Deus, por que és tão sem conforto:
Tolhe-me a fala a vista, que me espanta;
Responder-te não posso, em mágoa absorto.” —
Ed elli a me: “De l’etterno consiglio
cade vertù ne l’acqua e ne la pianta
rimasa dietro, ond’io sì m’assottiglio.
— “De tal poder” — tornou — “essa água e planta
Sabedoria eterna tem dotado,
Que consumação em mim produziu tanta.
Tutta esta gente che piangendo canta
per seguitar la gola oltra misura,
in fame e 'n sete qui si rifà santa.
“Os que o rosto, cantando, têm banhado
De pranto, havendo entregue à gula a vida,
Sobem, na fome e sede, o santo estado.
Di bere e di mangiar n’accende cura
l’odor ch’esce del pomo e de lo sprazzo
che si distende su per sua verdura.
“A fome, a sede sente-se incendida
Dos pomos pelo aroma e por frescura
Das águas, sobre as ramas espargida.
E non pur una volta, questo spazzo
girando, si rinfresca nostra pena:
io dico pena, e dovria dir sollazzo,
“Cada vez que giramos na fragura,
Revive nossa pena e mais agrava;
Erro chamando pena o que é doçura.
ché quella voglia a li alberi ci mena
che menò Cristo lieto a dire ’Elì’,
quando ne liberò con la sua vena”.
“Esse desejo ardente de nós trava,
Que fez Cristo dizer — Eli! contente,
Quando o sangue em prol nosso na Cruz dava.” —
E io a lui: “Forese, da quel dì
nel qual mutasti mondo a miglior vita,
cinqu’ anni non son vòlti infino a qui.
— “Forese” — hei respondido incontinênti —
“Dês que deixaste a terreal morada
Passaram-se anos cinco escassamente;
Se prima fu la possa in te finita
di peccar più, che sovvenisse l’ora
del buon dolor ch’a Dio ne rimarita,
“Se a força de pecar stava esgotada
Antes de vir da dor bendita a hora,
Em que alma é com seu Deus conciliada,
come se’ tu qua sù venuto ancora?
Io ti credea trovar là giù di sotto,
dove tempo per tempo si ristora”.
“Como te vejo nesta altura agora?
Lá embaixo encontrar-te acreditara,
Onde o tempo com tempo se melhora.” —
Ond’elli a me: “Sì tosto m’ ha condotto
a ber lo dolce assenzo d’i martìri
la Nella mia con suo pianger dirotto.
— “Conduziu-me tão cedo Nela cara,
Por pranto, que incessante há derramado,
Do martírio a tragar doçura amara.
Con suoi prieghi devoti e con sospiri
tratto m’ ha de la costa ove s’aspetta,
e liberato m’ ha de li altri giri.
“De orações e suspiros sufragado
Assim, me alcei da encosta, onde se espera,
E fui dos outros círc’los resgatado.
Tanto è a Dio più cara e più diletta
la vedovella mia, che molto amai,
quanto in bene operare è più soletta;
“Tanto mais Deus com dileção esmera
Aquela, que extremoso amei na terra,
Quanto, só, em virtude ela é sincera.
ché la Barbagia di Sardigna assai
ne le femmine sue più è pudica
che la Barbagia dov’io la lasciai.
“Pois a Barbagia de Sardenha encerra
Mulheres por pudor bem mais notadas,
Que a Barbagia, onde o vício acende guerra.
O dolce frate, che vuo’ tu ch’io dica?
Tempo futuro m’è già nel cospetto,
cui non sarà quest’ora molto antica,
“Queres tu, doce irmão, manifestadas
Idéias minhas? Pouco dista o dia
Das vozes nesta prática empregadas,
nel qual sarà in pergamo interdetto
a le sfacciate donne fiorentine
l’andar mostrando con le poppe il petto.
“Em que proíba o púlpito a ousadia
Das impudentes damas florentinas,
Que têm, mostrando os seios, ufania.
Quai barbare fuor mai, quai saracine,
cui bisognasse, per farle ir coperte,
o spiritali o altre discipline?
“Morais ou quaisquer outras disciplinas
Hão mister para andarem bem cobertas
As mulheres pagãs ou marroquinas?
Ma se le svergognate fosser certe
di quel che ’l ciel veloce loro ammanna,
già per urlare avrian le bocche aperte;
“Mas, se tais despejadas foram certas
Do castigo, que está-lhes iminente,
Bocas teriam para urrar abertas.
ché, se l’antiveder qui non m’inganna,
prima fien triste che le guance impeli
colui che mo si consola con nanna.
“E, se, antevendo, não me engana a mente,
Grande angústia hão de ter antes que nasça
Barba ao que em berço embala-se inocente.
Deh, frate, or fa che più non mi ti celi!
vedi che non pur io, ma questa gente
tutta rimira là dove ’l sol veli”.
“Ah! de dizer quem sejas faz-me a graça!
Não por mim; mas a turba atenta mira
Teu corpo e a sombra, que com ele passa.” —
Per ch’io a lui: “Se tu riduci a mente
qual fosti meco, e qual io teco fui,
ancor fia grave il memorar presente.
— “Se agora à mente” — eu disse — “te surgira
O que outrora um pra o outro havemos sido,
Desprazer inda agudo te pungira.
Di quella vita mi volse costui
che mi va innanzi, l’altr’ier, quando tonda
vi si mostrò la suora di colui”,
“Há pouco, me há do mundo conduzido
Quem me precede; havia então rotunda
A irmã do que vês aparecido.” —
e ’l sol mostrai; “costui per la profonda
notte menato m’ ha d’i veri morti
con questa vera carne che ’l seconda.
E o sol mostrei — “Por noite a mais profunda
Dos verdadeiros mortos me há guiado,
Quando a carne inda os ossos me circunda.
Indi m’ han tratto sù li suoi conforti,
salendo e rigirando la montagna
che drizza voi che ’l mondo fece torti.
“Tenho depois, por ele confortado,
Desta montanha pelos círc’los vindo,
Que em vós corrige o que trazeis errado.
Tanto dice di farmi sua compagna
che io sarò là dove fia Beatrice;
quivi convien che sanza lui rimagna.
“Quanto disse, acompanha-me, cumprindo
Té onde a Beatriz veja o semblante:
Então sem ele avante irei seguindo.
Virgilio è questi che così mi dice”,
e addita’ lo; “e quest’altro è quell’ombra
per cuï scosse dianzi ogne pendice
“Ei-lo! É Virgílio o guia meu constante!
É aquele outro a sombra venturosa
Por quem o vosso reino, vacilante,
lo vostro regno, che da sé lo sgombra”.
Tremeu, quando partiu-se jubilosa.” —
Canto XXIV
Canto XXIV nel quale si tratta del sopradetto sesto girone e di quelli che si purgano del predetto peccato e vizio de la gola; e predicesi qui alcune cose a venire de la città lucana.’
Forese mostra a Dante outras almas de gulosos, entre as quais a de Bonagiunta de Lucca, que prediz ao Poeta que se enamorará de uma mulher da sua cidade, e lhe louva o estilo da poesia. Procedendo, os Poetas encontram outra árvore e ouvem outros exemplos de intemperança castigada.
Né ’l dir l’andar, né l’andar lui più lento
facea, ma ragionando andavam forte,
sì come nave pinta da buon vento;
Não era o passo e o praticar mais lento
Um do que outro; igualmente prosseguiam,
Qual nau servida por galerno vento.
e l’ombre, che parean cose rimorte,
per le fosse de li occhi ammirazione
traean di me, di mio vivere accorte.
As sombras, que duas vezes pareciam
Mortas, nos cavos olhos grande espanto,
De estar eu vivo certas, exprimiam.
E io, continüando al mio sermone,
dissi: “Ella sen va sù forse più tarda
che non farebbe, per altrui cagione.
Eu, a falar continuando, entanto,
Disse: — “Conosco para ir retarda
Sua ascensão essa alma ao reino santo.
Ma dimmi, se tu sai, dov’è Piccarda;
dimmi s’io veggio da notar persona
tra questa gente che sì mi riguarda”.
Mas, rogo-te declara: onde é Picarda?
Afamada por feitos há pessoa
Entre a gente, que sôfrega me esguarda?” —
“La mia sorella, che tra bella e buona
non so qual fosse più, trïunfa lieta
ne l’alto Olimpo già di sua corona”.
— “Tanto era minha irmã gentil e boa
Que não sei qual foi mais: triunfa leda
No Olimpo, onde alcançou formosa c’roa.
Sì disse prima; e poi: “Qui non si vieta
di nominar ciascun, da ch’è sì munta
nostra sembianza via per la dïeta.
“Nomes dizer de mortos não se veda
Aqui” — Forese torna; e logo ajunta: —
“Tanto a fome as feições nossas depreda!”
Questi”, e mostrò col dito, “è Bonagiunta,
Bonagiunta da Lucca; e quella faccia
di là da lui più che l’altre trapunta
“Este que vês de Lucca é Bonagiunta;
E aquela alma (seu dedo ia apontando),
Mais que todas desfeita, que lhe é junta,
ebbe la Santa Chiesa in le sue braccia:
dal Torso fu, e purga per digiuno
l’anguille di Bolsena e la vernaccia”.
“Foi Tours; já na Igreja exerceu mando.
Stá, por jejuns, anguilas de Bolsena,
Ver na ceia, afogadas, expurgando.” —
Molti altri mi nomò ad uno ad uno;
e del nomar parean tutti contenti,
sì ch’io però non vidi un atto bruno.
Muitos mais nomeou, que sofrem pena;
E todos demonstravam star contentes
De ouvir dizer Forese o que os condena.
Vidi per fame a vòto usar li denti
Ubaldin da la Pila e Bonifazio
che pasturò col rocco molte genti.
Em vão de fome vi mover os dentes
Ubaldino de Pila e Bonifaço,
Que regeu com seu bago muitas gentes.
Vidi messer Marchese, ch’ebbe spazio
già di bere a Forlì con men secchezza,
e sì fu tal, che non si sentì sazio.
Misser Marchese vi, que largo espaço
Com menos sede em Forli consumia.
Em beber; mas julgava-o inda escasso.
Ma come fa chi guarda e poi s’apprezza
più d’un che d’altro, fei a quel da Lucca,
che più parea di me aver contezza.
Mas, como o que repara e que aprecia
Escolhendo, ao de Lucca eu me inclinava,
Porque mais conhecer-me parecia.
El mormorava; e non so che “Gentucca”
sentiv’io là, ov’el sentia la piaga
de la giustizia che sì li pilucca.
Submissa voz da boca lhe soava,
Causa do mal, que trouxe-lhe o castigo:
“Gentucca” ou não sei que pronunciava.
“O anima”, diss’io, “che par sì vaga
di parlar meco, fa sì ch’io t’intenda,
e te e me col tuo parlare appaga”.
— “Ó alma” — disse — “que falar comigo
Queres, ao claro te explicar procura:
Satisfeita serás como contigo.
“Femmina è nata, e non porta ancor benda”,
cominciò el, “che ti farà piacere
la mia città, come ch’om la riprenda.
— “Mulher nasceu, mas inda é virgem pura,
Por quem” — torna — “hás de amar minha cidade,
Posto assunto haja sido de censura.
Tu te n’andrai con questo antivedere:
se nel mio mormorar prendesti errore,
dichiareranti ancor le cose vere.
“Este prenúncio levas da verdade;
Se por meu murmurar te hás enganado,
Trazer-te há de o porvir à claridade,
Ma dì s’i’ veggio qui colui che fore
trasse le nove rime, cominciando
’Donne ch’avete intelletto d’amore’ “.
“Se vejo aquele diz, que à luz há dado
Versos novos, que assim têm seu começo:
Damas que haveis de amor na mente entrado.
E io a lui: “I’ mi son un che, quando
Amor mi spira, noto, e a quel modo
ch’e’ ditta dentro vo significando”.
— “Que vês em mim” — lhe respondi — “confesso
Quem screve o que somente Amor lhe inspira:
O que em meu peito diz falando expresso.
“O frate, issa vegg’io”, diss’elli, “il nodo
che ’l Notaro e Guittone e me ritenne
di qua dal dolce stil novo ch’i’ odo!
“O óbice ora vejo que eu não vira
Que ao Notário a Guittone a mim tolhia
O doce estilo da moderna lira.
Io veggio ben come le vostre penne
di retro al dittator sen vanno strette,
che de le nostre certo non avvenne;
“As vossas plumas vejo que à porfia
Seguem de perto o inspirador potente;
Tanto alcançar às nossas não cabia.
e qual più a gradire oltre si mette,
non vede più da l’uno a l’altro stilo”;
e, quasi contentato, si tacette.
“Quem, por mais agradar, mais alto a mente
Erguer que, não discerne um do outro estilo.”
Disse e calou-se de o dizer contente.
Come li augei che vernan lungo ’l Nilo,
alcuna volta in aere fanno schiera,
poi volan più a fretta e vanno in filo,
Como aves, que no inverno o noto asilo
Buscando ora num bando incorporadas,
Ora em fila apressadas vão-se ao Nilo,
così tutta la gente che lì era,
volgendo ’l viso, raffrettò suo passo,
e per magrezza e per voler leggera.
Essas almas assim já demoradas,
Volvendo o rosto rápidas fugiram,
Da magreza e vontade auxiliadas.
E come l’uom che di trottare è lasso,
lascia andar li compagni, e sì passeggia
fin che si sfoghi l’affollar del casso,
Como aquele a quem forças se esvaíram
Correndo afrouxa os passos para o alento
Cobrar, em quanto os sócios se retiram;
sì lasciò trapassar la santa greggia
Forese, e dietro meco sen veniva,
dicendo: “Quando fia ch’io ti riveggia?”.
Forese assim que a passo andava lento
Deixou passar a santa grei dizendo:
— “Quando de ver-te inda terei contento?” —
“Non so”, rispuos’io lui, “quant’io mi viva;
ma già non fïa il tornar mio tantosto,
ch’io non sia col voler prima a la riva;
— “Quanto haja de viver” — fui respondendo —
“Não sei; por menos que me dure a vida
Mais ao seu termo os meus desejos tendo.
però che ’l loco u’ fui a viver posto,
di giorno in giorno più di ben si spolpa,
e a trista ruina par disposto”.
“Que onde foi a existência concedida
Mais escassa a virtude é cada dia:
Ruína espera triste e desmedida.
“Or va”, diss’el; “che quei che più n’ ha colpa,
vegg’ïo a coda d’una bestia tratto
inver’ la valle ove mai non si scolpa.
— “O que mor culpa tem” — me retorquia —
“À cauda de um corcel vejo arrastado
Ao vale, onde o pecado não se expia:
La bestia ad ogne passo va più ratto,
crescendo sempre, fin ch’ella il percuote,
e lascia il corpo vilmente disfatto.
“Vai sempre, sempre mais acelerado
Aquele bruto na carreira fera:
Fica vilmente o corpo lacerado.
Non hanno molto a volger quelle ruote”,
e drizzò li occhi al ciel, “che ti fia chiaro
ciò che ’l mio dir più dichiarar non puote.
“Não há de girar muito cada espera
(Para o céu se voltava) antes que seja
Claro o que te explicar eu não pudera.
Tu ti rimani omai; ché ’l tempo è caro
in questo regno, sì ch’io perdo troppo
venendo teco sì a paro a paro”.
“Adeus, porém: quem neste reino esteja
Ao tempo dê seu preço verdadeiro;
O que eu perco ao teu lado já sobeja.”
Qual esce alcuna volta di gualoppo
lo cavalier di schiera che cavalchi,
e va per farsi onor del primo intoppo,
Como a campanha deixa um cavaleiro,
A galope veloz se arremessando,
Por ter na liça as honras de primeiro:
tal si partì da noi con maggior valchi;
e io rimasi in via con esso i due
che fuor del mondo sì gran marescalchi.
Forese assim de nós foi-se alongando.
Fiquei dos dois espíritos ao lado,
Que o mundo está por mestres proclamando.
E quando innanzi a noi intrato fue,
che li occhi miei si fero a lui seguaci,
come la mente a le parole sue,
Quando em distância tanta era apartado,
Que as vistas nesse andar o acompanharam,
Como a mente ao que havia revelado.
parvermi i rami gravidi e vivaci
d’un altro pomo, e non molto lontani
per esser pur allora vòlto in laci.
Eis perto aos olhos meus, que se voltaram,
De outra árvore de pomos carregada
Os ramos vicejantes se mostraram.
Vidi gente sott’esso alzar le mani
e gridar non so che verso le fronde,
quasi bramosi fantolini e vani
As mãos alçava multidão cerrada
À fronde em brados; turba semelhava
De infantes, por desejos vãos turbada,
che pregano, e ’l pregato non risponde,
ma, per fare esser ben la voglia acuta,
tien alto lor disio e nol nasconde.
Um objeto implorando a quem negava,
E que o mostrando ainda mais acende
Desejo, que a cobiça lhes agrava.
Poi si partì sì come ricreduta;
e noi venimmo al grande arbore adesso,
che tanti prieghi e lagrime rifiuta.
Foi-se, porém, porque ninguém a atende.
Da grande árvore então nos acercamos,
Que a todo o rogo e pranto desatende.
“Trapassate oltre sanza farvi presso:
legno è più sù che fu morso da Eva,
e questa pianta si levò da esso”.
Uma voz de entre as folhas escutamos:
— “Ide-vos logo; não chegueis ao perto!
Eva o fruto há mordido de outros ramos:
Sì tra le frasche non so chi diceva;
per che Virgilio e Stazio e io, ristretti,
oltre andavam dal lato che si leva.
“Stão longe estes de lá provêm de certo.” —
Então de lado os passos dirigimos,
Unidos no caminho, que era aberto.
“Ricordivi”, dicea, “d’i maladetti
nei nuvoli formati, che, satolli,
Tesëo combatter co’ doppi petti;
— “Lembrai esses malditos” — inda ouvimos —
“Filhos das nuvens, duplos na figura,
Que atacaram Teseus, ébrios cadimos;
e de li Ebrei ch’al ber si mostrar molli,
per che no i volle Gedeon compagni,
quando inver’ Madïan discese i colli”.
“E os que em beber acharam tal doçura,
Que os não quis Gedeão na companhia,
A Madiã marchando lá da altura.”
Sì accostati a l'un d'i due vivagni
passammo, udendo colpe de la gola
seguite già da miseri guadagni.
Por junto à borda o passo se volvia,
E as penas escutamos dos pecados
Mortais, que outrora a gula cometia.
Poi, rallargati per la strada sola,
ben mille passi e più ci portar oltre,
contemplando ciascun sanza parola.
Já pela estrada solitária entrados,
Demos mais de mil passos inda avante,
Contemplando, em silêncio mergulhados.
“Che andate pensando sì voi sol tre?”,
sùbita voce disse; ond’io mi scossi
come fan bestie spaventate e poltre.
— “Em que cismais vós outros?” — retumbante
Soou voz. — Fiquei logo em sobressalto
Como o corcel de medo titubante.
Drizzai la testa per veder chi fossi;
e già mai non si videro in fornace
vetri o metalli sì lucenti e rossi,
Para ver levantei a fronte ao alto:
Aos olhos, dera em fusão, no forno ardente,
Vidro ou metal não dera igual assalto,
com’io vidi un che dicea: “S’a voi piace
montare in sù, qui si convien dar volta;
quinci si va chi vuole andar per pace”.
Como o anjo que eu vi resplendecente.
Dizia: — “A volta dai para a subida!
Quem quer paz para aqui vai certamente.” —
L’aspetto suo m’avea la vista tolta;
per ch’io mi volsi dietro a’ miei dottori,
com’om che va secondo ch’elli ascolta.
Daquele aspecto a vista foi tolhida:
Como quem pelo ouvido os passos guia,
Fui caminhando, aos Vates em seguida.
E quale, annunziatrice de li albori,
l’aura di maggio movesi e olezza,
tutta impregnata da l’erba e da’ fiori;
E qual aura de maio, que anuncia
A alvorada, das flores espalhando
E das ervas o aroma, que extasia,
tal mi senti’ un vento dar per mezza
la fronte, e ben senti’ mover la piuma,
che fé sentir d’ambrosïa l’orezza.
Tal sobre a fronte um sopro senti brando,
Senti mover-se a pluma: então rescende
Odor celeste, o olfato me enlevando
E senti’ dir: “Beati cui alluma
tanto di grazia, che l’amor del gusto
nel petto lor troppo disir non fuma,
Dizer senti: — “Feliz o que se acende
Na Graça o que, da gula desligado,
Ao sabor do apetite não se prende,
esurïendo sempre quanto è giusto!”.
Comendo quanto é justo sem pecado!” —
Canto XXV
Canto XXV, lo quale tratta de l’essenzia del settimo girone, dove si punisce la colpa e peccato contro a natura ed ermafrodito sotto il vizio de la lussuria; e prima tratta alquanto del precedente purgamento de’ ghiotti, dove Stazio poeta fae una distinzione sopra la natura umana.
Subindo por estreita senda, do sexto ao sétimo e último compartimento, Dante pergunta a Virgílio como podem emagrecer as almas, que não precisam de alimento. Respondem-lhe Virgílio, antes, e depois Estácio. Este fala da geração do corpo do homem, da alma que nele Deus infunde, e da maneira de existência depois da morte. O compartimento no qual acabam de chegar está cheio de flamas, nas quais estão se purificando as almas dos luxuriosos.
Ora era onde ’l salir non volea storpio;
ché ’l sole avëa il cerchio di merigge
lasciato al Tauro e la notte a lo Scorpio:
Para subir o tempo nos urgia;
Meridiano ao Tauro o sol já dera,
Bem como a noite ao Scorpião cedia
per che, come fa l’uom che non s’affigge
ma vassi a la via sua, che che li appaia,
se di bisogno stimolo il trafigge,
Qual viajor, que o passo não modera,
Que em nada atenta e sempre segue avante,
Se em seu querer necessidade impera,
così intrammo noi per la callaia,
uno innanzi altro prendendo la scala
che per artezza i salitor dispaia.
Nós penetramos no rochedo hiante,
Por escada estreitíssima subindo,
Que obriga um ir atrás outro adiante.
E quale il cicognin che leva l’ala
per voglia di volare, e non s’attenta
d’abbandonar lo nido, e giù la cala;
Da cegonha o filhinho, asas abrindo,
Por voar logo, encolhe-as e não tenta
Deixar o ninho, esforço não sentindo:
tal era io con voglia accesa e spenta
di dimandar, venendo infino a l’atto
che fa colui ch’a dicer s’argomenta.
Tal o desejo em mim ferve e arrefenta
De perguntar chegando quase ao ato
De quem para dizer se experimenta.
Non lasciò, per l’andar che fosse ratto,
lo dolce padre mio, ma disse: “Scocca
l’arco del dir, che ’nfino al ferro hai tratto”.
O Mestre, sem parar, pressente o fato:
— “Tens da palavra o arco” — diz — “tendido,
Deixa a seta partir; não sê coato“. —
Allor sicuramente apri’ la bocca
e cominciai: “Come si può far magro
là dove l’uopo di nodrir non tocca?”.
De confiança então já possuído,
Falei, — “Como é possível fique magro
Quem não precisa mais de ser nutrido?” —
“Se t’ammentassi come Meleagro
si consumò al consumar d’un stizzo,
non fora”, disse, “a te questo sì agro;
— “Se recordaras” — torna — “Meleagro
Que, em ardendo um tição se consumia
Isso não fora de entender tão agro.
e se pensassi come, al vostro guizzo,
guizza dentro a lo specchio vostra image,
ciò che par duro ti parrebbe vizzo.
“Também de fácil crença te seria,
Se no espelho notaras que o teu rosto,
Segundo te movesses, se movia.
Ma perché dentro a tuo voler t’adage,
ecco qui Stazio; e io lui chiamo e prego
che sia or sanator de le tue piage”.
“Por dissipar-se a dúvida ao teu gosto,
Eis Estácio, a quem rogo fervoroso
Seja a dar-te o remédio bem disposto.” —
“Se la veduta etterna li dislego”,
rispuose Stazio, “là dove tu sie,
discolpi me non potert’io far nego”.
— “Se eu o eterno conselho explicar ouso”
— Disse Estácio — “quando és, Mestre, presente,
Ao teu querer me curvo respeitoso.
Poi cominciò: “Se le parole mie,
figlio, la mente tua guarda e riceve,
lume ti fiero al come che tu die.
“Se, filho, o que eu disser guardas na mente,
Hás de ter — prosseguiu — “esclarecidas
Essas dúvidas tuas prontamente.
Sangue perfetto, che poi non si beve
da l’assetate vene, e si rimane
quasi alimento che di mensa leve,
“Sangue puro, que as veias ressequidas
Não bebem, que de parte permanece
Quais viandas em mesas bem providas,
prende nel core a tutte membra umane
virtute informativa, come quello
ch’a farsi quelle per le vene vane.
“Do coração tomou que lhe oferece
Virtude de que a forma aos membros veio,
Como o que às veias por fazê-los desce;
Ancor digesto, scende ov’è più bello
tacer che dire; e quindi poscia geme
sovr’altrui sangue in natural vasello.
“Ainda, elaborado, desce ao seio
De canal que não digo; após, unido
Em vaso é natural com sangue alheio.
Ivi s’accoglie l’uno e l’altro insieme,
l’un disposto a patire, e l’altro a fare
per lo perfetto loco onde si preme;
“É ali com outro confundido,
Paciente sendo um, sendo outro ativo,
Pela perfeita sede, em que há nascido.
e, giunto lui, comincia ad operare
coagulando prima, e poi avviva
ciò che per sua matera fé constare.
“Trabalho então começa produtivo
Coagulando e depois vivificando
O condensado efeito primitivo:
Anima fatta la virtute attiva
qual d’una pianta, in tanto differente,
che questa è in via e quella è già a riva,
“Em alma a força ativa se tornando,
Como em planta, é, no entanto, diferente:
Pára a planta, vai a alma caminhando.
tanto ovra poi, che già si move e sente,
come spungo marino; e indi imprende
ad organar le posse ond’è semente.
“Prosseguindo, já move-se, já sente,
Como o fungo marinho; e logo emprende
Os sentidos, que em si tem qual semente.
Or si spiega, figliuolo, or si distende
la virtù ch’è dal cor del generante,
dove natura a tutte membra intende.
“Ora contrai-se, filho, ora se estende
A força genetriz, do peito vinda,
Donde natura em todo o corpo entende.
Ma come d’animal divegna fante,
non vedi tu ancor: quest’è tal punto,
che più savio di te fé già errante,
“Mas, filho meu, não sabes certo ainda
Como a ser vem um ente cogitante:
É ponto em que um mais sábio no erro finda;
sì che per sua dottrina fé disgiunto
da l’anima il possibile intelletto,
perché da lui non vide organo assunto.
“Pois, na doutrina sua extravagante,
Distinto da alma fez o entendimento
Possível, não lhe vendo órgão bastante.
Apri a la verità che viene il petto;
e sappi che, sì tosto come al feto
l’articular del cerebro è perfetto,
“Abre à luz da verdade o pensamento:
Vê que, no feto os órgãos em chegando
Do cérebro ao perfeito acabamento,
lo motor primo a lui si volge lieto
sovra tant’arte di natura, e spira
spirito novo, di vertù repleto,
“O Primeiro Motor, ledo encarando
Da natureza tal primor, lhe inspira ,
Esp’rito, em que virtudes stão brilhando,
che ciò che trova attivo quivi, tira
in sua sustanzia, e fassi un’alma sola,
che vive e sente e sé in sé rigira.
“E que ativo alimento dali tira
Para a própria substância; e alma se forma,
Que vive e sente e pensa e em si regira.
E perché meno ammiri la parola,
guarda il calor del sol che si fa vino,
giunto a l’omor che de la vite cola.
“Com meu dizer tua mente se conforma,
Notando que do sol calor em vinho,
Da uva ao sumo unido, se transforma.
Quando Làchesis non ha più del lino,
solvesi da la carne, e in virtute
ne porta seco e l’umano e ’l divino:
“O esp’rito, se Laquésis não tem linho,
Deixa a carne e virtude, traz consigo
Dotes, que teve no corpóreo ninho.
l’altre potenze tutte quante mute;
memoria, intelligenza e volontade
in atto molto più che prima agute.
“Sobem de ponto no valor antigo
A memória, a vontade, o entendimento,
Da mudez o mais fica no jazigo.
Sanza restarsi, per sé stessa cade
mirabilmente a l’una de le rive;
quivi conosce prima le sue strade.
“Cai logo, de espontâneo movimento,
Por maravilha, numa ou noutra riba,
Onde há do rumo seu conhecimento.
Tosto che loco lì la circunscrive,
la virtù formativa raggia intorno
così e quanto ne le membra vive.
“Vindo a lugar, que o circunscreva e iniba,
Da força informativa é rodeado,
Como em membros que a morte nos derriba.
E come l’aere, quand’è ben pïorno,
per l’altrui raggio che ’n sé si reflette,
di diversi color diventa addorno;
“Bem como o ar de chuva carregado,
Se dos raios solares é ferido,
De cores várias mostra-se adornado,
così l’aere vicin quivi si mette
e in quella forma ch’è in lui suggella
virtüalmente l’alma che ristette;
“O ar vizinho assim fica inserido
Nessa forma, que desde logo amanha
Virtualmente o esp’rito ali contido;
e simigliante poi a la fiammella
che segue il foco là ’vunque si muta,
segue lo spirto sua forma novella.
“E semelhante ao fogo, que acompanha
Labareda, com ele se movendo,
Cada alma segue aquela forma estranha.
Però che quindi ha poscia sua paruta,
è chiamata ombra; e quindi organa poi
ciascun sentire infino a la veduta.
“Aparência de forma nela havendo
Sombra se chama; e, após, ela organiza
Sentidos, o da vista compreendendo.
Quindi parliamo e quindi ridiam noi;
quindi facciam le lagrime e ’ sospiri
che per lo monte aver sentiti puoi.
“Fala, ri-se, ama, odeia ou simpatiza,
Exala dor, carpindo ou suspirando:
Neste monte já tens prova precisa.
Secondo che ci affliggono i disiri
e li altri affetti, l’ombra si figura;
e quest’è la cagion di che tu miri”.
“Segundo está sofrendo ou desejando,
Da alma também altera-se a figura:
Vê, pois, o que a magreza está causando.” —
E già venuto a l’ultima tortura
s’era per noi, e vòlto a la man destra,
ed eravamo attenti ad altra cura.
Voltando à mão direita, da tortura
Entramos pela estância derradeira:
Então preocupou-nos outra cura.
Quivi la ripa fiamma in fuor balestra,
e la cornice spira fiato in suso
che la reflette e via da lei sequestra;
Flamas brotava aqui a ribanceira,
Aura ativa da estrada respirava:
Subindo, as rechaçava subranceira.
ond’ir ne convenia dal lato schiuso
ad uno ad uno; e io temëa ’l foco
quinci, e quindi temeva cader giuso.
Ao longe da árdua borda caminhava
Um por um: precipício temoroso
De um lado, e do outro o fogo eu receava.
Lo duca mio dicea: “Per questo loco
si vuol tenere a li occhi stretto il freno,
però ch’errar potrebbesi per poco”.
Disse Virgílio: — “Aqui bem cauteloso
Deve aplicar aos olhos seus o freio
Quem não quiser dar passo perigoso.” —
’Summae Deus clementïae’ nel seno
al grande ardore allora udi’ cantando,
che di volger mi fé caler non meno;
Summae clementiae Deus stavam no seio
Do grande incêndio as almas entoando,
E de voltar-me o ardor então me veio.
e vidi spirti per la fiamma andando;
per ch’io guardava a loro e a’ miei passi,
compartendo la vista a quando a quando.
Vi nas chamas espíritos andando:
Aos movimentos seus, aos meus estava
Atento, a vista a uns e a outros dando.
Appresso il fine ch’a quell’inno fassi,
gridavano alto: ’Virum non cognosco’;
indi ricominciavan l’inno bassi.
E quando aquele cântico findava
Virum non cognosco alto se ouvia,
E o cântico em tom baixo renovava.
Finitolo, anco gridavano: “Al bosco
si tenne Diana, ed Elice caccionne
che di Venere avea sentito il tòsco”.
E, terminando, o coro repetia:
“Diana expulsa da floresta Helice
Que o veneno de amor tragado havia.” —
Indi al cantar tornavano; indi donne
gridavano e mariti che fuor casti
come virtute e matrimonio imponne.
Cantaram; cada qual como antes disse
Esposas e maridos, que hão guardado
A fé, que Deus mandou sempre os unisse:
E questo modo credo che lor basti
per tutto il tempo che ’l foco li abbruscia:
con tal cura conviene e con tai pasti
Este modo há de ser, creio, alternado,
Enquanto os rodear a chama ardente:
A chaga por tal bálsamo e cuidado
che la piaga da sezzo si ricuscia.
Há de ser guarnecida finalmente.
Canto XXVI
Canto XXVI, dove tratta di quello medesimo girone e del purgamento de’ predetti peccati e vizi lussuriosi; dove nomina messer Guido Guinizzelli da Bologna e molti altri.
Entre os luxuriosos e os que pecaram contra a natureza Dante encontra o poeta Guido Guinicelli, ao qual exprime a sua profunda admiração. Guido lhe aponta o poeta provençal Arnaud Daniel, que o saúda em versos provençais.
Mentre che sì per l’orlo, uno innanzi altro,
ce n’andavamo, e spesso il buon maestro
diceami: “Guarda: giovi ch’io ti scaltro”;
Enquanto irmos a borda costeando.
Um após outro, o Mestre repetia:
“Eu te previno, vai com tento andando!?
feriami il sole in su l’omero destro,
che già, raggiando, tutto l’occidente
mutava in bianco aspetto di cilestro;
O sol pela direita me feria;
Purpureava a luz todo o poente:
Do céu o azul de branco se tingia.
e io facea con l’ombra più rovente
parer la fiamma; e pur a tanto indizio
vidi molt’ombre, andando, poner mente.
Co’a sombra minha ainda mais rubente
Parece a flama; e as almas, que passavam,
Notando-a davam-me atenção ingente.
Questa fu la cagion che diede inizio
loro a parlar di me; e cominciarsi
a dir: “Colui non par corpo fittizio”;
Nessa estianheza ensejo deparavam
Para, entre si, conversação travarem.
“Não é fictício o corpo seu” — falavam.
poi verso me, quanto potëan farsi,
certi si fero, sempre con riguardo
di non uscir dove non fosser arsi.
Quando podiam, mas tendo cuidado
Avançavam por mais certificarem,
O fogo expiatório em não deixarem.
“O tu che vai, non per esser più tardo,
ma forse reverente, a li altri dopo,
rispondi a me che ’n sete e ’n foco ardo.
— “Tu, que vais após outros colocado,
Mostrando ser, não tardo, respeitoso,
Responde: em fogo e sede ardo, abrasado.
Né solo a me la tua risposta è uopo;
ché tutti questi n’ hanno maggior sete
che d’acqua fredda Indo o Etïopo.
“Não sou eu só de ouvir-te desejoso:
Quantos vês da resposta sentem sede
Mais que Etíope da água cobiçoso.
Dinne com’è che fai di te parete
al sol, pur come tu non fossi ancora
di morte intrato dentro da la rete”.
“Diz-nos como o corpo teu parede
Oponha desta sorte à luz do dia:
Não te colheu da morte acaso a rede?” —
Sì mi parlava un d’essi; e io mi fora
già manifesto, s’io non fossi atteso
ad altra novità ch’apparve allora;
Uma sombra falou-me. Eu pretendia
Logo explicar; porém fui distraído
Pelo que então de novo aparecia.
ché per lo mezzo del cammino acceso
venne gente col viso incontro a questa,
la qual mi fece a rimirar sospeso.
Pelo caminho andando escandecido,
Outra grei ao encontro veio desta:
Atalhei-me, em mirar pondo o sentido.
Lì veggio d’ogne parte farsi presta
ciascun’ombra e basciarsi una con una
sanza restar, contente a brieve festa;
De parte a parte se dirige presta
Uma alma a outra; osculam-se e em seguida
Vão-se, contentes dessa breve festa.
così per entro loro schiera bruna
s’ammusa l’una con l’altra formica,
forse a spïar lor via e lor fortuna.
Assim da negra legião saída,
Em marcha, toca em uma outra formiga,
Por saber do caminho ou sorte havida.
Tosto che parton l’accoglienza amica,
prima che ’l primo passo lì trascorra,
sopragridar ciascuna s’affatica:
Separando-se após a mostra amiga,
Antes que o giro sólito transcorra
Cada uma grei em brados se afadiga.
la nova gente: “Soddoma e Gomorra”;
e l'altra: “Ne la vacca entra Pasife,
perché 'l torello a sua lussuria corra”.
— “Sodoma!” — clama a última — “Gomorra!”
E a outra: — “Entrou Pasifae na vaca,
Por que à luxúria sua touro acorra.” —
Poi, come grue ch’a le montagne Rife
volasser parte, e parte inver’ l’arene,
queste del gel, quelle del sole schife,
Como grous, de que um bando se destaca
Para os Rifeus e o outro pra o deserto,
Pois calma ali e frio aqui se aplaca,
l’una gente sen va, l’altra sen vene;
e tornan, lagrimando, a’ primi canti
e al gridar che più lor si convene;
Uns se vão, outros vêm; voltando, ao perto
O hino se renova, e o pranto e o brado,
Que tem, qual mais convém, efeito certo.
e raccostansi a me, come davanti,
essi medesmi che m’avean pregato,
attenti ad ascoltar ne’ lor sembianti.
Os mesmos, que me haviam perguntado,
De mim como inda há pouco, se acercaram:
Stá desejo nos gestos desenhado.
Io, che due volte avea visto lor grato,
incominciai: “O anime sicure
d’aver, quando che sia, di pace stato,
Vendo ainda o que já manifestaram,
— “Sabeis vós, que tereis de glória em dia,
Paz que os vossos martírios vos preparam,
non son rimase acerbe né mature
le membra mie di là, ma son qui meco
col sangue suo e con le sue giunture.
“Que inda não jaz meu corpo em terra fria;
Comigo vem na própria compostura,
Com seu sangue e seus membros” — lhe dizia.
Quinci sù vo per non esser più cieco;
donna è di sopra che m’acquista grazia,
per che ’l mortal per vostro mondo reco.
“Minha cegueira aqui a luz procura:
Lá no céu santa Dama há conseguido
Que eu, vivo, por aqui me eleve à altura.
Ma se la vostra maggior voglia sazia
tosto divegna, sì che ’l ciel v’alberghi
ch’è pien d’amore e più ampio si spazia,
“Dizei-me (e seja em breve concedido)
Quanto anelais, no céu, que é de amor cheio
E em que espaço mais amplo está contido!
ditemi, acciò ch’ancor carte ne verghi,
chi siete voi, e chi è quella turba
che se ne va di retro a’ vostri terghi”.
“Para que eu tenha de narrá-lo o meio,
Quem fostes e também que turba é aquela,
Que como hei visto ao vosso encontro veio.” —
Non altrimenti stupido si turba
lo montanaro, e rimirando ammuta,
quando rozzo e salvatico s’inurba,
Se o pasmo seu o montanhês revela,
Quando rude e boçal vê de repente
Quanto pode encerrar cidade bela,
che ciascun’ombra fece in sua paruta;
ma poi che furon di stupore scarche,
lo qual ne li alti cuor tosto s’attuta,
Na grei não foi o efeito diferente.
Tornando sobre si, porém, do espanto,
Que se esvai logo em peito preminente,
“Beato te, che de le nostre marche”,
ricominciò colei che pria m’inchiese,
“per morir meglio, esperïenza imbarche!
— “Ditoso tu, que vendo o nosso pranto” —
Respondeu quem primeiro há perguntado —
“Alcanças ao viver ensino santo!
La gente che non vien con noi, offese
di ciò per che già Cesar, trïunfando,
“Regina” contra sé chiamar s’intese:
“Inquinaram-se aqueles no pecado,
Porque César outrora, triunfando,
Rainha, em vitupério, foi chamado.
però si parton “Soddoma” gridando,
rimproverando a sé com’ hai udito,
e aiutan l’arsura vergognando.
“Eis por que se acusavam se apartando,
Contra si de — Sodoma! alçando o brado,
Do fogo à pena o opróbrio acrescentando.
Nostro peccato fu ermafrodito;
ma perché non servammo umana legge,
seguendo come bestie l’appetito,
“Hermafrodito foi nosso pecado;
Mas tendo as leis humanas transgredido
De brutos no apetite desregrado,
in obbrobrio di noi, per noi si legge,
quando partinci, il nome di colei
che s’imbestiò ne le ’mbestiate schegge.
“Por nossa injúria o nome é repetido,
Quando partimos, da mulher impura,
Que em bestial figura besta há sido.
Or sai nostri atti e di che fummo rei:
se forse a nome vuo’ saper chi semo,
tempo non è di dire, e non saprei.
“Se queres, vendo a nossa nódoa escura,
Do nome de cada um ser instruído,
Não sei, nem tempo para tal nos dura.
Farotti ben di me volere scemo:
son Guido Guinizzelli, e già mi purgo
per ben dolermi prima ch’a lo stremo”.
“Mas o meu te farei bem conhecido;
Vês Guido Guinicelli: o crime expia
Por se haver inda a tempo arrependido.” —
Quali ne la tristizia di Ligurgo
si fer due figli a riveder la madre,
tal mi fec’io, ma non a tanto insurgo,
Quais, ante a fúria em que Licurgo ardia,
Os filhos dois achando a mãe, ficaram,
Tal senti, sem correr viva alegria,
quand’io odo nomar sé stesso il padre
mio e de li altri miei miglior che mai
rime d’amor usar dolci e leggiadre;
Quando o nome essas vozes declararam
Do pai meu e do pai de outros melhores,
Que em doce metro amores decantaram.
e sanza udire e dir pensoso andai
lunga fïata rimirando lui,
né, per lo foco, in là più m’appressai.
Sem falar, sem ouvir perscrutadores
Longamente olhos meus o contemplaram:
Vedavam-me acercar do fogo ardores.
Poi che di riguardar pasciuto fui,
tutto m’offersi pronto al suo servigio
con l’affermar che fa credere altrui.
Depois que em remirá-lo se enlevaram,
Ao seu serviço declarei-me presto,
E solenes promessas o afirmaram.
Ed elli a me: “Tu lasci tal vestigio,
per quel ch’i’ odo, in me, e tanto chiaro,
che Letè nol può tòrre né far bigio.
— “Imprimiu tal vestígio o teu protesto” —
Tornou — “no peito meu agradecido,
Que fora além do Letes manifesto.
Ma se le tue parole or ver giuraro,
dimmi che è cagion per che dimostri
nel dire e nel guardar d’avermi caro”.
“Se hei de ti a verdade agora ouvido,
O que di’no me fez do sentimento,
Que tens na voz, nos olhos insculpidos?” —
E io a lui: “Li dolci detti vostri,
che, quanto durerà l’uso moderno,
faranno cari ancora i loro incostri”.
E eu: — “Das rimas vossas o concento,
Que, enquanto usar-se do falar moderno,
Salvas hão de viver do esquecimento.” —
“O frate”, disse, “questi ch’io ti cerno
col dito”, e additò un spirto innanzi,
“fu miglior fabbro del parlar materno.
— “O que te indico, irmão” — tornou-me terno
(E seu dedo outra sombra me apontava)
Mais primor teve no falar materno.
Versi d’amore e prose di romanzi
soverchiò tutti; e lascia dir li stolti
che quel di Lemosì credon ch’avanzi.
“Nos versos, nos romances superava
A todos: stultos só dizer ousaram
Que o Limosim aquele avantajava.
A voce più ch’al ver drizzan li volti,
e così ferman sua oppinïone
prima ch’arte o ragion per lor s’ascolti.
“Pelo rumor verdade desprezaram,
E, como arte e razão desconheceram,
Sem fundamento opinião formaram.
Così fer molti antichi di Guittone,
di grido in grido pur lui dando pregio,
fin che l’ ha vinto il ver con più persone.
“Assim muitos outrora procederam
Com Guittone e o seu nome hão proclamado;
Mas verdade alfim todos conheceram.
Or se tu hai sì ampio privilegio,
che licito ti sia l’andare al chiostro
nel quale è Cristo abate del collegio,
“E pois que o privilégio hás alcançado
De entrar nesse mosteiro portentoso,
Por Cristo, como abade governado,
falli per me un dir d’un paternostro,
quanto bisogna a noi di questo mondo,
dove poter peccar non è più nostro”.
“Um Pater Noster diz por mim piedoso;
Quanto mister havemos neste mundo,
Onde ato algum não há pecaminoso.” —
Poi, forse per dar luogo altrui secondo
che presso avea, disparve per lo foco,
come per l’acqua il pesce andando al fondo.
“Por dar lugar ao spírito segundo,
Já próximo, no fogo desparece.
Qual peixe, quando imerge de água ao fundo.
Io mi fei al mostrato innanzi un poco,
e dissi ch’al suo nome il mio disire
apparecchiava grazïoso loco.
Acerquei-me da sombra que aparece,
E disse que ao seu nome apercebia
Meu desejo o lugar que assaz merece.
El cominciò liberamente a dire:
“Tan m’abellis vostre cortes deman,
qu’ ieu no me puesc ni voill a vos cobrire.
Logo assim livremente me dizia:
— “Tão cortês vosso rogo é, que escutando,
Me encobrir não quisera ou poderia.
Ieu sui Arnaut, que plor e vau cantan;
consiros vei la passada folor,
e vei jausen lo joi qu’ esper, denan.
“Arnaldo sou, que choro e vou cantando,
Triste os erros passados meus lamento,
E o fausto dia estou ledo esperando.
Ara vos prec, per aquella valor
que vos guida al som de l’escalina,
sovenha vos a temps de ma dolor!”.
“E peço-vos pelo alto valimento,
Que da escada a eminência ora vos guia,
Que em tempo vos lembreis do meu tormento.”
Poi s’ascose nel foco che li affina.
E, após, ao fogo apurador se envia.
Canto XXVII
Canto XXVII, dove tratta d’una visione che apparve a Dante in sogno, e come pervennero a la sommità del monte ed entraro nel Paradiso Terrestre chiamato paradiso delitiarum.
Para chegar à escada que do sétimo e último compartimento leva ao cimo do monte, Dante é obrigado por um Anjo a atravessar as flamas. Pouco depois de ter começado a subir, o ar escurece e sobrevém a noite. Param e Dante, cansado, adormece. Despertado pela madrugada, os Poetas recomeçam a subir, chegando ao Paraíso Terrestre.
Sì come quando i primi raggi vibra
là dove il suo fattor lo sangue sparse,
cadendo Ibero sotto l’alta Libra,
Como, quando os primeiros raios vibra
Lá onde Cristo sangue derramara,
Sotopondo-se o Ebro à excelsa Libra,
e l’onde in Gange da nona rïarse,
sì stava il sole; onde ’l giorno sen giva,
come l’angel di Dio lieto ci apparse.
E, ao meio-dia, o Gange aquece e aclara
Stava o sol; declinando a luz já se ia:
Eis ledo o anjo de Deus se nos depara.
Fuor de la fiamma stava in su la riva,
e cantava ’Beati mundo corde!’
in voce assai più che la nostra viva.
Fora da flama, à borda ele se erguia,
Beati mundo corde modulando.
Em tom de voz, que a humana precedia.
Poscia “Più non si va, se pria non morde,
anime sante, il foco: intrate in esso,
e al cantar di là non siate sorde”,
“Para avante passar” — acrescentando —
“Apurai-vos no fogo, almas piedosas!
Entrai, de além nos hinos atentando.”
ci disse come noi li fummo presso;
per ch’io divenni tal, quando lo ’ntesi,
qual è colui che ne la fossa è messo.
Lhe ouvindo ao perto as vozes sonorosas,
Sossobrei, como quem, perdido o alento,
Da tumba às trevas desce pavorosas.
In su le man commesse mi protesi,
guardando il foco e imaginando forte
umani corpi già veduti accesi.
Mãos cruzadas, quedei sem movimento;
De olhos na chama, os vivos relembrava,
Que das fogueiras vira no tormento.
Volsersi verso me le buone scorte;
e Virgilio mi disse: “Figliuol mio,
qui può esser tormento, ma non morte.
A mim cada um dos Vates se voltava.
— “Não temas, filho! Aqui dor se padece,
Mas não morte” — Virgílio me exortava.
Ricorditi, ricorditi! E se io
sovresso Gerïon ti guidai salvo,
che farò ora presso più a Dio?
“Lembra! Lembra ou memória em ti falece?
Já sobre Gerião levei-te a salvo:
De Deus mais perto, em mim virtude cresce.
Credi per certo che se dentro a l’alvo
di questa fiamma stessi ben mille anni,
non ti potrebbe far d’un capel calvo.
“Se destas chamas, crê, tu foras alvo
Em todo o espaço de um milheiro de anos,
De um só cabelo ficarias calvo.
E se tu forse credi ch’io t’inganni,
fatti ver’ lei, e fatti far credenza
con le tue mani al lembo d’i tuoi panni.
“Se cuidas no que digo haver enganos,
Te acerca e por ti próprio experimenta,
Ao fogo expondo de tua veste os panos.
Pon giù omai, pon giù ogne temenza;
volgiti in qua e vieni: entra sicuro!”.
E io pur fermo e contra coscïenza.
“Todo o temor do ânimo afugenta!
Vem, pois! Mostra que tens peito seguro!” —
Ouvi, mas o valor meu não se aumenta.
Quando mi vide star pur fermo e duro,
turbato un poco disse: “Or vedi, figlio:
tra Bëatrice e te è questo muro”.
Vendo-me ainda pertinace e duro,
Merencório me disse: — “Ó filho amado,
De Beatriz a ti só este muro!” —
Come al nome di Tisbe aperse il ciglio
Piramo in su la morte, e riguardolla,
allor che ’l gelso diventò vermiglio;
De Tisbe ao nome, Píramo chegado
À morte, os olhos para vê-la abria,
Quando há seu sangue à amora cor mudado;
così, la mia durezza fatta solla,
mi volsi al savio duca, udendo il nome
che ne la mente sempre mi rampolla.
A resistência minha assim cedia.
A Virgílio volvi-me, o nome ouvindo,
Que sempre o pensamento me alumia.
Ond’ei crollò la fronte e disse: “Come!
volenci star di qua?”; indi sorrise
come al fanciul si fa ch’è vinto al pome.
Então a fronte meneou; sorrindo,
Como a infante, que um pomo há seduzido,
Disse: — “Aqui ficaremos persistindo?” —
Poi dentro al foco innanzi mi si mise,
pregando Stazio che venisse retro,
che pria per lunga strada ci divise.
Sou por ele no fogo antecedido;
Estácio, que antes sempre caminhara,
Depois de mim seguia a seu pedido.
Sì com’ fui dentro, in un bogliente vetro
gittato mi sarei per rinfrescarmi,
tant’era ivi lo ’ncendio sanza metro.
Eu pelo fogo apenas penetrara,
Ardor tanto senti, que, pra recreio,
Em vidro derretido me lançara.
Lo dolce padre mio, per confortarmi,
pur di Beatrice ragionando andava,
dicendo: “Li occhi suoi già veder parmi”.
De confortar-me procurando o meio,
De Beatriz Virgílio assim falava:
— “Seu gesto julgo ver de fulgor cheio.” —
Guidavaci una voce che cantava
di là; e noi, attenti pur a lei,
venimmo fuor là ove si montava.
Voz peregrina ouvi, que ali cantava:
Fora saímos nós, dos sons guiados,
Na parte, onde a subida se mostrava.
’Venite, benedicti Patris mei’,
sonò dentro a un lume che lì era,
tal che mi vinse e guardar nol potei.
— “Vinde, ó vós de meu Pai abençoado!” —-
Do seio de um luzeiro retinia,
Tal que os olhos cerram-se ofuscados.
“Lo sol sen va”, soggiunse, “e vien la sera;
non v’arrestate, ma studiate il passo,
mentre che l’occidente non si annera”.
“Transmonta o sol, a noite segue ao dia,
Não vos detende; a passo andai ligeiro,
Que o Ponente já trevas anuncia.” —
Dritta salia la via per entro ’l sasso
verso tal parte ch’io toglieva i raggi
dinanzi a me del sol ch’era già basso.
A trilha no penhasco sobranceiro
Direita sobe à parte em que tolhia
A sombra minha o lume derradeiro.
E di pochi scaglion levammo i saggi,
che ’l sol corcar, per l’ombra che si spense,
sentimmo dietro e io e li miei saggi.
Vencido apenas nosso passo havia
Alguns degraus, a sombra, que fenece,
Mostra que o sol já luz não difundia.
E pria che ’n tutte le sue parti immense
fosse orizzonte fatto d’uno aspetto,
e notte avesse tutte sue dispense,
Antes que em todo apresentado houvesse
O imenso horizonte igual aspeito,
E a noite os seus véus todos estendesse,
ciascun di noi d’un grado fece letto;
ché la natura del monte ci affranse
la possa del salir più e ’l diletto.
Um degrau cada qual tomou por leito;
Que nos tirara da montanha a agrura,
Mais que o desejo de subir o jeito.
Quali si stanno ruminando manse
le capre, state rapide e proterve
sovra le cime avante che sien pranse,
Como as cabras das penhas sobre a altura,
Antes de fartas, rápidas e ardentes,
Têm, ruminando, mansidão, brandura;
tacite a l’ombra, mentre che ’l sol ferve,
guardate dal pastor, che ’n su la verga
poggiato s’è e lor di posa serve;
Pousam à sombra, enquanto o sol candentes
Lumes despede, e as guarda o pegureiro
Com seu cajado e os olhos previdentes;
e quale il mandrïan che fori alberga,
lungo il pecuglio suo queto pernotta,
guardando perché fiera non lo sperga;
E como o guardador, que no terreiro
Quedo pernoita em sentinela aos gados
Contra assaltos do lobo carniceiro:
tali eravamo tutti e tre allotta,
io come capra, ed ei come pastori,
fasciati quinci e quindi d’alta grotta.
Assim nós três estávamos pousados,
Eu como cabra, os Vates quais pastores,
Da rocha a um lado e a outro conchegados.
Poco parer potea lì del di fori;
ma, per quel poco, vedea io le stelle
di lor solere e più chiare e maggiori.
Escassa aberta deixa ver fulgores
De estrelas, que do céu naquela parte,
Contemplava mais lúcidas, maiores.
Sì ruminando e sì mirando in quelle,
mi prese il sonno; il sonno che sovente,
anzi che ’l fatto sia, sa le novelle.
Nessa vista engolfei-me por tal arte,
Que o sono me prendeu, sono que à mente
Do que há de ser a provisão comparte.
Ne l’ora, credo, che de l’orïente
prima raggiò nel monte Citerea,
che di foco d’amor par sempre ardente,
Naquela hora em que Vênus do Oriente
Seus lumes sobre o monte difundia,
Parecendo de amor star sempre ardente,
giovane e bella in sogno mi parea
donna vedere andar per una landa
cogliendo fiori; e cantando dicea:
Jovem formosa em sonho ver eu cria,
Dama que em veiga amena passeando,
Flores colhendo, a modular dizia:
“Sappia qualunque il mio nome dimanda
ch’i’ mi son Lia, e vo movendo intorno
le belle mani a farmi una ghirlanda.
— “Quem meu nome pedir, vá me escutando:
Sou Lia e uma grinalda, cuidadosa,
Co’as minhas belas mãos a tecer ando.
Per piacermi a lo specchio, qui m’addorno;
ma mia suora Rachel mai non si smaga
dal suo miraglio, e siede tutto giorno.
“Mirar-me, hei-de no espelho mais garbosa:
De sua mana, Raquel se não separa,
Sentada o inteiro dia descuidosa.
Ell’è d’i suoi belli occhi veder vaga
com’io de l’addornarmi con le mani;
lei lo vedere, e me l’ovrare appaga”.
“De ver os belos olhos seus não pára,
Como eu em me adornar sou diligente:
Ela contempla, eu trabalhar tornara!”
E già per li splendori antelucani,
che tanto a’ pellegrin surgon più grati,
quanto, tornando, albergan men lontani,
Já vem do dia o precursor splendente,
Que tanto alenta a esp’rança ao peregrino,
Quando o seu lar já próximo pressente.
le tenebre fuggian da tutti lati,
e ’l sonno mio con esse; ond’io leva’ mi,
veggendo i gran maestri già levati.
Fugia a treva ao lume matutino
— E com ela o meu sono: ergui-me ativo,
Dos mestres tendo no exemplo o ensino.
“Quel dolce pome che per tanti rami
cercando va la cura de’ mortali,
oggi porrà in pace le tue fami”.
— “O pomo, que é tão doce, quanto esquivo,
Que a ambição dos mortais procura ansiosa,
Hoje à fome há de dar-te o lenitivo.” —
Virgilio inverso me queste cotali
parole usò; e mai non furo strenne
che fosser di piacere a queste iguali.
Estas palavras proferiu donosa
Do Mestre a voz: janeiras não dariam
Jamais satisfação tão graciosa.
Tanto voler sopra voler mi venne
de l’esser sù, ch’ad ogne passo poi
al volo mi sentia crescer le penne.
Tão vividos anelos me pungiam
De alar-me ao cimo excelso, que julgava
Que asas o passo meu favoreciam.
Come la scala tutta sotto noi
fu corsa e fummo in su ’l grado superno,
in me ficcò Virgilio li occhi suoi,
Quando a comprida escada terminava
E o pé firmamos no degrau superno,
Virgílio, me encarando, assim falava:
e disse: “Il temporal foco e l’etterno
veduto hai, figlio; e se’ venuto in parte
dov’io per me più oltre non discerno.
— “O fogo temporário e o fogo eterno
Tens visto, filho, e a altura hás atingido.
Além de cuja extrema não discerno:
Tratto t’ ho qui con ingegno e con arte;
lo tuo piacere omai prendi per duce;
fuor se’ de l’erte vie, fuor se’ de l’arte.
“Te hei com engenho e arte conduzido:
Seja-te agora o teu querer o guia;
Angústias e fraguras tens vencido.
Vedi lo sol che ’n fronte ti riluce;
vedi l’erbette, i fiori e li arbuscelli
che qui la terra sol da sé produce.
“Olha: o semblante o sol já te alumia;
Flores, ervinhas, árvores virentes
Vê que a terra espontânea brota e cria.
Mentre che vegnan lieti li occhi belli
che, lagrimando, a te venir mi fenno,
seder ti puoi e puoi andar tra elli.
“Antes que os olhos venham refulgentes,
Que em teu prol me enviaram por seu pranto,
Repousa, ou pelos prados vai florentes.
Non aspettar mio dir più né mio cenno;
libero, dritto e sano è tuo arbitrio,
e fallo fora non fare a suo senno:
“Não mais te falo, nem te aceno, entanto;
Possuis vontade livre, reta e boa,
Cumpre os ditames seus: a ti, portanto,
per ch’io te sovra te corono e mitrio”.
Pois de ti és senhor, dou mitra e c'roa.
Canto XXVIII
Canto XXVIII, ove si tratta come la vita attiva distingue a l’auttore la natura del fiume di Letè, il quale trovò nel detto Paradiso, ove molto dimostra de la felicitade e del peccato di Adamo, e del modo e ordine del detto luogo.
O Poeta descreve a beleza do Paraíso Terrestre. Chegam Dante, Virgílio e Estácio perto de um rio que os impede de prosseguir. Do outro lado do rio aparece uma mulher de maravilhosa beleza que discorre a respeito da condição do lugar, resolvendo as dúvidas que Dante lhe propõe.
Vago già di cercar dentro e dintorno
la divina foresta spessa e viva,
ch’a li occhi temperava il novo giorno,
Vagar já nos recessos desejando
Da selva divinal, vivida espessa,
Que ao novo dia o lume faz mais brando,
sanza più aspettar, lasciai la riva,
prendendo la campagna lento lento
su per lo suol che d’ogne parte auliva.
Daquela encosta a me afastar dou pressa.
Pela veiga me interno a passo lento,
Doce aroma sentindo, que não cessa.
Un’aura dolce, sanza mutamento
avere in sé, mi feria per la fronte
non di più colpo che soave vento;
Do ar, que circulava, o doce alento,
Mas sempre igual, a fronte me afagando,
Tinha o bafejo de suave vento.
per cui le fronde, tremolando, pronte
tutte quante piegavano a la parte
u’ la prim’ombra gitta il santo monte;
As folhas, molemente balouçando,
Do santo monte à parte se inclinavam,
A que a sombra primeira vai baixando.
non però dal loro esser dritto sparte
tanto, che li augelletti per le cime
lasciasser d’operare ogne lor arte;
Mas, no meneio seu, não se acurvavam
Em modo, que na rama aos passarinhos
Os hinos perturbassem, que entoavam.
ma con piena letizia l’ore prime,
cantando, ricevieno intra le foglie,
che tenevan bordone a le sue rime,
Pousados ledamente entre os raminhos
Saudavam com seus cantos a alvorada
Da fronde os acordando aos murmurinhos;
tal qual di ramo in ramo si raccoglie
per la pineta in su ’l lito di Chiassi,
quand’Ëolo scilocco fuor discioglie.
Assim de Chiassi no pinhal soada
De ramo em ramo corre quando a amara
Prisão, abre ao mestre Eolo a entrada.
Già m’avean trasportato i lenti passi
dentro a la selva antica tanto, ch’io
non potea rivedere ond’io mi ’ntrassi;
Com demorado andar eu caminhara
Na selva antiga tanto, que não via
Mais o lugar, por onde penetrara.
ed ecco più andar mi tolse un rio,
che ’nver’ sinistra con sue picciole onde
piegava l’erba che ’n sua ripa uscìo.
Eis andar um ribeiro me tolhia,
Que, à sestra deslizando-se, beijava
A ervinha, que às margens lhe crescia:
Tutte l’acque che son di qua più monde,
parrieno avere in sé mistura alcuna
verso di quella, che nulla nasconde,
O cristal dessa linfa superava
Da terra água a mais pura e transparente;
Quanto continha em si patente estava.
avvegna che si mova bruna bruna
sotto l’ombra perpetüa, che mai
raggiar non lascia sole ivi né luna.
Entanto, pela sombra permanente,
Que luz da lua ou sol nunca atravessa,
Negreja aquela plácida corrente.
Coi piè ristetti e con li occhi passai
di là dal fiumicello, per mirare
la gran varïazion d’i freschi mai;
O pé detenho, e a vista se arremessa
Além do humilde rio, contemplando
Primores, com que maio se adereça,
e là m’apparve, sì com’elli appare
subitamente cosa che disvia
per maraviglia tutto altro pensare,
Então se of’rece aos olhos, como quando
De súbito um portento surge à mente,
De outro pensar qualquer a desviando,
una donna soletta che si gia
e cantando e scegliendo fior da fiore
ond’era pinta tutta la sua via.
Uma dama sozinha de repente,
Que, cantando, escolhia, de entre as flores,
Que o chão cobriam de matiz ridente.
“Deh, bella donna, che a’ raggi d’amore
ti scaldi, s’i’ vo’ credere a’ sembianti
che soglion esser testimon del core,
— “Bela dama, que sentes os fervores
Do amor divino, se por teu semblante
Da tua alma julgar devo os ardores” —
vegnati in voglia di trarreti avanti”,
diss’io a lei, “verso questa rivera,
tanto ch’io possa intender che tu canti.
Assim falei — “se caminhar avante
Até perto do rio te aprouvera,
Te entendera esse canto inebriante.
Tu mi fai rimembrar dove e qual era
Proserpina nel tempo che perdette
la madre lei, ed ella primavera”.
“Tão linda, em tal lugar, lembras qual era
Prosérpina, ao perdê-la a mãe querida
E ao perder também ela a primavera.” —
Come si volge, con le piante strette
a terra e intra sé, donna che balli,
e piede innanzi piede a pena mette,
Qual menina, que em danças entretida,
Gira ligeira em terra deslizando,
Os passos troca e volve-se garrida,
volsesi in su i vermigli e in su i gialli
fioretti verso me, non altrimenti
che vergine che li occhi onesti avvalli;
Sobre o esmalte das flores se voltando,
A mim se dirigiu, como donzela
Que vai, modesta, os olhos abaixando.
e fece i prieghi miei esser contenti,
sì appressando sé, che ’l dolce suono
veniva a me co’ suoi intendimenti.
Quanto o desejo meu sôfrego anela
Acercou-se e da angélica toada
Distinta pude ouvir a letra bela.
Tosto che fu là dove l’erbe sono
bagnate già da l’onde del bel fiume,
di levar li occhi suoi mi fece dono.
Logo em chegando à borda em que banhada
A erva era da linfa cristalina,
De olhar-me fez a graça assinalada.
Non credo che splendesse tanto lume
sotto le ciglia a Venere, trafitta
dal figlio fuor di tutto suo costume.
Não creio que na vista peregrina
De Vênus lume tal resplandecesse
Ao feri-la de amor seta mali’na.
Ella ridea da l’altra riva dritta,
trattando più color con le sue mani,
che l’alta terra sanza seme gitta.
De fronte aos olhos a sorrir se of’rece.
As mãos de lindas flores tendo plenas,
De que espontâneo o solo se guarnece.
Tre passi ci facea il fiume lontani;
ma Elesponto, là ’ve passò Serse,
ancora freno a tutti orgogli umani,
A nós três passos interpõem apenas:
O Helesponto que Xerxes transcendera,
Lição em que há para os soberbos penas,
più odio da Leandro non sofferse
per mareggiare intra Sesto e Abido,
che quel da me perch’allor non s’aperse.
Em Leandro mais ódio não movera,
Quando entre Sesto e Ábidos nadava,
Do que o rio que tanto estorvo me era.
“Voi siete nuovi, e forse perch’io rido”,
cominciò ella, “in questo luogo eletto
a l’umana natura per suo nido,
— “Sois recém-vindos” — ela assim falava —
“Meu riso ao ver-vos no lugar eleito
À humana raça, quando à luz brotava,
maravigliando tienvi alcun sospetto;
ma luce rende il salmo Delectasti,
che puote disnebbiar vostro intelletto.
“Talvez vos maravilhe por suspeito.
Se lembrado o salmo Delectasti,
De todo o engano vos será desfeito.
E tu che se’ dinanzi e mi pregasti,
dì s’altro vuoli udir; ch’i’ venni presta
ad ogne tua question tanto che basti”.
“Tu, que estás adiante e me falaste
Que mais ouvir desejas? Eis-me presta
Explicação a dar-te, quanto baste.” —
“L’acqua”, diss’io, “e ’l suon de la foresta
impugnan dentro a me novella fede
di cosa ch’io udi’ contraria a questa”.
— “Esta água” — torno — “e o som desta floresta
Opõem-se à minha fé na maravilha.
Que eu tinha ouvido e que é contrária a esta.” —
Ond’ella: “Io dicerò come procede
per sua cagion ciò ch’ammirar ti face,
e purgherò la nebbia che ti fiede.
— “Eu te direi a causa, de que é filha
A razão que te move essa estranheza;
Terás, em vez de névoa, a luz que brilha.
Lo sommo ben, che solo esso a sé piace,
fé l’uom buono e a bene, e questo loco
diede per arr’a lui d’etterna pace.
“O Bem, que em si somente se embeleza,
Apto ao bem fez o home’; em arras deu-lhe
De eterna paz à edênica riqueza.
Per sua difalta qui dimorò poco;
per sua difalta in pianto e in affanno
cambiò onesto riso e dolce gioco.
“A culpa sua este alto dom tolheu-lhe;
A culpa sua em prantos, em desgostos
Os prazeres, os risos converteu-lhe.
Perché ’l turbar che sotto da sé fanno
l’essalazion de l’acqua e de la terra,
che quanto posson dietro al calor vanno,
“A fim de que efeitos, que, compostos
São de eflúvios das águas e da terra,
Para o calor acompanhar dispostos,
a l’uomo non facesse alcuna guerra,
questo monte salìo verso ’l ciel tanto,
e libero n’è d’indi ove si serra.
“Ao homem não fizessem qualquer guerra,
Tão alta há se elevado esta montanha,
Que é livre desde o ponto onde se encerra.
Or perché in circuito tutto quanto
l’aere si volge con la prima volta,
se non li è rotto il cerchio d’alcun canto,
“E porque todo o ar, por força manha,
Roda ao impulso do motor primeiro,
Quando estorvo nenhum seu giro acanha,
in questa altezza ch’è tutta disciolta
ne l’aere vivo, tal moto percuote,
e fa sonar la selva perch’è folta;
“Este cimo elevado e sobranceiro
Pelo éter vivo ao moto é tão batido,
Que o denso bosque remurmura inteiro:
e la percossa pianta tanto puote,
che de la sua virtute l’aura impregna
e quella poi, girando, intorno scuote;
“E sendo em cada um tronco percutido,
A virtude transmite fecundamente
Ao ar, que a esparge, em torno revolvido.
e l’altra terra, secondo ch’è degna
per sé e per suo ciel, concepe e figlia
di diverse virtù diverse legna.
“A terra, como é apta, circunstante
Por si ou por seu céu plantas concebe
De gênero e virtude variante.
Non parrebbe di là poi maraviglia,
udito questo, quando alcuna pianta
sanza seme palese vi s’appiglia.
“E pois, já claramente se percebe
Como planta há viçosa e florescente,
Quando o germe a terra não recebe.
E saper dei che la campagna santa
dove tu se’, d’ogne semenza è piena,
e frutto ha in sé che di là non si schianta.
“Sabe que até jardim toda semente
Do que a terra produz em si compreende
E contém fruto inoto à humana gente.
L’acqua che vedi non surge di vena
che ristori vapor che gel converta,
come fiume ch’acquista e perde lena;
“Esta água de uma origem não depende,
Que alimente vapor que em chuva desça,
Como rio que seca ou que se estende.
ma esce di fontana salda e certa,
che tanto dal voler di Dio riprende,
quant’ella versa da due parti aperta.
“De fonte certa vem que nunca cessa,
Pois por querer que Deus tanta dimana,
Quanta aqui por canais dois se arremessa.
Da questa parte con virtù discende
che toglie altrui memoria del peccato;
da l’altra d’ogne ben fatto la rende.
“A que neste álveo que ora vês, se encana
Memória do pecado desvanece,
Aviva a outra a da virtude humana.
Quinci Letè; così da l’altro lato
Eünoè si chiama, e non adopra
se quinci e quindi pria non è gustato:
“É Letes, se por ela o mal se esquece,
Eunoé quando lembra: atuam quando
O gosto de uma e de outro homem conhece.
a tutti altri sapori esto è di sopra.
E avvegna ch’assai possa esser sazia
la sete tua perch’io più non ti scuopra,
“Saber igual aos outros comparando
Não existe ao desta água. Ao teu pedido
Satisfação hei dado assim falando.
darotti un corollario ancor per grazia;
né credo che ’l mio dir ti sia men caro,
se oltre promession teco si spazia.
“Corolário, porém, lhe seja adido:
Não receio que assim te desagrade,
Indo além do que fora prometido.
Quelli ch’anticamente poetaro
l’età de l’oro e suo stato felice,
forse in Parnaso esto loco sognaro.
“Poetas que cantavam de ouro a idade
E sua dita, em Parnaso, certamente
Sonharam desta estância a f’licidade.
Qui fu innocente l’umana radice;
qui primavera sempre e ogne frutto;
nettare è questo di che ciascun dice”.
“Estirpe humana aqui fora inocente;
Eterna primavera aqui domina;
Foi este néctar, que inventou sua mente.” —
Io mi rivolsi ’n dietro allora tutto
a’ miei poeti, e vidi che con riso
udito avëan l’ultimo costrutto;
Então a vista aos Vates se me inclina.
Um sorriso em seus lábios se revela,
Esse conceito ouvindo, em que termina.
poi a la bella donna torna’ il viso.
Rosto volvi depois à dama bela.
Canto XXIX
Canto XXIX, dove si tratta sì come l’auttore contristato si conduole d’Eva e come vide li sette doni del Santo Spirito e Cristo e la celestiale corte in forma di certe figure.
Da floresta aparece um súbito esplendor. Dante vê avançar uma procissão de espíritos bem-aventurados em cândidas vestes, e, no fim da procissão, um carro tirado por um grifo. Ouve-se um trovão e o carro e o grifo param.
Cantando come donna innamorata,
continüò col fin di sue parole:
’Beati quorum tecta sunt peccata!’.
As vozes, que eu lhe ouvia, ela remata,
Qual dama namorada, assim cantando:
Beati quorum tecta sunt peccata!
E come ninfe che si givan sole
per le salvatiche ombre, disïando
qual di veder, qual di fuggir lo sole,
Como das ninfas o formoso bando,
Que nas umbrosas selvas sós andavam,
Qual ver, qual evitar o sol buscando:
allor si mosse contra ’l fiume, andando
su per la riva; e io pari di lei,
picciol passo con picciol seguitando.
Contra o ribeiro os passos a levavam,
Sobre a margem seguindo lentamente;
E pelos seus os meus se regulavam.
Non eran cento tra ’ suoi passi e ’ miei,
quando le ripe igualmente dier volta,
per modo ch’a levante mi rendei.
Cinqüenta assim andáramos somente,
Quando o álveo curvou a linfa pura,
E, pois, da banda achei-me do oriente.
Né ancor fu così nostra via molta,
quando la donna tutta a me si torse,
dicendo: “Frate mio, guarda e ascolta”.
Pouco éramos avante na espessura,
Eis, voltando-se, a dama desta sorte
Falou-me: — “Escuta, irmão, e ver procura.” —
Ed ecco un lustro sùbito trascorse
da tutte parti per la gran foresta,
tal che di balenar mi mise in forse.
Refulge de repente uma luz forte,
Por todo o espaço imenso da floresta.
Relâmpago julguei, que os ares corte.
Ma perché ’l balenar, come vien, resta,
e quel, durando, più e più splendeva,
nel mio pensier dicea: ’Che cosa è questa?’.
Mas luz após relâmpagos não resta;
E o fulgor mais e mais resplendecia.
Disse entre mim: — “Que maravilha é esta?” —
E una melodia dolce correva
per l’aere luminoso; onde buon zelo
mi fé riprender l’ardimento d’Eva,
Pelo ar luminoso se esparzia
Dulcíssima harmonia: e em zelo ardendo
De Eva o feito imprudente eu repreendia,
che là dove ubidia la terra e ’l cielo,
femmina, sola e pur testé formata,
non sofferse di star sotto alcun velo;
Pois, céu e terra a Deus humildes vendo,
A mulher só, que a vida começara,
Violava o preceito, os véus rompendo.
sotto ’l qual se divota fosse stata,
avrei quelle ineffabili delizie
sentite prima e più lunga fïata.
Se fiel fora e as ordens respeitara,
Mais cedo e por mais tempo essa morada,
Em delícia inefável, eu gozara.
Mentr’io m’andava tra tante primizie
de l’etterno piacer tutto sospeso,
e disïoso ancora a più letizie,
Prosseguia, tendo a alma transportada
Nas primícias da eterna f’licidade,
Em desejos mais vivos abrasada,
dinanzi a noi, tal quale un foco acceso,
ci si fé l’aere sotto i verdi rami;
e ’l dolce suon per canti era già inteso.
Quando vimos de intensa claridade
Sob a rama tornar-se o ar brilhante
E o som tomou de um hino a suavidade.
O sacrosante Vergini, se fami,
freddi o vigilie mai per voi soffersi,
cagion mi sprona ch’io mercé vi chiami.
Ó Musas, santas virgens, se, constante
Fome, frio, vigílias hei sofrido,
Da mercê vos rogar assoma o instante:
Or convien che Elicona per me versi,
e Uranìe m’aiuti col suo coro
forti cose a pensar mettere in versi.
Das águas de Hipocrene bem provido
Para em metro cantar idéia imensa
De Urânia e das irmãs seja eu valido!
Poco più oltre, sette alberi d’oro
falsava nel parere il lungo tratto
del mezzo ch’era ancor tra noi e loro;
De ver, um tanto além, eu tive a crença
Árvores sete de ouro: era aparência,
Emprestava a distância parecença.
ma quand’i’ fui sì presso di lor fatto,
che l’obietto comun, che ’l senso inganna,
non perdea per distanza alcun suo atto,
Mas, quando me acerquei, quando a evidência
Provou-me quanto a semelhança engana,
Dando das cousas falsa inteligência,
la virtù ch’a ragion discorso ammanna,
sì com’elli eran candelabri apprese,
e ne le voci del cantare ’Osanna’.
A faculdade, que à razão aplana
O discurso, fez ver distintamente
Candelabros e ouvir no hino: Hosana!
Di sopra fiammeggiava il bello arnese
più chiaro assai che luna per sereno
di mezza notte nel suo mezzo mese.
Cada qual flamejava refulgente,
Mais que no azul do céu rebrilha a lua
Da noite em meio, em seu maior crescente.
Io mi rivolsi d’ammirazion pieno
al buon Virgilio, ed esso mi rispuose
con vista carca di stupor non meno.
De pasmo, que no espírito me atua,
A Virgílio me volto; ele me encara:
Também revela espanto a vista sua.
Indi rendei l’aspetto a l’alte cose
che si movieno incontr’a noi sì tardi,
che foran vinte da novelle spose.
Tornei-me ao lampadário, que não pára,
Prosseguindo, porém, solene e lento:
Noiva ao altar mais presta caminhara.
La donna mi sgridò: “Perché pur ardi
sì ne l’affetto de le vive luci,
e ciò che vien di retro a lor non guardi?”.
Eis a dama gritou-me: — “Por que atento
Às vivas luzes stás com tanto excesso,
Que desvias do mais o pensamento?” —
Genti vid’io allor, come a lor duci,
venire appresso, vestite di bianco;
e tal candor di qua già mai non fuci.
Trajadas de alva cor a ver começo
Pessoas, que os luzeiros têm por guia:
Candor igual na terra não conheço.
L’acqua imprendëa dal sinistro fianco,
e rendea me la mia sinistra costa,
s’io riguardava in lei, come specchio anco.
Do rio a linfa à sestra resplendia:
Espelho, minha imagem, desse lado,
Oscilando, aos meus olhos refletia.
Quand’io da la mia riva ebbi tal posta,
che solo il fiume mi facea distante,
per veder meglio ai passi diedi sosta,
Dos lumes tanto estava apropinquado,
Que pelo rio só fiquei distante:
Parei, por ver melhor, maravilhado.
e vidi le fiammelle andar davante,
lasciando dietro a sé l’aere dipinto,
e di tratti pennelli avean sembiante;
Esses clarões eu vi passar avante;
Trás si no ar matiz vário espalhavam,
A pendões desfraldados semelhante.
sì che lì sopra rimanea distinto
di sette liste, tutte in quei colori
onde fa l’arco il Sole e Delia il cinto.
Sete listras bem claras desenhavam,
As cores que contém de Delia o cinto
Ou stão do sol no arco, figuravam.
Questi ostendali in dietro eran maggiori
che la mia vista; e, quanto a mio avviso,
diece passi distavan quei di fori.
Cada estandarte, atrás asas distinto,
Se perdia â vista; entre eles pareciam
Dez passos se no cálculo não minto.
Sotto così bel ciel com’io diviso,
ventiquattro seniori, a due a due,
coronati venien di fiordaliso.
Por baixo de tão belo céu seguiam
Vinte e quatro anciões emparelhados:
Brancos lírios as frontes lhes cingiam.
Tutti cantavan: “Benedicta tue
ne le figlie d’Adamo, e benedette
sieno in etterno le bellezze tue!”.
Todos cantavam juntos: compassados
— “Entre as filhas de Adam sejas bendita!
Benditos teus excelsos predicados.” —
Poscia che i fiori e l’altre fresche erbette
a rimpetto di me da l’altra sponda
libere fuor da quelle genti elette,
Quando da margem bem de fronte sita,
De fresca relva e flores guarnecida,
A grei se foi que alcançava a santa grita,
sì come luce luce in ciel seconda,
vennero appresso lor quattro animali,
coronati ciascun di verde fronda.
Como no céu a luz de outro é seguida,
Quatro animais após se apresentavam,
Coroados de fronde entretecida:
Ognuno era pennuto di sei ali;
le penne piene d’occhi; e li occhi d’Argo,
se fosser vivi, sarebber cotali.
A cada qual seis asas adornavam,
Cobertas de olhos tantos, quantos Argo
Tinha, quando os seus vida gozavam.
A descriver lor forme più non spargo
rime, lettor; ch’altra spesa mi strigne,
tanto ch’a questa non posso esser largo;
De descrevê-los não faço cargo,
Leitor; a tanto ora me falta ensejo:
Nem posso neste ponto ser mais largo.
ma leggi Ezechïel, che li dipigne
come li vide da la fredda parte
venir con vento e con nube e con igne;
Contenta Ezequiel o teu desejo:
Ele os viu, que, do norte se arrojando,
Vinham com vento, nuve’, ígneo lampejo.
e quali i troverai ne le sue carte,
tali eran quivi, salvo ch’a le penne
Giovanni è meco e da lui si diparte.
Como os pintou, estava os contemplando:
Dif’rença quanto às asas há somente;
João eu sigo, Ezequiel deixando.
Lo spazio dentro a lor quattro contenne
un carro, in su due rote, trïunfale,
ch’al collo d’un grifon tirato venne.
Entre os quatro volvia resplendente
Com dupla roda um carro triunfante,
Por um grifo tirado altivamente,
Esso tendeva in sù l’una e l’altra ale
tra la mezzana e le tre e tre liste,
sì ch’a nulla, fendendo, facea male.
As asas estendendo ia pujante;
No meio às listras três de cada lado,
Sem nenhuma empecer seguia avante.
Tanto salivan che non eran viste;
le membra d’oro avea quant’era uccello,
e bianche l’altre, di vermiglio miste.
Não sobe a vista ao ponto sublimado
A que se erguem; são d’ouro os membros d’ave
No mais o róseo e o níveo misturado.
Non che Roma di carro così bello
rallegrasse Affricano, o vero Augusto,
ma quel del Sol saria pover con ello;
Roma um plaustro não viu tão belo e grave
Do Africano em triunfo ou no de Augusto;
O do sol fora ante ele humilde trave:
quel del Sol che, svïando, fu combusto
per l’orazion de la Terra devota,
quando fu Giove arcanamente giusto.
Esse que, transviado foi combusto,
Da Terra quando as súplicas bradaram
E em seus arcanos Júpiter foi justo.
Tre donne in giro da la destra rota
venian danzando; l’una tanto rossa
ch’a pena fora dentro al foco nota;
Dançando à destra aos olhos se mostraram
Três damas: tão rubente uma parece,
Que chamas se a cercassem a ocultaram.
l’altr’era come se le carni e l’ossa
fossero state di smeraldo fatte;
la terza parea neve testé mossa;
A segunda tão verde resplandece,
Como composta de esmeralda bela;
A candura da neve outra escurece.
e or parëan da la bianca tratte,
or da la rossa; e dal canto di questa
l’altre toglien l’andare e tarde e ratte.
A dança dirigindo, se desvela
Ora a branca ora a rubra: o canto desta
Detém, apressa o passo ao querer dela,
Da la sinistra quattro facean festa,
in porpore vestite, dietro al modo
d’una di lor ch’avea tre occhi in testa.
À sestra fazem outras quatro festa
De púrpura vestidas: uma guia
As outras e três olhos tem na testa.
Appresso tutto il pertrattato nodo
vidi due vecchi in abito dispari,
ma pari in atto e onesto e sodo.
Dous anciões no couce depois via
Dif’rentes no vestir; mas igualdade
Nos gestos seus e acatamento havia.
L’un si mostrava alcun de’ famigliari
di quel sommo Ipocràte che natura
a li animali fé ch’ell’ ha più cari;
Aluno um parecia na verdade
De Hipócrates sublime que criado
Natura tem por bem da humanidade.
mostrava l’altro la contraria cura
con una spada lucida e aguta,
tal che di qua dal rio mi fé paura.
Mostrava o companheiro outro cuidado
Trazendo espada tão aguda e clara,
Que onde eu stava de susto fui tomado.
Poi vidi quattro in umile paruta;
e di retro da tutti un vecchio solo
venir, dormendo, con la faccia arguta.
De humilde aspeito a vista me depara
Mais quatro: segue o velho, que, distante,
Cerra os olhos mas luz a face aclara.
E questi sette col primaio stuolo
erano abitüati, ma di gigli
dintorno al capo non facëan brolo,
Os sete como os quatro de diante
Trajando a fronte sua têm cingida,
Não de c’roa de lírios alvejante,
anzi di rose e d’altri fior vermigli;
giurato avria poco lontano aspetto
che tutti ardesser di sopra da’ cigli.
Mas de purpúreas flores rubescida:
Um tanto longe ao vê-los me parece,
Que a testa a cada qual stava incendida.
E quando il carro a me fu a rimpetto,
un tuon s’udì, e quelle genti degne
parvero aver l’andar più interdetto,
E, quando o carro em face me aparece,
Rompe um trovão e a santa companhia,
Atendendo ao sinal pronta obedece:
fermandosi ivi con le prime insegne.
Pára o cortejo e quanto o antecedia.
Canto XXX
Canto XXX, dove narra come Beatrice apparve a Dante e Virgilio il lasciò, e lo recitare per l’alta donna de la incostanza e difetto di Dante, e qui l’auttore piange i suoi difetti con vergogna compuntiva.
Acolhida festivamente pelos anjos e pelos bem-aventurados, desce do Céu, Beatriz (a divina sabedoria) e pousa no carro. Nisto Virgílio (a humana sabedoria) desaparece. Ela dirige-se a Dante e lhe exprobra os seus desvios. Dante chora; e os anjos se compadecem dele. Beatriz, dirigindo-se a eles, expõe mais particularmente quais foram as suas faltas depois da sua morte.
Quando il settentrïon del primo cielo,
che né occaso mai seppe né orto
né d’altra nebbia che di colpa velo,
Quando o setentrião do céu primeiro,
Que, jamais tendo ocaso, nem nascente,
Da culpa só nublou-se em nevoeiro,
e che faceva lì ciascuno accorto
di suo dover, come ’l più basso face
qual temon gira per venire a porto,
E ali fazia cada qual ciente
Do dever seu, bem como o deste mundo
Do nauta ao porto é guia permanente,
fermo s’affisse: la gente verace,
venuta prima tra ’l grifone ed esso,
al carro volse sé come a sua pace;
Parou, a santa grei, que ia em segundo
Lugar antes do Grifo, dirigia,
Como à paz sua ao carro olhar profundo.
e un di loro, quasi da ciel messo,
’Veni, sponsa, de Libano’ cantando
gridò tre volte, e tutti li altri appresso.
Um, que do céu arauto parecia,
Veni, sponsa de Libano — cantando,
Três vezes disse, e a turba repetia.
Quali i beati al novissimo bando
surgeran presti ognun di sua caverna,
la revestita voce alleluiando,
Como, ao soar o derradeiro bando,
Hão de os eleitos ressurgir ligeiros,
Com renovada voz aleluiando,
cotali in su la divina basterna
si levar cento, ad vocem tanti senis,
ministri e messagger di vita etterna.
Assim, da vida eterna mensageiros,
Cem anjos, ad vocem tanti senis
Elevaram-se ao carro sobranceiros.
Tutti dicean: ’Benedictus qui venis!’,
e fior gittando e di sopra e dintorno,
’Manibus, oh, date lilïa plenis!’.
Diziam todos: — Benedictus qui venis!
Modulavam, lançando em torno flores:
Manibus, oh, date lilia plenis!
Io vidi già nel cominciar del giorno
la parte orïental tutta rosata,
e l’altro ciel di bel sereno addorno;
Já vi do dia aos lúcidos albores
Em parte o céu de rosicler tingido,
Estando em parte azul e sem vapores,
e la faccia del sol nascere ombrata,
sì che per temperanza di vapori
l’occhio la sostenea lunga fïata:
E o sol, nascendo em nuvens envolvido,
Permitir que se encare em seu semblante,
Entre véus nebulosos escondido:
così dentro una nuvola di fiori
che da le mani angeliche saliva
e ricadeva in giù dentro e di fori,
Tal, em nuvem de flores odorante,
Que de angélicas mãos sobe fagueira
E cai no carro e em torno a cada instante,
sovra candido vel cinta d’uliva
donna m’apparve, sotto verde manto
vestita di color di fiamma viva.
De véu neves cingida e de oliveira,
Uma dama esguardei com verde manto
E veste em cor igual à da fogueira.
E lo spirito mio, che già cotanto
tempo era stato ch’a la sua presenza
non era di stupor, tremando, affranto,
E o espírito meu que, tempo tanto
Havia já, não fora ao seu conspeito,
Trêmulo, entrando de soçobro e espanto,
sanza de li occhi aver più conoscenza,
per occulta virtù che da lei mosse,
d’antico amor sentì la gran potenza.
Antes que aos olhos se mostrasse o aspeito,
Sentiu, por força oculta que desprende,
Do antigo amor, o poderoso efeito.
Tosto che ne la vista mi percosse
l’alta virtù che già m’avea trafitto
prima ch’io fuor di püerizia fosse,
Quando essa alta influência em mim descende,
Que desde o alvor primeiro da existência
Da alma as potências me avassala e rende,
volsimi a la sinistra col respitto
col quale il fantolin corre a la mamma
quando ha paura o quando elli è afflitto,
À sestra me voltei com diligência,
Qual infante da mãe correndo ao seio,
Se dor ou medo assalta-lhe a inocência,
per dicere a Virgilio: ’Men che dramma
di sangue m’è rimaso che non tremi:
conosco i segni de l’antica fiamma’.
Por dizer a Virgílio: — “Neste enleio,
Meu sangue em cada gota é convulsado,
De amor na antiga flama eu me incendeio.”
Ma Virgilio n’avea lasciati scemi
di sé, Virgilio dolcissimo patre,
Virgilio a cui per mia salute die’ mi;
Mas ai! Virgílio havia-se ausentado,
Virgílio, o pai dulcíssimo e amoroso,
Virgílio, a quem, por me salvar, fui dado!
né quantunque perdeo l’antica matre,
valse a le guance nette di rugiada
che, lagrimando, non tornasser atre.
Quanto perdeu neste lugar formoso
Eva, não tolhe as lágrimas no rosto,
Que o rocio me lavara milagroso.
“Dante, perché Virgilio se ne vada,
non pianger anco, non piangere ancora;
ché pianger ti conven per altra spada”.
— “Não haja por Virgílio ir-se, desgosto;
Não te entregues ao pranto agora, ó Dante;
Por dor mais viva ao pranto sê disposto.” —
Quasi ammiraglio che in poppa e in prora
viene a veder la gente che ministra
per li altri legni, e a ben far l’incora;
Como em revista às naus sábio almirante
Nas manobras feroz a dura gente
E os corações esforça vigilante,
in su la sponda del carro sinistra,
quando mi volsi al suon del nome mio,
che di necessità qui si registra,
Do carro à borda, à esquerda, incontinênti,
Quando voltei-me ao nome proferido,
Que por ser dito aqui vem simplesmente,
vidi la donna che pria m’appario
velata sotto l’angelica festa,
drizzar li occhi ver’ me di qua dal rio.
A dama vi que tinha aparecido
Velada em meio da divina festa,
Tendo, além-rio, o gesto a mim volvido.
Tutto che ’l vel che le scendea di testa,
cerchiato de le fronde di Minerva,
non la lasciasse parer manifesta,
Conquanto o véu, que lhe cingia a testa,
Que de Minerva fronde coroava,
A face não deixasse manifesta,
regalmente ne l’atto ancor proterva
continüò come colui che dice
e ’l più caldo parlar dietro reserva:
No régio continente que ostentava
Desta arte prosseguiu; porém dizendo
O mais acerto para o fim guardava:
“Guardaci ben! Ben son, ben son Beatrice.
Come degnasti d’accedere al monte?
non sapei tu che qui è l’uom felice?”.
— “Oh! Sou eu! Sim! Beatriz stás vendo!
Pois te hás dignado de ascender ao monte
Ter aqui dita o homem já sabendo?” —
Li occhi mi cadder giù nel chiaro fonte;
ma veggendomi in esso, i trassi a l’erba,
tanta vergogna mi gravò la fronte.
Os olhos inclinando à pura fonte
Vi minha imagem; logo os volto a um lado,
Tanta vergonha me acendia a fronte!
Così la madre al figlio par superba,
com’ella parve a me; perché d’amaro
sente il sapor de la pietade acerba.
Qual mãe, que o filho increpa em tom maguado,
Pareceu-me: porque se torna amara,
A piedade que pune, ao castigado.
Ella si tacque; e li angeli cantaro
di sùbito ’In te, Domine, speravi’;
ma oltre ’pedes meos’ non passaro.
Calou-se ela e dos anjos a voz clara
— “In te, Domine, speravi” — de repente
Entoa, mas em pedes meos pára.
Sì come neve tra le vive travi
per lo dosso d’Italia si congela,
soffiata e stretta da li venti schiavi,
Da terra italiana em serra ingente
Da esclavônia por ventos contraída
Entre as selvas congela a neve algente;
poi, liquefatta, in sé stessa trapela,
pur che la terra che perde ombra spiri,
sì che par foco fonder la candela;
Depois liquesce e corre derretida
Ao quente sopro, que do sul procede,
Como cera de flamas aquecida;
così fui sanza lagrime e sospiri
anzi ’l cantar di quei che notan sempre
dietro a le note de li etterni giri;
Tal o soçobro as lágrimas me impede
Antes de ouvir a angélica toada,
Que o hino dos eternos orbes mede.
ma poi che ’ntesi ne le dolci tempre
lor compartire a me, par che se detto
avesser: ’Donna, perché sì lo stempre?’,
Mas quando, em seus concentos expressada,
Compaixão vejo mais do que se houvessem
Dito: — “Senhora, por que és tanto irada?”,
lo gel che m’era intorno al cor ristretto,
spirito e acqua fessi, e con angoscia
de la bocca e de li occhi uscì del petto.
No peito meu os gelos se amolecem;
Dos lábios e dos olhos irrompendo,
Com lágrimas soluços aparecem.
Ella, pur ferma in su la detta coscia
del carro stando, a le sustanze pie
volse le sue parole così poscia:
Firme no carro, à destra se volvendo,
Ela aos pios espíritos dizia,
Do cântico às palavras respondendo:
“Voi vigilate ne l’etterno die,
sì che notte né sonno a voi non fura
passo che faccia il secol per sue vie;
— “Vigilantes estais no eterno dia;
Jamais por noite ou sono distraída,
Do tempo os passos vossa vista espia.
onde la mia risposta è con più cura
che m’intenda colui che di là piagne,
perché sia colpa e duol d’una misura.
“Minha resposta, pois, vai dirigida
Àquele, que ora ao pranto os olhos solta:
A culpa seja pela dor medida.
Non pur per ovra de le rote magne,
che drizzan ciascun seme ad alcun fine
secondo che le stelle son compagne,
“Dos céus, não pela ação, na imensa volta,
Que para um fim conduz cada semente,
Segundo os astros, que lhe vão na escolta,
ma per larghezza di grazie divine,
che sì alti vapori hanno a lor piova,
che nostre viste là non van vicine,
“Se não de graças por divina enchente,
Que chovem sobre nós dessa eminência,
A que se alar nem pode a nossa mente,
questi fu tal ne la sua vita nova
virtüalmente, ch’ogne abito destro
fatto averebbe in lui mirabil prova.
“Este homem foi na aurora da existência,
De tais dotes ornado, que pudera
Da virtude alcançar toda a excelência.
Ma tanto più maligno e più silvestro
si fa ’l terren col mal seme e non cólto,
quant’elli ha più di buon vigor terrestro.
“Se, porém, a incultura se apodera
Ou semente ruim do bom terreno,
Plantas mali’nas, peçonhentas gera.
Alcun tempo il sostenni col mio volto:
mostrando li occhi giovanetti a lui,
meco il menava in dritta parte vòlto.
“Conservou-se ante mim puro e sereno:
Meus olhos, em menina, o conduziram
Pelo caminho mais seguro e ameno.
Sì tosto come in su la soglia fui
di mia seconda etade e mutai vita,
questi si tolse a me, e diessi altrui.
“Tanto que umbrais à vista se me abriram
Da idade segunda e desta vida,
Deixou-me; outros enlevos o atraíram.
Quando di carne a spirto era salita,
e bellezza e virtù cresciuta m’era,
fu’ io a lui men cara e men gradita;
“Quando em espírito eu fora convertida
E beleza e virtude em mim crescera,
Em menos preço fui por ele havida.
e volse i passi suoi per via non vera,
imagini di ben seguendo false,
che nulla promession rendono intera.
“Por fraguras fugiu da estrada vera,
Em fingidas imagens enlevado,
De que jamais se alcança o que se espera.
Né l’impetrare ispirazion mi valse,
con le quali e in sogno e altrimenti
lo rivocai: sì poco a lui ne calse!
“Inspirações em vão hei-lhe impetrado
Em sonhos, em vigília o bem mostrando:
Cego, correu pelo caminho errado.
Tanto giù cadde, che tutti argomenti
a la salute sua eran già corti,
fuor che mostrarli le perdute genti.
“Já todo o esforço meu se malogrando,
Para salvá-lo do perigo eterno
Quis que baixasse ao reino miserando.
Per questo visitai l’uscio d’i morti,
e a colui che l’ ha qua sù condotto,
li preghi miei, piangendo, furon porti.
“Foi neste empenho que desci ao inferno,
E à sombra, que de guia lhe há servido,
Fiz o meu rogo lacrimoso eterno.
Alto fato di Dio sarebbe rotto,
se Letè si passasse e tal vivanda
fosse gustata sanza alcuno scotto
“O preceito de Deus fora infringido,
Se ele do Letes transcendesse as águas,
Se lhe fosse prová-las permitido,
di pentimento che lagrime spanda”.
Sem seu preço pagar em pranto e mágoas.” —
Canto XXXI
Canto XXXI, ove si tratta sì come Beatrice riprende l’auttore de le commesse colpe, e come la donna che avante li apparve il bagna.
Beatriz continua repreendendo a Dante, o qual confessa os seus pecados. Matilde o mergulha, então, no rio Letes. Depois as sete damas que participavam da procissão (as quatro virtudes cardiais e as três virtudes teologais) o levam até Beatriz, pedindo a ela que se desvele diante do seu fiel. Beatriz tira o véu.
“O tu che se’ di là dal fiume sacro”,
volgendo suo parlare a me per punta,
che pur per taglio m’era paruto acro,
“Ó tu que estás além da água sagrada”
— Prosseguiu Beatriz incontinênti,
A ponta a mim voltando dessa espada,
ricominciò, seguendo sanza cunta,
“dì, dì se questo è vero; a tanta accusa
tua confession conviene esser congiunta”.
Que de revés já fora assaz pungente —
“Diz se é verdade, diz! À culpa unida
Esteja a confissão do penitente.” —
Era la mia virtù tanto confusa,
che la voce si mosse, e pria si spense
che da li organi suoi fosse dischiusa.
Tanta a força mental foi confrangida,
Que a voz desfaleceu, se erguer tentando,
Expirou-me nas fauces inanida.
Poco sofferse; poi disse: “Che pense?
Rispondi a me; ché le memorie triste
in te non sono ancor da l’acqua offense”.
Esperou; disse após: — “Que estás pensando?
Responde: inda não tens nágua apagado
Lembranças do passado miserando?” —
Confusione e paura insieme miste
mi pinsero un tal “sì” fuor de la bocca,
al quale intender fuor mestier le viste.
No meu enleio, de temor travado,
Um tão confuso sim, trêmulo, expresso,
Que houve mister dos olhos ajudado.
Come balestro frange, quando scocca
da troppa tesa, la sua corda e l’arco,
e con men foga l’asta il segno tocca,
Como em besta entesada em grande excesso,
Quebrando-se arco e corda, parte a seta
E no alvo dá sem força do arremesso,
sì scoppia’ io sottesso grave carco,
fuori sgorgando lagrime e sospiri,
e la voce allentò per lo suo varco.
Stando minha alma em tanto extremo inquieta
E em suspiros e lágrimas rompendo,
Perdeu a voz o som, que a língua enceta.
Ond’ella a me: “Per entro i mie’ disiri,
che ti menavano ad amar lo bene
di là dal qual non è a che s’aspiri,
— “Se ao meu querer” — prossegue — “obedecendo
Tinhas fanal, que ao bem te conduzisse,
De anelos teus a mira ser devendo,
quai fossi attraversati o quai catene
trovasti, per che del passare innanzi
dovessiti così spogliar la spene?
“Onde o poder de estorvos, que impedisse
Teus passos? Quais grilhões que os retivessem
Na vereda, que avante ir permitisse?
E quali agevolezze o quali avanzi
ne la fronte de li altri si mostraro,
per che dovessi lor passeggiare anzi?”.
“Houve encantos, que a outros te prendessem,
E delícias, que tanto te atraíram,
Que a tua alma enlear assim pudessem?” —
Dopo la tratta d’un sospiro amaro,
a pena ebbi la voce che rispuose,
e le labbra a fatica la formaro.
Do peito agros suspiros me saíram;
Para falar-lhe apenas tive alento,
E a voz a custo os lábios exprimiram.
Piangendo dissi: “Le presenti cose
col falso lor piacer volser miei passi,
tosto che ’l vostro viso si nascose”.
Tornei chorando: — “O engano, o fingimento
Ao terreno prazer me hão transviado,
Em vos nublando a face o passamento.” —
Ed ella: “Se tacessi o se negassi
ciò che confessi, non fora men nota
la colpa tua: da tal giudice sassi!
— “Se ocultaras” — falou-me — “o teu pecado,
A graveza da culpa ao claro vira
Aquele, por quem deves ser julgado.
Ma quando scoppia de la propria gota
l’accusa del peccato, in nostra corte
rivolge sé contra ’l taglio la rota.
“Mas se o réu, confessando, tem na mira
O pesar do mau feito, em nossa corte
Contra o fio da espada a mó se vira.
Tuttavia, perché mo vergogna porte
del tuo errore, e perché altra volta,
udendo le serene, sie più forte,
“Entanto, por que seja em ti mais forte
De errar o pejo e, no porvir ouvindo
Sereias, não procedas de igual sorte,
pon giù il seme del piangere e ascolta:
sì udirai come in contraria parte
mover dovieti mia carne sepolta.
“Escuta-me, os teus prantos consumindo:
Verás que, inda sepulta, eu te guiara,
Pela contrária rota conduzindo.
Mai non t’appresentò natura o arte
piacer, quanto le belle membra in ch’io
rinchiusa fui, e che so’ ’n terra sparte;
“Jamais arte ou natura te mostrara
Enlevo, quanto a rara formosura
Do corpo, em pó tornado, em que eu morara.
e se ’l sommo piacer sì ti fallio
per la mia morte, qual cosa mortale
dovea poi trarre te nel suo disio?
“Se comigo baixara à sepultura
Teu supremo prazer, como arrastar-te
Pôde, após si, mortal delícia impura?
Ben ti dovevi, per lo primo strale
de le cose fallaci, levar suso
di retro a me che non era più tale.
“Enganos tais sentindo saltear-te,
Aos céus alçando a mente deverias
Té minha eternidade sublimar-te,
Non ti dovea gravar le penne in giuso,
ad aspettar più colpo, o pargoletta
o altra vanità con sì breve uso.
“E não baixar do vôo, em que subias
Te expondo a novos tiros, atraída
Por jovem, por vaidades fugidias.
Novo augelletto due o tre aspetta;
ma dinanzi da li occhi d’i pennuti
rete si spiega indarno o si saetta”.
“Será duas, três vezes iludida
Ave inexperta; mas a seta, o laço
Pássaro velho esquiva, apercebido.” —
Quali fanciulli, vergognando, muti
con li occhi a terra stannosi, ascoltando
e sé riconoscendo e ripentuti,
Qual menino, que a mãe por largo espaço
Increpa; e, baixa a fronte, envergonhado
Reconhece em silêncio o errado passo,
tal mi stav’io; ed ella disse: “Quando
per udir se’ dolente, alza la barba,
e prenderai più doglia riguardando”.
Tal me achava. — “De ouvir se estás magoado.
Levanta a barba!” — ainda prosseguia —
“Olhando-me, hás de ser mais castigado!” —
Con men di resistenza si dibarba
robusto cerro, o vero al nostral vento
o vero a quel de la terra di Iarba,
Com menos resistência abateria
De Europa o vendaval carvalho altivo
Ou da terra, que a Jarba obedecia,
ch’io non levai al suo comando il mento;
e quando per la barba il viso chiese,
ben conobbi il velen de l’argomento.
Do que eu alcei o rosto pensativo;
Quando ela disse barba e não semblante
A malícia notei e o seu motivo.
E come la mia faccia si distese,
posarsi quelle prime creature
da loro aspersïon l’occhio comprese;
Olhos erguendo alfim, do mesmo instante
Aos ares vi que flores não lançava
A falange dos anjos radiante.
e le mie luci, ancor poco sicure,
vider Beatrice volta in su la fiera
ch’è sola una persona in due nature.
Tímida a vista a Beatriz achava
Voltada ao Grifo, que uma só pessoa
Em naturezas duas encerrava.
Sotto ’l suo velo e oltre la rivera
vincer pariemi più sé stessa antica,
vincer che l’altre qui, quand’ella c’era.
Além do rio sob o véu e a c’roa
Tanto excede a beleza sua antiga
Quanto em vida as que mais fama apregoa.
Di penter sì mi punse ivi l’ortica,
che di tutte altre cose qual mi torse
più nel suo amor, più mi si fé nemica.
E do pesar pungiu-me tanto a urtiga,
Que das cousas, que mais na terra amara
A mais cara odiei como inimiga.
Tanta riconoscenza il cor mi morse,
ch’io caddi vinto; e quale allora femmi,
salsi colei che la cagion mi porse.
Remorso tal a mente me assaltara,
Que vencido tombei: qual fiquei sendo
Sabe quem dor tão viva motivara.
Poi, quando il cor virtù di fuor rendemmi,
la donna ch’io avea trovata sola
sopra me vidi, e dicea: “Tiemmi, tiemmi!”.
Ao coração a força me volvendo
Notei a dama, que primeiro eu vira
Ao lado meu, — “Abraçai-me!” — dizendo.
Tratto m’avea nel fiume infin la gola,
e tirandosi me dietro sen giva
sovresso l’acqua lieve come scola.
Té ao colo no rio me imergira;
E correndo, qual leve lançadeira,
Das águas sobre a tona a si me tira.
Quando fui presso a la beata riva,
’Asperges me’ sì dolcemente udissi,
che nol so rimembrar, non ch’io lo scriva.
Já próximo à beatífica ribeira,
Ouvi Asperges me tão docemente,
Que o não descrevo ou lembro, inda que o queira.
La bella donna ne le braccia aprissi;
abbracciommi la testa e mi sommerse
ove convenne ch’io l’acqua inghiottissi.
Matilde, abrindo os braços de repente,
Cingiu-me a fronte e súbito afundou-me;
Era dessa água haurir conveniente.
Indi mi tolse, e bagnato m’offerse
dentro a la danza de le quattro belle;
e ciascuna del braccio mi coperse.
Assim purificado, ela guiou-me
Das damas quatro para a dança bela,
E cada uma nos braços estreitou-me.
“Noi siam qui ninfe e nel ciel siamo stelle;
pria che Beatrice discendesse al mondo,
fummo ordinate a lei per sue ancelle.
— “Cada qual, ninfa aqui, nos céus estrela,
Antes que Beatriz descesse ao mundo,
Servas de ordem suprema somos dela.
Merrenti a li occhi suoi; ma nel giocondo
lume ch’è dentro aguzzeranno i tuoi
le tre di là, che miran più profondo”.
“Os seus olhos verás; mas no jucundo
Lume interno hás de ter vista aguçada
Pelas três cujo olhar é mais profundo.” —
Così cantando cominciaro; e poi
al petto del grifon seco menarmi,
ove Beatrice stava volta a noi.
Modulando na angélica toada,
Ante o Grifo consigo me levaram:
Lá Beatriz para nós era voltada.
Disser: “Fa che le viste non risparmi;
posto t’avem dinanzi a li smeraldi
ond’Amor già ti trasse le sue armi”.
— “Em contemplar sacia-te!” — falaram —
“As esmeraldas que ora tens presentes,
Donde os farpões de amor te vulneraram.” —
Mille disiri più che fiamma caldi
strinsermi li occhi a li occhi rilucenti,
che pur sopra ’l grifone stavan saldi.
Mais que a flama desejos mil ardentes
Prenderam olhos meus aos seus formosos,
Na adoração do Grifo persistentes.
Come in lo specchio il sol, non altrimenti
la doppia fiera dentro vi raggiava,
or con altri, or con altri reggimenti.
Qual sol no espelho, nesses luminosos
Astros o Grifo se alternando, eu via
Seres dois refletir misteriosos:
Pensa, lettor, s’io mi maravigliava,
quando vedea la cosa in sé star queta,
e ne l’idolo suo si trasmutava.
Meu espanto, ó leitor, qual não seria
Vendo o objeto na imagem transmutado,
Quando constante em si permanecia?
Mentre che piena di stupore e lieta
l’anima mia gustava di quel cibo
che, saziando di sé, di sé asseta,
Enquanto eu de prazer e pasmo entrado,
Esse doce manjar stava gozando,
Que sacia mas sempre é desejado,
sé dimostrando di più alto tribo
ne li atti, l’altre tre si fero avanti,
danzando al loro angelico caribo.
De ordem mais alta ser manifestando
Pelo meneio, as três se adiantaram,
Por angélico estilo modulando.
“Volgi, Beatrice, volgi li occhi santi”,
era la sua canzone, “al tuo fedele
che, per vederti, ha mossi passi tanti!
“Os olhos santos, Beatriz” — cantaram —
“Oh! volve ao servo teu leal constante
A quem por ver-te os passos não custaram.
Per grazia fa noi grazia che disvele
a lui la bocca tua, sì che discerna
la seconda bellezza che tu cele”.
“Nos dá por grã mercê que o fido amante
Sem véu segunda formosura
Contemple nesse divinal semblante!” —
O isplendor di viva luce etterna,
chi palido si fece sotto l’ombra
sì di Parnaso, o bevve in sua cisterna,
Ó resplendor da luz eterna e pura!
Quem do Parnaso à sombra descorando
E da água sua haurindo alma doçura,
che non paresse aver la mente ingombra,
tentando a render te qual tu paresti
là dove armonizzando il ciel t’adombra,
Aturdido não fora, se arrojando
A tentar descrever qual te mostraste,
Quando o céu de harmonias te cercando,
quando ne l’aere aperto ti solvesti?
Ao ar patente a face revelaste?
Canto XXXII
Canto XXXII, dove si tratta come Beatrice comandò a l’auttore che scrivesse li miracoli che vide in quel luogo, e come elli con le donne seguio il carro, e l’aguglia percosse il carro, e una volpe sen fuggio, e de la puttana e del gigante.
Dante olha com amor a Beatriz. No entanto o carro, seguido pela procissão dos bem-aventurados, se move em direção a um árvore elevadíssima e despida de folhagem.
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