Un poco attese, e poi “Da ch’el si tace”,

disse ’l poeta a me, “non perder l’ora;

ma parla, e chiedi a lui, se più ti piace”.

O vate inda esperou. — “Pois se há calado”. —

Disse-me “fala, se tu mais desejas

E pede-lhe: do tempo és apressado”. —

Ond’ïo a lui: “Domandal tu ancora

di quel che credi ch’a me satisfaccia;

ch’i’ non potrei, tanta pietà m’accora”.

Tornei: “Tu mesmo inquires quanto vejas

Mais convir-me; que eu sinto-me inibido

Por mágoas, que em minha alma são sobejas”.

Perciò ricominciò: “Se l’om ti faccia

liberamente ciò che ’l tuo dir priega,

spirito incarcerato, ancor ti piaccia

Ele então: “— Se o desejo teu cumprido

For por este homem, nobremente usando,

Te apraza, encarcerada alma, ao pedido

di dirne come l’anima si lega

in questi nocchi; e dinne, se tu puoi,

s’alcuna mai di tai membra si spiega”.

“Nosso atender, e como nos mostrando

Se liga ao tronco o esp’rito e se é factível

Soltar-se um dia, o vínculo quebrando”. —

Allor soffiò il tronco forte, e poi

si convertì quel vento in cotal voce:

“Brievemente sarà risposto a voi.

Soprou de rijo o lenho; e perceptível

Aquele som desta arte nos dizia:

— “Resposta breve dou quanto é possível.

Quando si parte l’anima feroce

dal corpo ond’ella stessa s’è disvelta,

Minòs la manda a la settima foce.

“Quando os laços do corpo uma alma ímpia

Destrói por si, do seu furor no enleio

Ao círc’lo sete Minos logo a envia.

Cade in la selva, e non l’è parte scelta;

ma là dove fortuna la balestra,

quivi germoglia come gran di spelta.

“Na selva tomba e aonde acaso veio,

E como o seu destino lhe consente,

Aí, qual grão germina de centeio,

Surge in vermena e in pianta silvestra:

l’Arpie, pascendo poi de le sue foglie,

fanno dolore, e al dolor fenestra.

“Vai crescendo até ser árvore ingente:

As Hárpias, que a fronde lhe devoram,

Causam-lhe dor, que rompe em voz plangente.

Come l’altre verrem per nostre spoglie,

ma non però ch’alcuna sen rivesta,

ché non è giusto aver ciò ch’om si toglie.

“Hemos de ir onde os corpos nossos moram,

Como as outras, mas sem que os revistamos,

Mor pena aos que em perdê-los prestes foram.

Qui le strascineremo, e per la mesta

selva saranno i nostri corpi appesi,

ciascuno al prun de l’ombra sua molesta”.

“Arrastados serão por nós: aos ramos

Pendentes ficarão nesta floresta

Nos troncos, em que, assim, vedes, penamos”. —

Noi eravamo ancora al tronco attesi,

credendo ch’altro ne volesse dire,

quando noi fummo d’un romor sorpresi,

Ouvíamos ainda a sombra mesta,

De mais dizer cuidando houvesse o intento.

Eis sentimos rumor, que nos molesta.

similemente a colui che venire

sente ’l porco e la caccia a la sua posta,

ch’ode le bestie, e le frasche stormire.

Assim monteiro, à caça pouco atento,

Do javardo e dos cães ouve o estrupido

E das ramadas o estalar violento.

Ed ecco due da la sinistra costa,

nudi e graffiati, fuggendo sì forte,

che de la selva rompieno ogne rosta.

Súbito vejo à esquerda, espavorido,

Fugindo esp’ritos dois nus, lacerados,

Ramos rompendo ao bosque denegrido.

Quel dinanzi: “Or accorri, accorri, morte!”.

E l’altro, cui pareva tardar troppo,

gridava: “Lano, sì non furo accorte

“Ó morte!” um clama[2] — “acode aos desgraçados!”

O segundo[3], que tardo se julgava:

“Ninguém, ó Lano, os pés tanto apressados

le gambe tue a le giostre dal Toppo!”.

E poi che forse li fallia la lena,

di sé e d’un cespuglio fece un groppo.

“De Toppo nas refregas te observava!”

Porém, de todo já perdido o alento,

Numa sarça acolheu-se que ali stava.

Di rietro a loro era la selva piena

di nere cagne, bramose e correnti

come veltri ch’uscisser di catena.

Corria, enchendo a selva, em seguimento

De famintas cadelas negro bando,

Quais alões da cadeia ao todo isento

In quel che s’appiattò miser li denti,

e quel dilaceraro a brano a brano;

poi sen portar quelle membra dolenti.

A sombra homiziada se enviando,

A fez pedaços a matilha brava,

E logo após levou-os ululando.

Presemi allor la mia scorta per mano,

e menommi al cespuglio che piangea

per le rotture sanguinenti in vano.

Então meu Guia pela mão me trava,

Conduz-me à sarça, que se em vão carpia

Pelas roturas, que o seu sangue lava.

“O Iacopo”, dicea, “da Santo Andrea,

che t’è giovato di me fare schermo?

che colpa ho io de la tua vita rea?”.

“Ó Jacó Santo André!” triste dizia —

“Podia eu ser-te acaso amparo certo?

Em mim por crimes teus que culpa havia?” —

Quando ’l maestro fu sovr’esso fermo,

disse: “Chi fosti, che per tante punte

soffi con sangue doloroso sermo?”.

Disse-lhe o Mestre, quando foi mais perto:

“Quem és tu, que o teu sangue e mágoas exalas

Por golpes tantos, de que estás coberto?” —

Ed elli a noi: “O anime che giunte

siete a veder lo strazio disonesto

c’ ha le mie fronde sì da me disgiunte,

Tornou-lhe: “Ó alma que dessa arte falas

E tu que o dano vês, que me separa,

Da fronde minha, agora amontoá-las

raccoglietele al piè del tristo cesto.

I’ fui de la città che nel Batista

mutò ’l primo padrone; ond’ei per questo

“Dignai-vos junto à rama, que as brotara.

Na cidade nasci que por Batista[4]

Deixou prisco patrão, que da arte amara

sempre con l’arte sua la farà trista;

e se non fosse che ’n sul passo d’Arno

rimane ancor di lui alcuna vista,

“Sempre pelos efeitos a contrista.

E se do Arno na ponte não restasse

Um vestígio, que traz seu culto à vista

que’ cittadin che poi la rifondarno

sovra ’l cener che d’Attila rimase,

avrebber fatto lavorare indarno.

“Talvez ela à existência não tornasse,

E quem das cinzas, que Átila há deixado,

Levantou-a os esforços malograsse.

Io fei gibetto a me de le mie case”.

“Na minha própria casa hei-me enforcado”. —

Canto XIV

Canto XIV, ove tratta de la qualità del terzo girone, contento nel settimo circulo; e quivi si puniscono coloro che fanno forza ne la deitade, negando e bestemmiando quella; e nomina qui spezialmente il re Capaneo scelleratissimo in questo preditto peccato.

O terceiro compartimento no qual agora chegam os Poetas é um campo de areia ardente, devastado por grandes chamas de fogo. Aí estão os violentos contra Deus, contra a natureza e contra a arte. Entre os primeiros está Capaneo, que desafia a Deus. Seguindo, Dante e Virgílio chegam a um regato sangüíneo. Deste e dos outros rios do Inferno Virgílio narra a origem misteriosa.

Poi che la carità del natio loco

mi strinse, raunai le fronde sparte

e rende’ le a colui, ch’era già fioco.

DE amor do pátrio ninho comovido,

Essas dispersas folhas reunindo,

À sarça as dei, que tinha a voz perdido.

Indi venimmo al fine ove si parte

lo secondo giron dal terzo, e dove

si vede di giustizia orribil arte.

Ao limite, dali, fomos seguindo,

Em que parte o recinto co’ terceiro,

Onde a justiça horrível stá punindo.

A ben manifestar le cose nove,

dico che arrivammo ad una landa

che dal suo letto ogne pianta rimove.

Para expressar-lhe o aspecto verdadeiro,

Eu digo que à charneca então chegamos,

De plantas nua em seu espaço inteiro.

La dolorosa selva l’è ghirlanda

intorno, come ’l fosso tristo ad essa;

quivi fermammo i passi a randa a randa.

Da dor a selva a cerca dos seus ramos,

Como o fosso a torneia sanguinoso:

Ali, rente co’a borda, os pés firmamos.

Lo spazzo era una rena arida e spessa,

non d’altra foggia fatta che colei

che fu da’ piè di Caton già soppressa.

O plaino era tão árido e arenoso,

Como o que de Catão os pés outrora

Na jornada calcaram fadigoso.

O vendetta di Dio, quanto tu dei

esser temuta da ciascun che legge

ciò che fu manifesto a li occhi mei!

Ó vingança de Deus, quem não te adora

Nos tremendos efeitos meditando,

Que eu próprio olhei, que a minha voz memora!

D’anime nude vidi molte gregge

che piangean tutte assai miseramente,

e parea posta lor diversa legge.

De almas nuas eu via infindo bando,

Por modos diferentes torturadas,

Miseráveis, mesquinhas pranteando.

Supin giacea in terra alcuna gente,

alcuna si sedea tutta raccolta,

e altra andava continüamente.

Jaziam sobre o dorso umas deitadas,

Outras, dobrando os membros, se assentavam,

Muitas andavam sempre aceleradas.

Quella che giva ’ntorno era più molta,

e quella men che giacëa al tormento,

ma più al duolo avea la lingua sciolta.

Maior a turba destas se mostrava,

Menor a que, prostrada no tormento.

Maior dor nos lamentos denotava.

Sovra tutto ’l sabbion, d’un cader lento,

piovean di foco dilatate falde,

come di neve in alpe sanza vento.

Largas flamas com tardo movimento

Choviam do areal em todo o espaço,

Qual neve em serra, quando é mudo o vento.

Quali Alessandro in quelle parti calde

d’Indïa vide sopra ’l süo stuolo

fiamme cadere infino a terra salde,

Na Índia sobre o exército, já lasso,

Fogos cair viu Alexandre[1] outrora,

No chão ardendo livres de embaraço.

per ch’ei provide a scalpitar lo suolo

con le sue schiere, acciò che lo vapore

mei si stingueva mentre ch’era solo:

Que aos pés no solo os calquem sem demora

Suas falanges avisado ordena:

Matá-los um por um fácil lhes fora.

tale scendeva l’etternale ardore;

onde la rena s’accendea, com’esca

sotto focile, a doppiar lo dolore.

Assim baixava, para agravo à pena,

Lume eterno que à areia se prendia,

Como à isca a fagulha mais pequena.

Sanza riposo mai era la tresca

de le misere mani, or quindi or quinci

escotendo da sé l’arsura fresca.

Cada qual sem repouso se estorcia,

A um lado e a outro os braços revolvendo

A cada chama, que do ar chovia.

I’ cominciai: “Maestro, tu che vinci

tutte le cose, fuor che ’ demon duri

ch’a l’intrar de la porta incontra uscinci,

“Mestre” — falei — “que vais tudo vencendo,

Somente exceto a legião furente,

Que em Dite a entrada estava-nos tolhendo,

chi è quel grande che non par che curi

lo ’ncendio e giace dispettoso e torto,

sì che la pioggia non par che ’l marturi?”.

“Diz quem seja a grã sombra, que não sente,

Ao parecer, o incêndio, e não domado

Pela chuva, já rápido, insolente?” —

E quel medesmo, che si fu accorto

ch’io domandava il mio duca di lui,

gridò: “Qual io fui vivo, tal son morto.

Reconhecendo o próprio condenado

Que da minha pergunta fora objeto,

“Morto sou qual fui vivo!” clama irado.

Se Giove stanchi ’l suo fabbro da cui

crucciato prese la folgore aguta

onde l’ultimo dì percosso fui;

“Que Jove canse o armeiro seu dileto,

De quem tomou fremente o agudo raio

Para em mim saciar rancor abjeto;

o s’elli stanchi li altri a muta a muta

in Mongibello a la focina negra,

chiamando “Buon Vulcano, aiuta, aiuta!”,

“Que os seus cíclopes[2] sintam já desmaio

De Mongibello[3] na oficina negra,

Aos gritos — “Bom Vulcano, acode ou caio!” —

sì com’el fece a la pugna di Flegra,

e me saetti con tutta sua forza:

non ne potrebbe aver vendetta allegra”.

“Como fez na peleja lá de Flegra;

Que me fulmine de ódio e sanha cheio:

No gozo da vingança em vão se alegra”. —

Allora il duca mio parlò di forza

tanto, ch’i’ non l’avea sì forte udito:

“O Capaneo, in ciò che non s’ammorza

Virgílio então, com voz, como não creio

Lhe ter ouvido, sonorosa e forte,

Bradou-lhe: “Capaneu[4], pois no teu seio

la tua superbia, se’ tu più punito;

nullo martiro, fuor che la tua rabbia,

sarebbe al tuo furor dolor compito”.

“Não mitiga a soberda a própria morte,

Sofre mor pena; igual não há castigo

Ao que a raiva te inflige desta sorte!” —

Poi si rivolse a me con miglior labbia,

dicendo: “Quei fu l’un d’i sette regi

ch’assiser Tebe; ed ebbe e par ch’elli abbia

Para mim se voltou; com gesto amigo

Falou: — “Dos Reis que Tebas sitiaram

Foi um; de Deus se declarara imigo.

Dio in disdegno, e poco par che ’l pregi;

ma, com’io dissi lui, li suoi dispetti

sono al suo petto assai debiti fregi.

“Os crimes seus no inferno se agravaram;

Já disse-lhe, as blasfêmias, os furores

Digno prêmio em seu peito lhe deparam.

Or mi vien dietro, e guarda che non metti,

ancor, li piedi ne la rena arsiccia;

ma sempre al bosco tien li piedi stretti”.

“Vem agora após mim; pelos fervores

Não caminhes da areia incandescente;

Da selva ao longo evitas-lhe os ardores”. —

Tacendo divenimmo là ’ve spiccia

fuor de la selva un picciol fiumicello,

lo cui rossore ancor mi raccapriccia.

Fomos andando, cada qual silente,

Até onde jorrar do bosque eu via

Rubro arroio, que lembro inda tremente.

Quale del Bulicame esce ruscello

che parton poi tra lor le peccatrici,

tal per la rena giù sen giva quello.

Do Bulicame[5] qual o que saía,

Das pecadoras em serviço usado:

Tal pela adusta areia este corria.

Lo fondo suo e ambo le pendici

fatt’era ’n pietra, e ’ margini dallato;

per ch’io m’accorsi che ’l passo era lici.

As margens e orlas são de cada lado

Feitas de pedra e assim também seu leito:

Caminho ali notei ao passo azado.

“Tra tutto l’altro ch’i’ t’ ho dimostrato,

poscia che noi intrammo per la porta

lo cui sogliare a nessuno è negato,

“De quanto aqui te conhecer hei feito,

Depois que atrás deixamos essa porta,

A cujo ingresso todos têm direito,

cosa non fu da li tuoi occhi scorta

notabile com’è ’l presente rio,

che sovra sé tutte fiammelle ammorta”.

“Não se há mostrado à tua vista absorta

Maravilha que iguale a desta veia,

Em que a flama adurente fica morta”. —

Queste parole fuor del duca mio;

per ch’io ’l pregai che mi largisse ’l pasto

di cui largito m’avëa il disio.

O Mestre diz e assim desejo ateia

De rogar-lhe me preste esse alimento,

Que excitado, o apetite haver anseia.

“In mezzo mar siede un paese guasto”,

diss’elli allora, “che s’appella Creta,

sotto ’l cui rege fu già ’l mondo casto.

“Do mar em meio jaz” — ouvi-lhe atento —

“Destruído país, Creta afamada.

Com seu rei foi do mal o mundo isento.

Una montagna v’è che già fu lieta

d’acqua e di fronde, che si chiamò Ida;

or è diserta come cosa vieta.

“Alça-se ali montanha outrora ornada

De fontes e verdor: chama-se Ida:

Erma está, como cousa desprezada.

Rëa la scelse già per cuna fida

del suo figliuolo, e per celarlo meglio,

quando piangea, vi facea far le grida.

“Foi ao filho pra berço preferida

De Réia[6], que abafava o seu vagido

Fazer mandando grita desmedida.

Dentro dal monte sta dritto un gran veglio,

che tien volte le spalle inver’ Dammiata

e Roma guarda come süo speglio.

“Nas entranhas do monte um velho[7] erguido

Está: voltando à Damieta as costas,

Como a espelho, olha Roma embevecido.

La sua testa è di fin oro formata,

e puro argento son le braccia e ’l petto,

poi è di rame infino a la forcata;

“De ouro faces e fronte são compostas,

De pura prata são braços e peito,

Enéias do busto as partes bem dispostas.

da indi in giuso è tutto ferro eletto,

salvo che ’l destro piede è terra cotta;

e sta ’n su quel, più che ’n su l’altro, eretto.

“De ferro estreme tudo o mais foi feito,

O pé direito exceto, que é de argila,

Mas o corpo sustém, sendo imperfeito.

Ciascuna parte, fuor che l’oro, è rotta

d’una fessura che lagrime goccia,

le quali, accolte, fóran quella grotta.

“Salvo do ouro, do mais sempre destila

De lágrimas por fenda crebro fio,

Que fura a gruta e rápido desfila.

Lor corso in questa valle si diroccia;

fanno Acheronte, Stige e Flegetonta;

poi sen van giù per questa stretta doccia,

“Aos negros vales vem correndo em rio,

Forma Stige, Aqueronte e Flegetonte,

Desce depois neste canal esguio

infin, là ove più non si dismonta,

fanno Cocito; e qual sia quello stagno

tu lo vedrai, però qui non si conta”.

“Até do inferno o fundo, aonde é fonte

Do Cocito. O que o rio acaso seja

Verás: mister não é que ora te conte”. —

E io a lui: “Se ’l presente rigagno

si diriva così dal nostro mondo,

perché ci appar pur a questo vivagno?”.

— “Se desde o nosso mundo ele serpeja,

Dize, ó Mestre, a razão por que a torrente

Só neste abismo lôbrego se veja”. —

Ed elli a me: “Tu sai che ’l loco è tondo;

e tutto che tu sie venuto molto,

pur a sinistra, giù calando al fondo,

“É circular este lugar horrente,

E posto haja vencido extenso trato,

Descendo tu à esquerda, inteiramente

non se’ ancor per tutto ’l cerchio vòlto;

per che, se cosa n’apparisce nova,

non de’ addur maraviglia al tuo volto”.

“Não hás feito inda ao círc’lo o giro exato.

Não revele o teu rosto maravilha.

Novas cousas em vendo e estranho fato”. —

E io ancor: “Maestro, ove si trova

Flegetonta e Letè? ché de l’un taci,

e l’altro di’ che si fa d’esta piova”.

Ainda eu perguntei: — “Por onde trilha

O Flegetonte e o Letes? De um te calas,

E do outro a veia é dessa origem filha”. —

“In tutte tue question certo mi piaci”,

rispuose, “ma ’l bollor de l’acqua rossa

dovea ben solver l’una che tu faci.

Tornou: — “Muito me agrada quanto falas;

Da água rubra o fervor, porém, solvera

Uma dessas questões, que me assinalas.

Letè vedrai, ma fuor di questa fossa,

là dove vanno l’anime a lavarsi

quando la colpa pentuta è rimossa”.

“Do inferno fora o Letes ver espera:

Na linfa sua as almas vão lavar-se

Depois que a penitência o perdão gera”. —

Poi disse: “Omai è tempo da scostarsi

dal bosco; fa che di retro a me vegne:

li margini fan via, che non son arsi,

Disse depois: “É tempo de deixar-se

A selva; os passos meus sempre acompanha,

Pela margem caminho há para andar-se.

e sopra loro ogne vapor si spegne”.

Do fogo ali se extingue toda sanha”. —

Canto XV

Canto XV, ove tratta di quello medesimo girone e di quello medesimo cerchio; e qui sono puniti coloro che fanno forza ne la deitade, spregiando natura e sua bontade, sì come sono li soddomiti.

Prosseguindo os Poetas, encontram um grupo de violentos contra a natureza. Entre estes está Brunetto Latini, que reconhece o discípulo e lhe pede para aproximar-se dele, a fim de conversarem. Falam de Florença e das desventuras reservadas a Dante. Brunetto dá ao Poeta ligeiras notícias a respeito das almas que estão danadas com ele e foge para reunir-se a elas.

Ora cen porta l’un de’ duri margini;

e ’l fummo del ruscel di sopra aduggia,

sì che dal foco salva l’acqua e li argini.

POR uma dessas margens empedradas

Imos: vapor do rio resguardava

Das chamas o álveo e as bordas elevadas.

Quali Fiamminghi tra Guizzante e Bruggia,

temendo ’l fiotto che ’nver’ lor s’avventa,

fanno lo schermo perché ’l mar si fuggia;

Como do mar temendo a força brava

De Bruge a Cadsand, Flamengos fazem

Os diques, com que o mal se desagrava;

e quali Padoan lungo la Brenta,

per difender lor ville e lor castelli,

anzi che Carentana il caldo senta:

Ou como o dano atalha, que lhe trazem

Do Brenta as invasões de Pádua a gente,

Se em Quiarentana os gelos se desfazem,

a tale imagine eran fatti quelli,

tutto che né sì alti né sì grossi,

qual che si fosse, lo maestro félli.

Assim as bordas desse rio horrente,

Posto altura e grossura lhes não desse

Iguais, quem quer que fosse artista ingente.

Già eravam da la selva rimossi

tanto, ch’i’ non avrei visto dov’era,

perch’io in dietro rivolto mi fossi,

A selva já distante de nós era

Tanto, que eu divisá-la não podia,

Quando os olhos por vê-la atrás volvera,

quando incontrammo d’anime una schiera

che venian lungo l’argine, e ciascuna

ci riguardava come suol da sera

Eis encontramos multidão sombria,

Que a margem costeava, nos olhando,

Como sói caminhante, ao fim do dia,

guardare uno altro sotto nuova luna;

e sì ver’ noi aguzzavan le ciglia

come ’l vecchio sartor fa ne la cruna.

Que vai, por lua nova, outro encarando:

Para nos ver os cílios contraindo,

Qual a agulha o artesano aparelhando.

Così adocchiato da cotal famiglia,

fui conosciuto da un, che mi prese

per lo lembo e gridò: “Qual maraviglia!”.

Assim, de mira à turba nós servindo,

Conhecido fui de um que me travava

Da roupa — “Ó maravilha!” — repetindo.

E io, quando ’l suo braccio a me distese,

ficcaï li occhi per lo cotto aspetto,

sì che ’l viso abbrusciato non difese

Quando o seu braço para mim se alçava,

Atentei-lhe no rosto requeimado;

Posto que demudado, não vedava

la conoscenza süa al mio ’ntelletto;

e chinando la mano a la sua faccia,

rispuosi: “Siete voi qui, ser Brunetto?”.

Que de mim fosse nas feições lembrado.

À sua face inclinando a mão, lhe digo,

— “Messer Brunetto[1]! vós aqui!” — torvado.

E quelli: “O figliuol mio, non ti dispiaccia

se Brunetto Latino un poco teco

ritorna ’n dietro e lascia andar la traccia”.

“Filho meu! complacente sê comigo!

Vir Brunetto Latini ora consente,

Deixando a turba, um pouco assim contigo!” —

I’ dissi lui: “Quanto posso, ven preco;

e se volete che con voi m’asseggia,

faròl, se piace a costui che vo seco”.

Tornei: — “muito vos rogo; e que me assente

Convosco se quereis, prazendo ao guia

Dos passos meus, assentirei contente”. —

“O figliuol”, disse, “qual di questa greggia

s’arresta punto, giace poi cent’anni

sanz’arrostarsi quando ’l foco il feggia.

— “Se um momento um de nós” — me respondia —

Aqui parasse, imóvel anos cento,

Pelo fogo ferido jazeria.

Però va oltre: i’ ti verrò a’ panni;

e poi rigiugnerò la mia masnada,

che va piangendo i suoi etterni danni”.

“Caminha: que eu te irei no seguimento.

Depois hei de juntar-me à companhia

Dos que pranteiam no eternal tormento”. —

Io non osava scender de la strada

per andar par di lui; ma ’l capo chino

tenea com’uom che reverente vada.

Eu da estrada a descer não me atrevia

Por ir com ele; mas a fronte inclino

Reverente; e, falando prosseguia.

El cominciò: “Qual fortuna o destino

anzi l’ultimo dì qua giù ti mena?

e chi è questi che mostra ’l cammino?”.

— “Que fortuna” — me disse — “ou que destino

Antes da morte aqui te há conduzido?

De quem recebes na jornada ensino?”

“Là sù di sopra, in la vita serena”,

rispuos’io lui, “mi smarri’ in una valle,

avanti che l’età mia fosse piena.

— “Antes de haver da idade o tempo enchido

Sobre a terra na vida sossegada;

Num vale” — respondi — “fiquei perdido.

Pur ier mattina le volsi le spalle:

questi m’apparve, tornand’ïo in quella,

e reducemi a ca per questo calle”.

“Ontem costas lhe dei por madrugada;

Ele acudiu-me, quando atrás voltava,

E me conduz assim por esta estrada”. —

Ed elli a me: “Se tu segui tua stella,

non puoi fallire a glorïoso porto,

se ben m’accorsi ne la vita bella;

— “Se bem vaticinei, quando gozava,

Da vida bela, glorioso porto

Te há de o teu astro conduzir” — tornava.

e s’io non fossi sì per tempo morto,

veggendo il cielo a te così benigno,

dato t’avrei a l’opera conforto.

“Se antes do tempo eu não stivesse morto.

Vendo que tanto o céu te era benigno,

Te dera nos trabalhos o conforto.

Ma quello ingrato popolo maligno

che discese di Fiesole ab antico,

e tiene ancor del monte e del macigno,

“Mas esse ingrato povo é tão maligno,

Que outrora de Fiesole[2] viera

E tem de penha o coração ferino,

ti si farà, per tuo ben far, nimico;

ed è ragion, ché tra li lazzi sorbi

si disconvien fruttare al dolce fico.

“Em ti, por seres bom, mal considera.

É justo: que entre acerbos sovereiros

Crescer doce figueira não se espera.

Vecchia fama nel mondo li chiama orbi;

gent’è avara, invidiosa e superba:

dai lor costumi fa che tu ti forbi.

“Velha fama os diz cegos, sempre useiros

Na soberba, na inveja, na avareza.

Deles te esquiva; em vícios são vezeiros.

La tua fortuna tanto onor ti serba,

che l’una parte e l’altra avranno fame

di te; ma lungi fia dal becco l’erba.

“Te guarda a sorte de honras tal grandeza,

Que hás de ser dos partidos cobiçado;

Mas das garras lhes fica longe a presa.

Faccian le bestie fiesolane strame

di lor medesme, e non tocchin la pianta,

s’alcuna surge ancora in lor letame,

“Ceve em si própria o fiesolano gado

Os instintos brutais; não toque a planta,

Que inda haja em tal nateiro germinado,

in cui riviva la sementa santa

di que’ Roman che vi rimaser quando

fu fatto il nido di malizia tanta”.

“E em que a semente ressuscite santa

Dos romanos, que ali restaram, quando

Teceu-se o ninho de malícia tanta”. —

“Se fosse tutto pieno il mio dimando”,

rispuos’io lui, “voi non sareste ancora

de l’umana natura posto in bando;

— “Se o céu” — tornei — “meus votos escutando,

Deferisse, da vida o lume agora

Ainda aos olhos vos raiara brando;

ché ’n la mente m’è fitta, e or m’accora,

la cara e buona imagine paterna

di voi quando nel mondo ad ora ad ora

“Que a doce imagem vossa inda memora

Saudosa a mente e o paternal desvelo

Com que me heis ensinado de hora em hora

m’insegnavate come l’uom s’etterna:

e quant’io l’abbia in grado, mentr’io vivo

convien che ne la mia lingua si scerna.

“Como homem faz-se eternamente belo.

Enquanto eu vivo for, agradecido

Ao mundo bem patente hei de fazê-lo.

Ciò che narrate di mio corso scrivo,

e serbolo a chiosar con altro testo

a donna che saprà, s’a lei arrivo.

“O vaticínio vosso, reunido

A outro, há de explicar-me sábia Dama,

Quando à sua presença houver subido.

Tanto vogl’io che vi sia manifesto,

pur che mia coscïenza non mi garra,

ch’a la Fortuna, come vuol, son presto.

“E como a consciência me não clama,

Sabei que, quando a sorte avessa esteja,

A todo o mal sou prestes, que ela trama.

Non è nuova a li orecchi miei tal arra:

però giri Fortuna la sua rota

come le piace, e ’l villan la sua marra”.

“O que ouvi não cuideis novo me seja:

Volva-se a roda como a sorte a lança,

Lavre a terra o vilão como deseja”. —

Lo mio maestro allora in su la gota

destra si volse in dietro e riguardommi;

poi disse: “Bene ascolta chi la nota”.

Então meu douto Mestre, que se avança,

Girando à destra e me encarando, disse:

“Bem compreende quem tem boa lembrança!” —

Né per tanto di men parlando vommi

con ser Brunetto, e dimando chi sono

li suoi compagni più noti e più sommi.

Não me vedou, porém, que eu prosseguisse

Na prática; e a Brunetto os mais famosos

Pedi que dos seus sócios referisse.

Ed elli a me: “Saper d’alcuno è buono;

de li altri fia laudabile tacerci,

ché ’l tempo saria corto a tanto suono.

— “Alguns convém saber, mais numerosos

Em silêncio deixar louvável sendo:

Míngua o tempo aos discursos copiosos.

In somma sappi che tutti fur cherci

e litterati grandi e di gran fama,

d’un peccato medesmo al mondo lerci.

“Sabe, em suma, que clérigos havendo

Todos sido e letrados mui famosos.

Se mancharam num só pecado horrendo.

Priscian sen va con quella turba grama,

e Francesco d’Accorso anche; e vedervi,

s’avessi avuto di tal tigna brama,

“Vão na turba daqueles desditosos

Acúrio e Prisciano[3]; alguns protervos

Se ver quiseres, por tal lepra ascosos.

colui potei che dal servo de’ servi

fu trasmutato d’Arno in Bacchiglione,

dove lasciò li mal protesi nervi.

“Olha o que[4], como quis servo dos servos,

Pra Bacchiglione foi do Arno mudado

E ali deixou seus deformados nervos.

Di più direi; ma ’l venire e ’l sermone

più lungo esser non può, però ch’i’ veggio

là surger nuovo fummo del sabbione.

“Não mais dizer, nem ir posso ao teu lado,

Pois do areal já vejo de repente

Vapor novo surgir afogueado.

Gente vien con la quale esser non deggio.

Sieti raccomandato il mio Tesoro,

nel qual io vivo ancora, e più non cheggio”.

“Não devo andar com bando diferente.

O meu Tesouro eu muito te encomendo:

Nele inda vivo, e rogo isto somente”. —

Poi si rivolse, e parve di coloro

che corrono a Verona il drappo verde

per la campagna; e parve di costoro

Voltou-se; e foi tão rápido correndo,

Como os que correm pelo pálio verde

No campo de Verona, parecendo

quelli che vince, non colui che perde.

Mais ser quem vence do que ser quem perde.

Canto XVI

Canto XVI, ove tratta di quello medesimo girone e di quello medesimo cerchio e di quello medesimo peccato.

Perto do limite do terceiro compartimento do sétimo círculo os Poetas encontram outro bando de almas de sodomitas, no qual se destacam três ilustres compatriotas de Dante.