Entre eles Dante reconhece Vanni Fucci, o qual por desafogar o despeito de ser colhido em tal vergonha e miséria, prediz-lhe a derrota dos Brancos.
In quella parte del giovanetto anno
che ’l sole i crin sotto l’Aquario tempra
e già le notti al mezzo dì sen vanno,
Naquela parte do ano incipiente,
Em que as comas do sol se fortalecem
No Aquário, e a noite iguala o dia ausente,
quando la brina in su la terra assempra
l’imagine di sua sorella bianca,
ma poco dura a la sua penna tempra,
Quando as geadas matinais parecem
Da alva irmã figurar a imagem pura,
Mas tais feições em breve se esvaecem.
lo villanello a cui la roba manca,
si leva, e guarda, e vede la campagna
biancheggiar tutta; ond’ei si batte l’anca,
Campino, que a indigência já tortura,
Ergue-se, e vendo o prado embranquecido.
No coração calar sente a amargura.
ritorna in casa, e qua e là si lagna,
come ’l tapin che non sa che si faccia;
poi riede, e la speranza ringavagna,
Torna ao tugúrio e carpe-se abatido,
Como quem toda a esp’rança já perdera;
Mas vendo em breve o campo estar despido
veggendo ’l mondo aver cangiata faccia
in poco d’ora, e prende suo vincastro
e fuor le pecorelle a pascer caccia.
Do triste manto, o alento recupera.
Revigorado então, corre ao cajado
E as ovelhas ao pascigo acelera.
Così mi fece sbigottir lo mastro
quand’io li vidi sì turbar la fronte,
e così tosto al mal giunse lo ’mpiastro;
De temor me senti, dessa arte, entrado
Do mestre merencóreo ante o semblante;
Mas logo ao mal foi bálsamo aplicado.
ché, come noi venimmo al guasto ponte,
lo duca a me si volse con quel piglio
dolce ch’io vidi prima a piè del monte.
À ruína chegamos: nesse instante
Virgílio volve àquele doce gesto,
Que eu da colina ao pé vira ofegante.
Le braccia aperse, dopo alcun consiglio
eletto seco riguardando prima
ben la ruina, e diedemi di piglio.
Reflete um pouco, o estado manifesto
Da rocha examinando: eis-me, estendendo
Os braços, resoluto ergueu-me presto.
E come quei ch’adopera ed estima,
che sempre par che ’nnanzi si proveggia,
così, levando me sù ver’ la cima
Como aquele que uma obra entre mãos tendo.
Logo noutra tarefa põe o intento,
Num rochedo Virgílio me sustendo,
d’un ronchione, avvisava un’altra scheggia
dicendo: “Sovra quella poi t’aggrappa;
ma tenta pria s’è tal ch’ella ti reggia”.
Já de outro acima me avisava atento.
“Mais alto agora sobe” — me dizia —
“Vê se a rocha está firme! Toma tento!”
Non era via da vestito di cappa,
ché noi a pena, ei lieve e io sospinto,
potavam sù montar di chiappa in chiappa.
De capa ali ninguém transitaria;
Pois nós, leves e eu sempre transportado,
Subíamos a custo a penedia.
E se non fosse che da quel precinto
più che da l’altro era la costa corta,
non so di lui, ma io sarei ben vinto.
Se mais alto o declive do outro lado
Não fora do que esse outro, em que ora estamos,
— Dele não sei — ficara eu lá prostrado.
Ma perché Malebolge inver’ la porta
del bassissimo pozzo tutta pende,
lo sito di ciascuna valle porta
Que Malebolge inclina-se notamos
À boca enorme do profundo poço;
As encostas, são tais — expr’imentamos —
che l’una costa surge e l’altra scende;
noi pur venimmo al fine in su la punta
onde l’ultima pietra si scoscende.
Que uma é baixa, outra excelsa em cada fosso.
Vimos, enfim, do topo à roca extrema,
Dessa ruína ao último destroço.
La lena m’era del polmon sì munta
quand’io fui sù, ch’i’ non potea più oltre,
anzi m’assisi ne la prima giunta.
Lá chegado, afã tanto o peito prema,
Que avante um passo dar eu mais não pude;
Sentei-me então na inanição suprema.
“Omai convien che tu così ti spoltre”,
disse ’l maestro; “ché, seggendo in piuma,
in fama non si vien, né sotto coltre;
“Eia! toda a fraqueza em ti se mude!
Em ócio” — disse o Mestre — “ou sobre a pluma
Prêmios ninguém conquista da virtude.
sanza la qual chi sua vita consuma,
cotal vestigio in terra di sé lascia,
qual fummo in aere e in acqua la schiuma.
“Aquele que a existência assim consuma,
Tal vestígio de si deixa na terra,
Como o fumo no ar e na água a espuma.
E però leva sù; vinci l’ambascia
con l’animo che vince ogne battaglia,
se col suo grave corpo non s’accascia.
“Ergue-te, pois! Torpor de ti desterra!
Recobra o esforço que os perigos vence!
Impere alma no corpo em que se encerra!
Più lunga scala convien che si saglia;
non basta da costoro esser partito.
Se tu mi ’ntendi, or fa sì che ti vaglia”.
“Que vais subir muito alto a mente pense;
Desse abismo não basta haver saído.
Será teu prol, se a minha voz convence”.
Leva’ mi allor, mostrandomi fornito
meglio di lena ch’i’ non mi sentia,
e dissi: “Va, ch’i’ son forte e ardito”.
Alço-me então, mostrando-me impelido
De alento, que não tinha; e ao Mestre digo:
“Avante! Forte já me sinto e ardido!”
Su per lo scoglio prendemmo la via,
ch’era ronchioso, stretto e malagevole,
ed erto più assai che quel di pria.
Pela rocha asperíssima prossigo
Mais estreita, inda menos acessível
Que a outra: os passos de Virgílio sigo.
Parlando andava per non parer fievole;
onde una voce uscì de l’altro fosso,
a parole formar disconvenevole.
Por provar-me às fadigas insensível
Falando andava. Eis ouço de outra cava
Ressoar voz bem pouco perceptível.
Non so che disse, ancor che sovra ’l dosso
fossi de l’arco già che varca quivi;
ma chi parlava ad ire parea mosso.
O que disse não sei, posto me achava
Da ponte sobre a parte culminante;
Mais parecia iroso quem falava.
Io era vòlto in giù, ma li occhi vivi
non poteano ire al fondo per lo scuro;
per ch’io: “Maestro, fa che tu arrivi
Curvei-me para ver no fosso hiante,
Mas alcançar não pude o fundo escuro.
Ao Mestre disse então. “Se apraz-te, avante
da l’altro cinghio e dismontiam lo muro;
ché, com’i’ odo quinci e non intendo,
così giù veggio e neente affiguro”.
Passando, desceremos deste muro;
Daqui ouço uma voz, mas não a entendo;
Fito os olhos, mas nada me afiguro”.
“Altra risposta”, disse, “non ti rendo
se non lo far; ché la dimanda onesta
si de’ seguir con l’opera tacendo”.
“Respondo aos teus desejos, acedendo;
Que o pedido discreto assim declaro
Se cumpre, não falando, mas fazendo”.
Noi discendemmo il ponte da la testa
dove s’aggiugne con l’ottava ripa,
e poi mi fu la bolgia manifesta:
Fomos da ponte à parte, donde é claro
Que se vai ter à ribanceira oitava:
Ficou patente a cava ao meu reparo.
e vidivi entro terribile stipa
di serpenti, e di sì diversa mena
che la memoria il sangue ancor mi scipa.
De serpes tal cardume se enroscava,
Horríficas na infinda variedade,
Que ao sangue, inda ao lembrar, terror me trava.
Più non si vanti Libia con sua rena;
ché se chelidri, iaculi e faree
produce, e cencri con anfisibena,
Não tenha a Líbia de criar vaidade,
De quersos, fares, cencris no seu seio
E anfisbenas, tamanha quantidade.
né tante pestilenzie né sì ree
mostrò già mai con tutta l’Etïopia
né con ciò che di sopra al Mar Rosso èe.
Nem do mar Roxo em plagas[1], nem no meio
Da Etiópia, tropel tão pavoroso
De flagelos jamais a lume veio:
Tra questa cruda e tristissima copia
corrëan genti nude e spaventate,
sanza sperar pertugio o elitropia:
Por entre o enxame atroce e temeroso
Almas corriam nuas e transidas,
Heliotrópia não sperando ou pouso.
con serpi le man dietro avean legate;
quelle ficcavan per le ren la coda
e ’l capo, ed eran dinanzi aggroppate.
Atrás as mãos por serpes são tolhidas,
Que, transpassando os rins, cauda e cabeça,
Lhes tinham por diante em laços unidas.
Ed ecco a un ch’era da nostra proda,
s’avventò un serpente che ’l trafisse
là dove ’l collo a le spalle s’annoda.
Eis uma de repente se arremessa
Ao prescito, que perto nos demora:
Morde-lhe o colo aonde a espádua cessa.
Né O sì tosto mai né I si scrisse,
com’el s’accese e arse, e cener tutto
convenne che cascando divenisse;
Um O traçar ou I mais custa agora
Do que ser o mesquinho incendiado:
Em cinzas cai o pecador, que chora.
e poi che fu a terra sì distrutto,
la polver si raccolse per sé stessa
e ’n quel medesmo ritornò di butto.
Stando em terra desta arte derribado,
Juntando-se a cinza e logo reformou-se,
Como de antes, o triste condenado.
Così per li gran savi si confessa
che la fenice more e poi rinasce,
quando al cinquecentesimo anno appressa;
Dos sábios na escritura já narrou-se
Que a Fênix morre e logo após renasce,
Quando aos anos quinhentos acercou-se.
erba né biado in sua vita non pasce,
ma sol d’incenso lagrime e d’amomo,
e nardo e mirra son l’ultime fasce.
Viva, já nunca em cibo ela se pasce,
Em lágrimas, porém, de incenso e amono;
De nardo e mirra em ninho extremo apraz-se.
E qual è quel che cade, e non sa como,
per forza di demon ch’a terra il tira,
o d’altra oppilazion che lega l’omo,
Como aquele que cai sem saber como,
Do demônio ao poder, que à terra o tira,
Ou de outra opilação sentindo o assomo;
quando si leva, che ’ntorno si mira
tutto smarrito de la grande angoscia
ch’elli ha sofferta, e guardando sospira:
Levantando-se, em torno a si remira,
Da angústia inda aturdido, que o mordera,
E, em seu soçobro, pávido suspira:
tal era ’l peccator levato poscia.
Oh potenza di Dio, quant’è severa,
che cotai colpi per vendetta croscia!
Assim parece o pecador, que ardera.
Contra os pecados na final vingança,
Ó Justiça de Deus, quanto és severa!
Lo duca il domandò poi chi ello era;
per ch’ei rispuose: “Io piovvi di Toscana,
poco tempo è, in questa gola fiera.
Quem fora inquire o Mestre, e dele alcança
Estas vozes: — “Há pouco, da Toscana
Chovi no abismo, onde ninguém descansa.
Vita bestial mi piacque e non umana,
sì come a mul ch’i’ fui; son Vanni Fucci
bestia, e Pistoia mi fu degna tana”.
“Vida brutal vivi, não vida humana.
Chamei-me Vanni Fucci[2], híbrida besta;
Pistóia, meu covil, de mim se ufana”.
E ïo al duca: “Dilli che non mucci,
e domanda che colpa qua giù ’l pinse;
ch’io ’l vidi omo di sangue e di crucci”.
Ao Mestre eu disse: — “Referir-nos resta
O crime, que deu causa à morte sua:
Sei que em sangue banhara a mão funesta”.
E ’l peccator, che ’ntese, non s’infinse,
ma drizzò verso me l’animo e ’l volto,
e di trista vergogna si dipinse;
O pecador, que me ouve, não se amua:
Volta-me presto a cara, em que a tristeza
Com sinais de vergonha se insinua
poi disse: “Più mi duol che tu m’ hai colto
ne la miseria dove tu mi vedi,
che quando fui de l’altra vita tolto.
E diz: — “Sinto da dor mais a aspereza,
Porque em miséria tanta me vês posto,
Do que quando da morte hei sido a presa.
Io non posso negar quel che tu chiedi;
in giù son messo tanto perch’io fui
ladro a la sagrestia d’i belli arredi,
“Ao que exiges respondo com desgosto:
Por ter roubado alfaias e ornamento
Da igreja, aqui estou, sendo meu gosto
e falsamente già fu apposto altrui.
Ma perché di tal vista tu non godi,
se mai sarai di fuor da’ luoghi bui,
“Que pelo crime houvesse outro tormento.
Se deste antro saíres algum dia,
Por que não sejas do meu mal contento,
apri li orecchi al mio annunzio, e odi.
Pistoia in pria d’i Neri si dimagra;
poi Fiorenza rinova gente e modi.
“Ouve bem o que a voz minha anuncia:
De si Pistóia os Negros expulsando,
Povo, modos, Florença então cambia.
Tragge Marte vapor di Val di Magra
ch’è di torbidi nuvoli involuto;
e con tempesta impetüosa e agra
“Vapor de Val de Magra Marte alçando,
O traz em torvas nuvens envolvido;
E, enquanto a tempestade está raivando,
sovra Campo Picen fia combattuto;
ond’ei repente spezzerà la nebbia,
sì ch’ogne Bianco ne sarà feruto.
“No campo de Picen será ferido
Combate; a névoa logo se esvaece;
Dos Brancos cada qual será batido[3].
E detto l’ ho perché doler ti debbia!”.
“Sabe-o, pois: certo, a nova te entristece”.
Canto XXV
Canto XXV, dove si tratta di quella medesima materia che detta è nel capitolo dinanzi a questo, e tratta contr’ a’ fiorentini, ma in prima sgrida contro a la città di Pistoia; ed è quella medesima bolgia.
Vanni Fucci depois das negras predições desafia a Deus, pelo que o centauro Caco, todo coberto de serpentes, lhe corre atrás. Dante reconhece entre os danados alguns florentinos que, em Florença, desempenharam funções importantes, aproveitando-se dos dinheiros públicos e descreve suas transformações de homens em serpentes e vice-versa.
Al fine de le sue parole il ladro
le mani alzò con amendue le fiche,
gridando: “Togli, Dio, ch’a te le squadro!”.
Assim dizia o roubador e, alçando
Ambas as mãos, que figuravam figas:
“Toma, ó Deus” exclamou “o que eu te mando”.
Da indi in qua mi fuor le serpi amiche,
perch’una li s’avvolse allora al collo,
come dicesse ’Non vo’ che più diche’;
Serpes me foram desde então amigas:
Porque logo uma ao colo se enroscava,
Como a dizer: — “Não quero que prossigas!”
e un’altra a le braccia, e rilegollo,
ribadendo sé stessa sì dinanzi,
che non potea con esse dare un crollo.
Tolhendo-lhe outra os braços, se enlaçava
Diante sobre o peito, e o movimento
Com rebatido vínculo atalhava.
Ahi Pistoia, Pistoia, ché non stanzi
d'incenerarti sì che più non duri,
poi che 'n mal fare il seme tuo avanzi?
Ah! Pistóia! ah! Pistóia! o incendimento
Teu decreto, extinguido nome impuro,
Pois dás da extirpe tua ao vício aumento!
Per tutt’i cerchi de lo ’nferno scuri
non vidi spirto in Dio tanto superbo,
non quel che cadde a Tebe giù da’ muri.
Tão soberbo não vi no abismo escuro,
Contra Deus outro esp’rito; nem o ousado[1],
Que de Tebas caiu morto do muro.
El si fuggì che non parlò più verbo;
e io vidi un centauro pien di rabbia
venir chiamando: “Ov’è, ov’è l’acerbo?”.
Sem mais dizer fugira o condenado.
Eis rábido centauro vi correndo
A gritar: — “onde está o celerado?”
Maremma non cred’io che tante n’abbia,
quante bisce elli avea su per la groppa
infin ove comincia nostra labbia.
Nem tem Marema de répteis horrendo
Bando igual ao que o dorso carregava
Té onde a humana forma está-se vendo.
Sovra le spalle, dietro da la coppa,
con l’ali aperte li giacea un draco;
e quello affuoca qualunque s’intoppa.
Na espádua, abaixo da cerviz pousava,
As asas estendendo, atroce drago,
Que fogo a quanto encontra arrevessava.
Lo mio maestro disse: “Questi è Caco,
che, sotto ’l sasso di monte Aventino,
di sangue fece spesse volte laco.
“É Caco[2]” — o Mestre diz — “que a imane estrago
Afeito do Aventino se aprazia,
Sob as penhas, de sangue em fazer lago.
Non va co’ suoi fratei per un cammino,
per lo furto che frodolente fece
del grande armento ch’elli ebbe a vicino;
“Dos seus irmãos não segue a companhia,
Por haver depredado, fraudulento,
Armentio, que próximo pascia.
onde cessar le sue opere biece
sotto la mazza d’Ercule, che forse
gliene diè cento, e non sentì le diece”.
“Tiveram fim seus crimes: golpes cento
Sobre ele desfechou de Alcide a clava:
Aos dez perdera já a vida o alento”. —
Mentre che sì parlava, ed el trascorse,
e tre spiriti venner sotto noi,
de’ quai né io né ’l duca mio s’accorse,
Foi-se o centauro enquanto assim falava.
Abaixo eis três espíritos chegando,
Nos quais nenhum de nós inda atentava,
se non quando gridar: “Chi siete voi?”;
per che nostra novella si ristette,
e intendemmo pur ad essi poi.
“Quem sois?” — romperam súbito bradando.
A Narração então suspende o Guia;
E só deles curamos, escutando.
Io non li conoscea; ma ei seguette,
come suol seguitar per alcun caso,
che l’un nomar un altro convenette,
Nenhum dessa companha eu conhecia;
Mas então, como às vezes acontece,
Um, chamando por outro, assim dizia:
dicendo: “Cianfa dove fia rimaso?”;
per ch’io, acciò che ’l duca stesse attento,
mi puosi ’l dito su dal mento al naso.
“Onde é Cianfa[3], que assim desaparece?”
Dedo nos lábios fiz nesse momento
A Virgílio sinal, por que atendesse.
Se tu se’ or, lettore, a creder lento
ciò ch’io dirò, non sarà maraviglia,
ché io che ’l vidi, a pena il mi consento.
Em crer o que eu contar se fores lento,
Não há de ser, leitor, para estranhado;
Quase o que eu vi descrê meu pensamento.
Com’io tenea levate in lor le ciglia,
e un serpente con sei piè si lancia
dinanzi a l’uno, e tutto a lui s’appiglia.
Quando eu dos três a vista era engolfado,
Sobre seis pés se via uma serpente
Contra um deles e o tem todo enlaçado.
Co’ piè di mezzo li avvinse la pancia
e con li anterïor le braccia prese;
poi li addentò e l’una e l’altra guancia;
Abraçam-lhe os do meio rijamente
O ventre; aos braços aos de cima rendem,
Ambas as faces morde-lhe furente.
li diretani a le cosce distese,
e miseli la coda tra ’mbedue
e dietro per le ren sù la ritese.
Os de baixo nas coxas já se estendem,
Interpondo-se a cauda, que, subindo
Por detrás, voltas dá que os rins lhe prendem.
Ellera abbarbicata mai non fue
ad alber sì, come l’orribil fiera
per l’altrui membra avviticchiò le sue.
Hera, de árvores os ramos recingindo.
Não os enleia tanto, como a fera
Alheios membros ao seu corpo unindo.
Poi s’appiccar, come di calda cera
fossero stati, e mischiar lor colore,
né l’un né l’altro già parea quel ch’era:
Fundiram-se depois, de quente cera
Com feitos; travando as suas cores,
Um nem outro parece o que antes era:
come procede innanzi da l’ardore,
per lo papiro suso, un color bruno
che non è nero ancora e ’l bianco more.
Como em papel, do fogo ante os ardores
Procede escura cor; inda não sendo
Negro, vão fenecendo os seus albores.
Li altri due ’l riguardavano, e ciascuno
gridava: “Omè, Agnel, come ti muti!
Vedi che già non se’ né due né uno”.
Os dois, a maravilha percebendo,
Gritavam-lhe: — “Ai! Agnel[4], quanto hás mudado!
Um já não és mas dois ser não podendo!”
Già eran li due capi un divenuti,
quando n’apparver due figure miste
in una faccia, ov’eran due perduti.
Numa cabeça as duas se hão tornado;
Confundidos estavam dois semblantes
Num rosto, em que se haviam misturado.
Fersi le braccia due di quattro liste;
le cosce con le gambe e ’l ventre e ’l casso
divenner membra che non fuor mai viste.
São dois os braços, que eram quatro de antes,
Foram coxas e pernas, ventre e peito
Membros, que nunca hão tido semelhantes.
Ogne primaio aspetto ivi era casso:
due e nessun l’imagine perversa
parea; e tal sen gio con lento passo.
Perdeu-se assim todo o primeiro aspeito;
Seres dois e nenhum nessa figura
Se via; e o montro foi-se a passo estreito.
Come 'l ramarro sotto la gran fersa
dei dì canicular, cangiando sepe,
folgore par se la via attraversa,
Quando o fervor canicular se apura,
Cruza o lagarto, como o raio, a estrada,
E uma mouta deixando, outra procura.
sì pareva, venendo verso l’epe
de li altri due, un serpentello acceso,
livido e nero come gran di pepe;
Tal menor serpe, lívida, inflamada.
Negrejando, qual bago de pimenta,
Aos outros dois se arroja acelerada.
e quella parte onde prima è preso
nostro alimento, a l’un di lor trafisse;
poi cadde giuso innanzi lui disteso.
E na parte, por onde se alimenta
Primeiro a vida nossa, um dos dois fere
E ante ele tomba em queda violenta.
Lo trafitto ’l mirò, ma nulla disse;
anzi, co’ piè fermati, sbadigliava
pur come sonno o febbre l’assalisse.
Olha o ferido, mas nem voz profere;
E sobre os pés imóvel bocejava,
Como quem sono prenda ou febre onere.
Elli ’l serpente e quei lui riguardava;
l’un per la piaga e l’altro per la bocca
fummavan forte, e ’l fummo si scontrava.
Fitava olhos na serpe, e esta o encarava;
A chaga de um eu via, do outro a boca
Fumegar; e o seu fumo se encontrava.
Taccia Lucano omai là dov’e’ tocca
del misero Sabello e di Nasidio,
e attenda a udir quel ch’or si scocca.
Emudeça Lucano, quando toca
Em Sabelo infeliz mais em Nascídio[5]
Escute: mor portento ora se evoca.
Taccia di Cadmo e d’Aretusa Ovidio,
ché se quello in serpente e quella in fonte
converte poetando, io non lo ’nvidio;
De Cadmo e Aretusa[6] cale Ovídio:
Se fonte a esta, àquela fez serpente,
Não o invejo: aqui há pior excídio,
ché due nature mai a fronte a fronte
non trasmutò sì ch’amendue le forme
a cambiar lor matera fosser pronte.
Não converteu dois seres frente a frente,
Tanto que permutasse formas duas
Sua própria matéria de repente.
Insieme si rispuosero a tai norme,
che ’l serpente la coda in forca fesse,
e ’l feruto ristrinse insieme l’orme.
Desta sorte compõem-se as partes suas:
A cauda à serpe fende-se em forquilha,
Cerra o ferido em uma as plantas nuas.
Le gambe con le cosce seco stesse
s’appiccar sì, che ’n poco la giuntura
non facea segno alcun che si paresse.
Tal prisão coxas, pernas envencilha
Que em breve nem vestígio há de juntura,
Sinal, ou numa ou noutra, de partilha.
Togliea la coda fessa la figura
che si perdeva là, e la sua pelle
si facea molle, e quella di là dura.
Fendida a cauda assume essa figura
Que perde o homem; numa é tão macia
A pele, quanto noutro fez-se dura.
Io vidi intrar le braccia per l’ascelle,
e i due piè de la fiera, ch’eran corti,
tanto allungar quanto accorciavan quelle.
Entrar os braços nas axilas via;
Tanto estendia os curtos pés a fera,
Quanto o outro os seus braços encolhia.
Poscia li piè di rietro, insieme attorti,
diventaron lo membro che l’uom cela,
e ’l misero del suo n’avea due porti.
Os pés o drago extremos retorcera,
Na parte, que se esconde, se mudando,
Que em duas no mesquinho se fendera.
Mentre che ’l fummo l’uno e l’altro vela
di color novo, e genera ’l pel suso
per l’una parte e da l’altra il dipela,
Enquanto o fumo os dois ia velando
De nova cor e a serpe o pêlo empresta,
Que em todo perde o pecador nefando,
l’un si levò e l’altro cadde giuso,
non torcendo però le lucerne empie,
sotto le quai ciascun cambiava muso.
Ergue-se um, cai o outro e no chão resta,
Os ímpios olhos sem torcer, que viram
Dos gestos seus a conversão funesta.
Quel ch’era dritto, il trasse ver’ le tempie,
e di troppa matera ch’in là venne
uscir li orecchi de le gote scempie;
Ao que era em pé às frontes lhe subiram
Do rosto as sobras: cada face afeita
Uma orelha, de duas, que saíram.
ciò che non corse in dietro e si ritenne
di quel soverchio, fé naso a la faccia
e le labbra ingrossò quanto convenne.
Quanto de mais ficara então se ajeita,
O nariz conformando-lhe na cara
E de lábios lhe ornando a boca estreita,
Quel che giacëa, il muso innanzi caccia,
e li orecchi ritira per la testa
come face le corna la lumaccia;
A beiça o que jazia dilatara;
Qual caramujo, que as antenas cerra,
À cabeça as orelhas retirara.
e la lingua, ch’avëa unita e presta
prima a parlar, si fende, e la forcuta
ne l’altro si richiude; e ’l fummo resta.
A língua unida e no falar não perra
Partiu-se, enquanto a do outro, forquilhada,
Uniu-se; o fumo desde então se encerra.
L’anima ch’era fiera divenuta,
suffolando si fugge per la valle,
e l’altro dietro a lui parlando sputa.
Essa alma, que em réptil era mudada,
Pelo vale arremete sibilando,
Falando, a outra escarra e a segue irada.
Poscia li volse le novelle spalle,
e disse a l’altro: “I’ vo’ che Buoso corra,
com’ ho fatt’io, carpon per questo calle”.
Depois, seu novo dorso lhe voltando,
Disse à terceira sombra: “Corra o Buoso,
Como eu, por esta senda rastejando”.
Così vid’io la settima zavorra
mutare e trasmutare; e qui mi scusi
la novità se fior la penna abborra.
Assim vi no antro sétimo espantoso
Mútuas transformações: tanta estranheza
Desculpe o canto rude e descuidoso.
E avvegna che li occhi miei confusi
fossero alquanto e l’animo smagato,
non poter quei fuggirsi tanto chiusi,
Posto empanar dos olhos a clareza
E entrar o assombro no ânimo eu sentisse,
Não fugiram com tanta sutileza,
ch’i’ non scorgessi ben Puccio Sciancato;
ed era quel che sol, di tre compagni
che venner prima, non era mutato;
Nem tão prestes que eu bem não discernisse
Puccio Sciancato[7], que dos três somente
Fora o que transmudado se não visse,
l’altr’era quel che tu, Gaville, piagni.
Deu-te o outro, Gavili, dor pungente.
Canto XXVI
Canto XXVI, nel quale si tratta de l’ottava bolgia contro a quelli che mettono aguati e danno frodolenti consigli; e in prima sgrida contro a’ fiorentini e tacitamente predice del futuro e in persona d’Ulisse e Diomedes pone loro pene.
Chegando os Poetas ao oitavo compartimento, distinguem infinitas chamas, dentro das quais são punidos os maus conselheiros. Numa chama bipartida estão Diômedes e Ulisses. Este último, a pedido de Dante, narra a sua última navegação, na qual perdeu a vida com os seus companheiros.
Godi, Fiorenza, poi che se' sì grande
che per mare e per terra batti l'ali,
e per lo 'nferno tuo nome si spande!
Folga, ó Florença! A fama tens tão grande,
Que asas bates por terra e mar, vaidosa!
Até no inferno o nome teu se expande!
Tra li ladron trovai cinque cotali
tuoi cittadini onde mi ven vergogna,
e tu in grande orranza non ne sali.
Entre os ladrões, ó cousa vergonhosa!
Principais cinco achei, que em ti nasceram:
Serás por honra tal, vangloriosa?
Ma se presso al mattin del ver si sogna,
tu sentirai, di qua da picciol tempo,
di quel che Prato, non ch’altri, t’agogna.
Se os veros sonhos por manhã se geram,
Em breve hás de sentir o que os de Prato[1],
Quanto mais outros, por teu dano esperam.
E se già fosse, non saria per tempo.
Così foss’ei, da che pur esser dee!
ché più mi graverà, com’ più m’attempo.
Presto que venha, será tarde o fato;
Se o mal tem de ferir, fira apressado:
Mais velho me há de ser mais grave e ingrato.
Noi ci partimmo, e su per le scalee
che n’avea fatto iborni a scender pria,
rimontò ’l duca mio e trasse mee;
Partimos: do rochedo alcantilado
Os degraus, em que havíamos descido,
Sobe o Mestre e por ele eu fui levado.
e proseguendo la solinga via,
tra le schegge e tra ’ rocchi de lo scoglio
lo piè sanza la man non si spedia.
Em nosso ermo caminho e desabrido
Prosseguimos por entre agras fraguras,
Pelas mãos sendo o pé favorecido.
Allor mi dolsi, e ora mi ridoglio
quando drizzo la mente a ciò ch’io vidi,
e più lo ’ngegno affreno ch’i’ non soglio,
Inda nalma exacerbam-se amarguras,
Do que hei visto lembranças avivando;
E, quanto posso, o coração nas puras
perché non corra che virtù nol guidi;
sì che, se stella bona o miglior cosa
m’ ha dato ’l ben, ch’io stessi nol m’invidi.
Veredas da virtude vou guiando,
Por que o bem, por bom astro ou Deus doado,
Eu próprio não converta em mal nefando.
Quante ’l villan ch’al poggio si riposa,
nel tempo che colui che ’l mondo schiara
la faccia sua a noi tien meno ascosa,
O rústico, no outeiro reclinado,
Na estação, em que o sol o mundo aclara,
Mais lhe mostrando o seu semblante amado,
come la mosca cede a la zanzara,
vede lucciole giù per la vallea,
forse colà dov’e’ vendemmia e ara:
Já quando a mosca o sucessor depara,
Pririlampos não vê tão numerosos
No vale, onde vindima, ou ceifa ou ara,
di tante fiamme tutta risplendea
l’ottava bolgia, sì com’io m’accorsi
tosto che fui là ’ve ’l fondo parea.
Quando, no fosso oitavo, os temerosos
Fogos, que avisto, dos que, ao cimo alçado,
Fito no fundo os olhos curiosos.
E qual colui che si vengiò con li orsi
vide ’l carro d’Elia al dipartire,
quando i cavalli al cielo erti levorsi,
Como aquele que de ursos foi vingado,
Quando voou de Elia o carro ardente,
Ao céu por frisões ígneos transportado,
che nol potea sì con li occhi seguire,
ch’el vedesse altro che la fiamma sola,
sì come nuvoletta, in sù salire:
Seguiu c’a vista o lume, que somente
Dos ares na extensão aparecia,
Qual nuvens se elevando velozmente;
tal si move ciascuna per la gola
del fosso, ché nessuna mostra ’l furto,
e ogne fiamma un peccatore invola.
Assim naquele abismo se agitando
As flamas via; em cada qual estava
Uma alma, em seus fulgores se ocultando.
Io stava sovra ’l ponte a veder surto,
sì che s’io non avessi un ronchion preso,
caduto sarei giù sanz’esser urto.
Para ver, lá da ponte, me inclinava:
Se amparado da rocha eu não stivesse,
Tombara ao fundo dessa hiante cava.
E ’l duca, che mi vide tanto atteso,
disse: “Dentro dai fuochi son li spirti;
catun si fascia di quel ch’elli è inceso”.
O Mestre, ao ver que a mente se embevece,
“Em cada fogo” — diz-me — “um condenado,
Como em hábito, envolto, arde e padece”.
“Maestro mio”, rispuos’io, “per udirti
son io più certo; ma già m’era avviso
che così fosse, e già voleva dirti:
“Sou, te ouvindo” — tornei — “certificado
Do que era, há pouco, em mim simples suspeita.
Pretendia inquirir, maravilhado,
chi è ’n quel foco che vien sì diviso
di sopra, che par surger de la pira
dov’Eteòcle col fratel fu miso?”.
Que significa o fogo, que endireita
A nós, e se partindo, iguala a pira,
Para imigos irmãos outrora feita”.
Rispuose a me: “Là dentro si martira
Ulisse e Dïomede, e così insieme
a la vendetta vanno come a l’ira;
— “Estão lá dentro dessa flama dira
Diômedes e Ulisses[2]: em castigo
Sócios são, como outrora hão sido em ira.
e dentro da la lor fiamma si geme
l’agguato del caval che fé la porta
onde uscì de’ Romani il gentil seme.
“Lá dentro geme o pérfido inimigo,
Inventor do cavalo, que foi porta,
Por onde a Roma veio o início antigo;
Piangevisi entro l’arte per che, morta,
Deïdamìa ancor si duol d’Achille,
e del Palladio pena vi si porta”.
“Chora-se a fraude, que Deidamia morta,
Ainda exprobra a Aquiles, ressentida;
Pelo Paládio a pena se suporta”[3].
“S’ei posson dentro da quelle faville
parlar”, diss’io, “maestro, assai ten priego
e ripriego, che ’l priego vaglia mille,
“Se à labareda, ó Mestre, é permitida
A fala” — eu disse — “te suplico e rogo
Com instância, mil vezes repetida,
che non mi facci de l’attender niego
fin che la fiamma cornuta qua vegna;
vedi che del disio ver’ lei mi piego!”.
“Aguardar me concedas esse fogo,
Que, bipartido para nós caminha.
Vês meu anelo: ah! dá-lhe o desafogo!”
Ed elli a me: “La tua preghiera è degna
di molta loda, e io però l’accetto;
ma fa che la tua lingua si sostegna.
“Merece toda a complacência minha
Teu rogo: eu de bom grado o atendo e aceito.
Mas cala-te; que hás de ser contente asinha.
Lascia parlare a me, ch’i’ ho concetto
ciò che tu vuoi; ch’ei sarebbero schivi,
perch’e’ fuor greci, forse del tuo detto”.
“Falar me deixa; sei qual teu conceito,
Talvez que desses Gregos na alma esquiva
Produza o teu dizer ingrato efeito”.
Poi che la fiamma fu venuta quivi
dove parve al mio duca tempo e loco,
in questa forma lui parlare audivi:
Propínqua estando a nós a flama viva,
E, asado ao Mestre, parecendo o ensejo,
Nesta linguagem disse persuasiva:
“O voi che siete due dentro ad un foco,
s’io meritai di voi mentre ch’io vissi,
s’io meritai di voi assai o poco
“Ó vós, que nesse fogo eu juntos vejo,
Se por serviços meus, quando vivia,
Revelei de aprazer-vos o desejo,
quando nel mondo li alti versi scrissi,
non vi movete; ma l’un di voi dica
dove, per lui, perduto a morir gissi”.
“Nos sonoros versos que escrevia,
Detende-vos: benévolo um nos diga
Onde viu fenecer o extremo dia”.
Lo maggior corno de la fiamma antica
cominciò a crollarsi mormorando,
pur come quella cui vento affatica;
A parte superior da flama antiga
A tremular começa murmurando,
Como a que o vento lhe assoprando instiga.
indi la cima qua e là menando,
come fosse la lingua che parlasse,
gittò voce di fuori e disse: “Quando
E a um lado e a outro o cimo meneando,
Como se língua fora, que falasse,
Estas vozes profere, e diz-nos: “Quando
mi diparti’ da Circe, che sottrasse
me più d’un anno là presso a Gaeta,
prima che sì Enëa la nomasse,
“De Circe a encantos me esquivei fugace,
Em que um ano passei junto a Gaeta[4],
Antes que assim Enéias a chamasse,
né dolcezza di figlio, né la pieta
del vecchio padre, né ’l debito amore
lo qual dovea Penelopè far lieta,
“A saudade do filho, a mui dileta
Velhice de meu pai, de alta consorte
Santo amor, em que ardia sempre inquieta,
vincer potero dentro a me l’ardore
ch’i’ ebbi a divenir del mondo esperto
e de li vizi umani e del valore;
“Não dominaram esse anelo forte
Que me impulsava a ser do mundo esperto,
Das manhas das nações, da humana sorte.
ma misi me per l’alto mare aperto
sol con un legno e con quella compagna
picciola da la qual non fui diserto.
“Lancei-me às vagas do alto mar aberto;
Sobre um só lenho me seguiu companha
De poucos, mas de afouto peito e certo.
L’un lito e l’altro vidi infin la Spagna,
fin nel Morrocco, e l’isola d’i Sardi,
e l’altre che quel mare intorno bagna.
“As ondas perlustrando, hei visto a Espanha,
Marrocos, logo a ínsula dos Sardos
E as outras que o cerúleo pego banha.
Io e’ compagni eravam vecchi e tardi
quando venimmo a quella foce stretta
dov’Ercule segnò li suoi riguardi
“Já da velhice nos sentidos tardos,
Alfim chegamos ao famoso estreito[5],
Onde Alcides aos nautas pôs resguardos,
acciò che l’uom più oltre non si metta;
da la man destra mi lasciai Sibilia,
da l’altra già m’avea lasciata Setta.
“Que devem respeitar por seu proveito.
Deixei Septa, que jaz ao esquerdo lado,
E Sevilha, que ao lado está direito.
“O frati,” dissi, “che per cento milia
perigli siete giunti a l’occidente,
a questa tanto picciola vigilia
“Perigos mil vencendo e avesso fado”
Lhes disse — “irmãos, chegastes ao Ponente!
Da existência este resto, já minguado,
d’i nostri sensi ch’è del rimanente
non vogliate negar l’esperïenza,
di retro al sol, del mondo sanza gente.
“Razão não seja, que vos tolha a mente
De além do sol, tentar nobre aventura,
E o mundo ver, que jaz órfão de gente.
Considerate la vostra semenza:
fatti non foste a viver come bruti,
ma per seguir virtute e canoscenza”.
“Da vossa raça refleti na altura!
Viver quais brutos veda-o vossa origem!
De glória vos impele ambição pura!
Li miei compagni fec’io sì aguti,
con questa orazion picciola, al cammino,
che a pena poscia li avrei ritenuti;
“Com tanto esforço os ânimos se erigem,
Falar me ouvindo assim, que ir por diante
De entusiasmo sôfregos, exigem.
e volta nostra poppa nel mattino,
de’ remi facemmo ali al folle volo,
sempre acquistando dal lato mancino.
“Já, com popa ao Nascente flamejante,
Asas os remos são na empresa ousada,
E o lenho sempre à esquerda voga avante.
Tutte le stelle già de l’altro polo
vedea la notte, e ’l nostro tanto basso,
che non surgëa fuor del marin suolo.
“Já do outro polo a noite levantada,
Via os astros brilhar: o nosso, entanto,
Na planície imergia-se salgada:
Cinque volte racceso e tante casso
lo lume era di sotto da la luna,
poi che 'ntrati eravam ne l'alto passo,
“Cinco vezes a luz do etéreo manto
A lua difundira e após minguara,
Depois que arrosto do oceano o espanto,
quando n’apparve una montagna, bruna
per la distanza, e parvemi alta tanto
quanto veduta non avëa alcuna.
“Quando imensa montanha se depara:
Envolta em cerração, longe aparece;
Na altiveza outra igual nunca avistara.
Noi ci allegrammo, e tosto tornò in pianto;
ché de la nova terra un turbo nacque
e percosse del legno il primo canto.
“O prazer nosso em pranto se esvaece:
Da nova terra eis súbito irrompendo
Contra o lenho um tufão medonho cresce.
Tre volte il fé girar con tutte l’acque;
a la quarta levar la poppa in suso
e la prora ire in giù, com’altrui piacque,
“Vezes três em voragens o torcendo,
A quarta a popa levantou-lhe ao alto,
E a proa, ao querer de outrem, foi descendo”.
infin che ’l mar fu sovra noi richiuso”.
Cerrou-se o pego sobre nós de salto.
Canto XXVII
Canto XXVII, dove tratta di que’ medesimi aguatatori e falsi consiglieri d’inganni in persona del conte Guido da Montefeltro.
Outro danado, entra a falar com Dante. É Guido de Montefeltro, o qual pede notícias da Romanha sua terra natal. Conta, depois, que foi condenado por causa de um mau conselho que, fiado na prévia absolvição, dera ao papa Bonifácio VIII.
Già era dritta in sù la fiamma e queta
per non dir più, e già da noi sen gia
con la licenza del dolce poeta,
A flama já se erguia e estava quieta,
Não mais falando, e já se retirava
Com permissão do meu gentil Poeta,
quand’un’altra, che dietro a lei venìa,
ne fece volger li occhi a la sua cima
per un confuso suon che fuor n’uscia.
Quando outra, que de perto caminhava,
Pelos confusos sons, que desprendia,
Olhar nos fez seu cimo, que oscilava.
Come ’l bue cicilian che mugghiò prima
col pianto di colui, e ciò fu dritto,
che l’avea temperato con sua lima,
Como o sículo touro, que mugia
A vez primeira, o pranto ressoando
Do inventor, que seu prêmio recebia;
mugghiava con la voce de l’afflitto,
sì che, con tutto che fosse di rame,
pur el pareva dal dolor trafitto;
Berrava pela voz do miserando,
Na brônzea forma, em dor tanto pungente,
Que parecia vivo estar penando:
così, per non aver via né forame
dal principio nel foco, in suo linguaggio
si convertïan le parole grame.
Assim se convertia o som plangente
De flama no rumor, lhe falecendo
Caminho, em que irrompesse prontamente.
Ma poscia ch’ebber colto lor vïaggio
su per la punta, dandole quel guizzo
che dato avea la lingua in lor passaggio,
Mais se exalar pelo ápice em podendo
Dar-lhe impulso por ter já conseguido
Desse mesquinho a língua, se movendo,
udimmo dire: “O tu a cu’ io drizzo
la voce e che parlavi mo lombardo,
dicendo “Istra ten va, più non t’adizzo”,
“Tu, a quem me dirijo” — hemos ouvido —
“Que, inda há pouco, dizias em lombardo:
Podes ir, tens assaz já respondido.
perch’io sia giunto forse alquanto tardo,
non t’incresca restare a parlar meco;
vedi che non incresce a me, e ardo!
“Posto em chegar um tanto eu fosse tardo,
De ouvir-me não despraza-te a demora;
Bem vês, me não despraz: entanto eu ardo.
Se tu pur mo in questo mondo cieco
caduto se’ di quella dolce terra
latina ond’io mia colpa tutta reco,
“Se a este abismo tenebroso agora
Tombas saudoso dessa doce terra
Latina, onde hei pecado tanto outrora,
dimmi se Romagnuoli han pace o guerra;
ch’io fui d’i monti là intra Orbino
e ’l giogo di che Tever si diserra”.
“Se os Romanhóis têm paz, dize-me, se guerra,
Pois eu fui lá dos montes, entre Urbino
E essa, origem do Tibre, altiva serra”.
Io era in giuso ancora attento e chino,
quando il mio duca mi tentò di costa,
dicendo: “Parla tu; questi è latino”.
Para escutar atento a fronte inclino.
Eis, tocando-me a um lado, diz meu Guia:
“Podes ora falar, que este é Latino”.
E io, ch’avea già pronta la risposta,
sanza indugio a parlare incominciai:
“O anima che se’ là giù nascosta,
Eu, que já prestes a resposta havia,
Tornei ao pecador incontinente:
“Alma, que o fogo assim veste e crucia,
Romagna tua non è, e non fu mai,
sanza guerra ne’ cuor de’ suoi tiranni;
ma ’n palese nessuna or vi lasciai.
“Tua Romanha em guerra permanente
Sempre é no coração dos seus tiranos.
Porém nenhuma agora tem patente.
Ravenna sta come stata è molt’anni:
l’aguglia da Polenta la si cova,
sì che Cervia ricuopre co’ suoi vanni.
“Hoje é Ravena o que era, há longos anos,
De Polenta a águia forte ali se aninha;
Com largas asas cobre à Cérvia os planos.
La terra che fé già la lunga prova
e di Franceschi sanguinoso mucchio,
sotto le branche verdi si ritrova.
“A terra, que no tardo assédio tinha
Pelo sangue francês sido inundada
Sob verde leão, sofre mesquinha.
E ’l mastin vecchio e ’l nuovo da Verrucchio,
che fecer di Montagna il mal governo,
là dove soglion fan d’i denti succhio.
“Dos Mastins de Verruchio a subjugada
Gente os dentes cruéis inda sentia:
Morte a Montagna deram desapiedada.
Le città di Lamone e di Santerno
conduce il lïoncel dal nido bianco,
che muta parte da la state al verno.
“Em Lamone, em Santerno inda regia
Do alvo ninho o leão, se convertendo
De um pra outro partido cada dia.
E quella cu' il Savio bagna il fianco,
così com'ella sie' tra 'l piano e 'l monte,
tra tirannia si vive e stato franco.
“A cidade que o Sávio banha, sendo
Entre o plaino e a montanha, em liberdade
Ou vive ou sob o jugo vai sofrendo.
Ora chi se’, ti priego che ne conte;
non esser duro più ch’altri sia stato,
se ’l nome tuo nel mondo tegna fronte”.
“Ora nos diz quem foste na verdade;
Condescendente sê, como hemos sido:
No mundo haja o teu nome longa idade”.
Poscia che ’l foco alquanto ebbe rugghiato
al modo suo, l’aguta punta mosse
di qua, di là, e poi diè cotal fiato:
O fogo rumoreja e comovido
De um lado a outro a ponta aguda agita;
Depois emite a voz neste sentido:
“S’i’ credesse che mia risposta fosse
a persona che mai tornasse al mondo,
questa fiamma staria sanza più scosse;
“Se esta resposta minha fosse dita
A quem do mundo à luz daqui voltasse,
Queda ficara a minha língua aflita.
ma però che già mai di questo fondo
non tornò vivo alcun, s’i’ odo il vero,
sanza tema d’infamia ti rispondo.
“Mas como é certo que jamais tornasse
Quem no inferno caiu, se não me engano,
De falar não hei medo, que embarace,
Io fui uom d'arme, e poi fui cordigliero,
credendomi, sì cinto, fare ammenda;
e certo il creder mio venìa intero,
“Homem de armas, depois fui Franciscano,
Crendo pelo cordão ser emendado;
Por crê-lo certo, me esquivara ao dano,
se non fosse il gran prete, a cui mal prenda!,
che mi rimise ne le prime colpe;
e come e quare, voglio che m’intenda.
“Se o Papa (todo o mal seja-lhe dado!)
Não me volvesse à primitiva estrada.
Como e por que te fique declarado.
Mentre ch’io forma fui d’ossa e di polpe
che la madre mi diè, l’opere mie
non furon leonine, ma di volpe.
“Enquanto a humana forma era habitada
Por mim, não provei ser leão por feitos,
Mas raposa, por astúcia abalizada.
Li accorgimenti e le coperte vie
io seppi tutte, e sì menai lor arte,
ch’al fine de la terra il suono uscie.
“Estratégia sutil, ardis perfeitos
Tantos soube, que os âmbitos da terra
Eram à fama de meu nome estreitos.
Quando mi vidi giunto in quella parte
di mia etade ove ciascun dovrebbe
calar le vele e raccoglier le sarte,
“Da existência na quadra, em que muito erra
Quem, de surgir no porto esperançado,
Nem colhe os cabos nem as velas ferra,
ciò che pria mi piacëa, allor m’increbbe,
e pentuto e confesso mi rendei;
ahi miser lasso! e giovato sarebbe.
“Odiei quanto houvera mais amado
E humilhei-me confesso e arrependido...
E o perdão, ai de mim! fora alcançado...
Lo principe d’i novi Farisei,
avendo guerra presso a Laterano,
e non con Saracin né con Giudei,
“Dos novos Fariseus Príncipe infido,
Em Latrão guerra crua declara:
Não contra Mouro, nem Judeu descrido,
ché ciascun suo nimico era cristiano,
e nessun era stato a vincer Acri
né mercatante in terra di Soldano,
“Contra cristãos as iras ateara;
Nenhum traidor contra Acre combatera
Ou do Soldão na terra traficara.
né sommo officio né ordini sacri
guardò in sé, né in me quel capestro
che solea fare i suoi cinti più macri.
“Sacras ordens em si não considera,
Nem cargo excelso, em mim o da humildade
Cordão, que os penitentes seus macera.
Ma come Costantin chiese Silvestro
d’entro Siratti a guerir de la lebbre,
così mi chiese questi per maestro
“Como foi de Sirati à soledade
Constantino a Silvestre pedir cura
Da lepra: assim também à enfermidade
a guerir de la sua superba febbre;
domandommi consiglio, e io tacetti
perché le sue parole parver ebbre.
“De seu febril orgulho este procura
Remédio em meu conselho. Escrupuloso
Calei-me: de ébrio vi nele a loucura.
E’ poi ridisse: “Tuo cuor non sospetti;
finor t’assolvo, e tu m’insegna fare
sì come Penestrino in terra getti.
“Fala — insistiu — não sejas temeroso!
Absolto és desde já, se Palestrino
A vencer me ensinares ardiloso.
Lo ciel poss’io serrare e diserrare,
come tu sai; però son due le chiavi
che ’l mio antecessor non ebbe care”.
“Eu abro e fecho o céu: poder divino
As duas chaves têm, a que há negado
O meu antecessor preço condi’no.
Allor mi pinser li argomenti gravi
là ’ve ’l tacer mi fu avviso ’l peggio,
e dissi: “Padre, da che tu mi lavi
“Já destas razões graves abalado,
Pior partido no silêncio vendo,
Lhe tornei: — Padre Santo, se o pecado,
di quel peccato ov’io mo cader deggio,
lunga promessa con l’attender corto
ti farà trïunfar ne l’alto seggio”.
“Em que ora vou cair, stás-me absolvendo,
Darás ao sólio teu glória e conforto
Prometendo demais, pouco fazendo.
Francesco venne poi, com’io fu’ morto,
per me; ma un d’i neri cherubini
li disse: “Non portar; non mi far torto.
“Francisco me acudiu, quando fui morto;
Mas clamou anjo negro apressurado:
— Não mo tomes; assim me causas torto!
Venir se ne dee giù tra ’ miei meschini
perché diede ’l consiglio frodolente,
dal quale in qua stato li sono a’ crini;
“Lugar foi-lhe entre os meus assinalado:
Dês que há dado o conselho fementido,
Ficou pelos cabelos agarrado.
ch'assolver non si può chi non si pente,
né pentere e volere insieme puossi
per la contradizion che nol consente”.
“Perdão só tem quem geme arrependido;
Pecado à penitência não se amanha,
Não pode aquele andar a esta unido.
Oh me dolente! come mi riscossi
quando mi prese dicendomi: “Forse
tu non pensavi ch’io löico fossi!”.
“Ai! qual foi meu pavor, quando, com sanha
Empolgando-me, disse: — Creste acaso
Que me falta de lógico arte e manha?
A Minòs mi portò; e quelli attorse
otto volte la coda al dosso duro;
e poi che per gran rabbia la si morse,
“A Minos me arrastou, que sem mais prazo,
Da cauda em voltas oito o dorso enreda,
Raivoso morde-a e diz: — É neste caso
disse: “Questi è d’i rei del foco furo”;
per ch’io là dove vedi son perduto,
e sì vestito, andando, mi rancuro”.
“Que aos maus prisão se dá na labareda.
Assim onde me vês, fiquei perdido,
Vou chorando, em tais vestes, minha queda”.
Quand’elli ebbe ’l suo dir così compiuto,
la fiamma dolorando si partio,
torcendo e dibattendo ’l corno aguto.
Tendo, pois, desta sorte concluído,
Aquela flama se partiu gemendo
E agitando o seu vórtice estorcido.
Noi passamm’oltre, e io e ’l duca mio,
su per lo scoglio infino in su l’altr’arco
che cuopre ’l fosso in che si paga il fio
Eu e Virgílio, então, seguido havendo
Pelo rochedo, ao arco nós subimos,
Que o nono fosso cobre, onde sofrendo
a quei che scommettendo acquistan carco.
Os que cizânia semearam vimos.
Canto XXVIII
Canto XXVIII, nel quale tratta le qualitadi de la nona bolgia, dove l’auttore vide punire coloro che commisero scandali, e’ seminatori di scisma e discordia e d’ogne altro male operare.
No nono compartimento os Poetas encontram os semeadores de cismas e escândalos civis e religiosos. Dante vê Maomé, que o encarrega de uma embaixada para o herege rei Dolcino; fala também com outros danados.
Chi poria mai pur con parole sciolte
dicer del sangue e de le piaghe a pieno
ch’i’ ora vidi, per narrar più volte?
Dizer o sangue e as chagas espantosas,
Que eu vi neste lugar, quem poderia,
Em livre prosa e em vezes numerosas?
Ogne lingua per certo verria meno
per lo nostro sermone e per la mente
c’ hanno a tanto comprender poco seno.
Nenhuma língua, certo, bastaria;
Fraca a palavra, inábil nossa mente
Para horror tanto compreender seria.
S’el s’aunasse ancor tutta la gente
che già, in su la fortunata terra
di Puglia, fu del suo sangue dolente
Quando junta estivesse toda gente,
Que lá da Apúlia na infelice terra,
Perdera o sangue seu na luta ingente
per li Troiani e per la lunga guerra
che de l’anella fé sì alte spoglie,
come Livïo scrive, che non erra,
Dos romanos por mãos; e em crua guerra
A que tantos de anéis deixou vencida,
Como refere Lívio, que não erra;
con quella che sentio di colpi doglie
per contastare a Ruberto Guiscardo;
e l’altra il cui ossame ancor s’accoglie
E a que fora por golpes abatida,
Quando a Roberto Guiscardo resistia;
E a que tem sua ossada inda espargida
a Ceperan, là dove fu bugiardo
ciascun Pugliese, e là da Tagliacozzo,
dove sanz’arme vinse il vecchio Alardo;
De Ceperan no campo, onde traía
Cada Apulhês; e que no Tagliacozzo
O Velho Alard sem combater vencia:
e qual forato suo membro e qual mozzo
mostrasse, d’aequar sarebbe nulla
il modo de la nona bolgia sozzo.
Das feridas o aspecto lastimoso
Não fora, qual no fosso nono imundo
Apresentava o bando criminoso.
Già veggia, per mezzul perdere o lulla,
com’io vidi un, così non si pertugia,
rotto dal mento infin dove si trulla.
Qual tonel, que aduelas perde ao fundo,
Estava um pecador, que roto eu via
Das fauces ao lugar que é menos mundo.
Tra le gambe pendevan le minugia;
la corata pareva e ’l tristo sacco
che merda fa di quel che si trangugia.
As entranhas pendiam-lhe; trazia
Patentes os pulmões e o saco feio,
Onde o alimento de feição varia.
Mentre che tutto in lui veder m'attacco,
guardommi e con le man s'aperse il petto,
dicendo: “Or vedi com'io mi dilacco!
A contemplá-lo estava de horror cheio,
Eis me encara e me diz, abrindo o peito:
“Vê como eu tenho lacerado o seio!
vedi come storpiato è Mäometto!
Dinanzi a me sen va piangendo Alì,
fesso nel volto dal mento al ciuffetto.
“Mafoma sou, quase pedaços feito;
Antecede-me Ali, que se lamenta:
Do mento à testa o rosto lhe é desfeito.
E tutti li altri che tu vedi qui,
seminator di scandalo e di scisma
fuor vivi, e però son fessi così.
“Todos, que a dor aqui tanto atormenta,
De escândalos, de cismas inventores,
Pendidos têm, qual vês, pena cruenta.
Un diavolo è qua dietro che n’accisma
sì crudelmente, al taglio de la spada
rimettendo ciascun di questa risma,
“Demônio deixo atrás que os pecadores
Aos fios passa de cruel espada.
Da multidão nenhum aos seus furores
quand’avem volta la dolente strada;
però che le ferite son richiuse
prima ch’altri dinanzi li rivada.
“No giro escapa da afrontosa estrada.
Cerrar-se em todo cada golpe horrendo
Antes que torne a olhar-lhe a face irada.
Ma tu chi se’ che ’n su lo scoglio muse,
forse per indugiar d’ire a la pena
ch’è giudicata in su le tue accuse?”.
“Mas quem és, que, na rocha te detendo,
Estás dessa arte a dilatar a pena,
Que Minos te aplicou, teus crimes vendo?”
“Né morte ’l giunse ancor, né colpa ’l mena”,
rispuose ’l mio maestro, “a tormentarlo;
ma per dar lui esperïenza piena,
— “Não é morto; sentença o não condena” —
Torna o Mestre — “não vem por seu castigo,
Mas, para ter experiência plena.
a me, che morto son, convien menarlo
per lo ’nferno qua giù di giro in giro;
e quest’è ver così com’io ti parlo”.
“Descendo ao mais profundo vai comigo,
Que morto sou, dos círculos temidos:
Tão certo é como falo ora contigo”.
Più fuor di cento che, quando l’udiro,
s’arrestaron nel fosso a riguardarmi
per maraviglia, oblïando il martiro.
Ouvindo mais de cento dos punidos,
De espanto a me encarar se demoraram,
Dos seus próprios tormentos esquecidos.
“Or dì a fra Dolcin dunque che s’armi,
tu che forse vedra’ il sole in breve,
s’ello non vuol qui tosto seguitarmi,
— “A Frei Dolcino diz, pois não findaram
Teus dias e hás de ao sol tornar em breve,
Se desejos de ver-me o não tomaram,
sì di vivanda, che stretta di neve
non rechi la vittoria al Noarese,
ch’altrimenti acquistar non saria leve”.
“Que se aperceba; pois, cercando-o, a neve
Dará triunfo à gente de Novara,
A quem vencê-lo assim há de ser leve”.
Poi che l’un piè per girsene sospese,
Mäometto mi disse esta parola;
indi a partirsi in terra lo distese.
Para partir um pé Mafoma alçara
Ao tempo, em que palavras tais dizia:
Baixou-o e foi-se, apenas rematara.
Un altro, che forata avea la gola
e tronco ’l naso infin sotto le ciglia,
e non avea mai ch’una orecchia sola,
De guela golpeada outro acorria;
Té as celhas nariz tendo truncado,
Uma orelha somente possuía.
ristato a riguardar per maraviglia
con li altri, innanzi a li altri aprì la canna,
ch’era di fuor d’ogne parte vermiglia,
Como os mais, contemplando-me pasmado,
Aos mais se antecipou e, escancarando
O canal, que de sangue era inundado,
e disse: “O tu cui colpa non condanna
e cu’ io vidi in su terra latina,
se troppa simiglianza non m’inganna,
“Ó tu” — falou-me — “que não stás penando,
Que outrora hei visto em região latina,
Se eu não erro, aparências aceitando,
rimembriti di Pier da Medicina,
se mai torni a veder lo dolce piano
che da Vercelli a Marcabò dichina.
“Recorda-te de Pier de Medicina
Se tornar-te for dado ao belo plano,
Que de Vercello a Marcabó se inclina.
E fa sapere a’ due miglior da Fano,
a messer Guido e anco ad Angiolello,
che, se l’antiveder qui non è vano,
“E aos dois nobres varões dize de Fano,
Misser Angiolello e Misser Guido,
Se o futuro antevendo, eu não me engano,
gittati saran fuor di lor vasello
e mazzerati presso a la Cattolica
per tradimento d’un tiranno fello.
“Que do baixel, que os haja conduzido,
De Católica ao pé, ao mar lançados
Serão por ordem de um tirano infido.
Tra l’isola di Cipri e di Maiolica
non vide mai sì gran fallo Nettuno,
non da pirate, non da gente argolica.
“Por Gregos, por piratas perpetrados,
Entre Chipre e Maiorca ao infame feito
Não viu Netuno crimes igualados.
Quel traditor che vede pur con l’uno,
e tien la terra che tale qui meco
vorrebbe di vedere esser digiuno,
“O traidor, que de um olho tem defeito,
Dessa terra opressor, que um companheiro
Meu tivera em não vê-la mor proveito,
farà venirli a parlamento seco;
poi farà sì, ch’al vento di Focara
non sarà lor mestier voto né preco”.
“Irão a seu convite prazenteiro
Para acordo; mas votos de Foscara
Não fará por temer vento ponteiro”.
E io a lui: “Dimostrami e dichiara,
se vuo’ ch’i’ porti sù di te novella,
chi è colui da la veduta amara”.
“Revela-me” tornei-lhe — “e me declara,
Desse favor, que deprecaste, em troca,
Quem de ver essa terra se pesara”.
Allor puose la mano a la mascella
d’un suo compagno e la bocca li aperse,
gridando: “Questi è desso, e non favella.
As mãos de um pecador alçando à boca,
Escancarou-a e disse-me gritando:
— “É este; a voz, porém, se lhe sufoca.
Questi, scacciato, il dubitar sommerse
in Cesare, affermando che ’l fornito
sempre con danno l’attender sofferse”.
“Exulado, ele foi quem, dissipando
Hesitações de César, lhe afirmava
Que a ocasião perdia demorando”.
Oh quanto mi pareva sbigottito
con la lingua tagliata ne la strozza
Curïo, ch’a dir fu così ardito!
Oh! quão pávido Cúrio se mostrava,
Tendo cortada a língua na garganta,
Que outrora tanta audácia aconselhava!
E un ch’avea l’una e l’altra man mozza,
levando i moncherin per l’aura fosca,
sì che ’l sangue facea la faccia sozza,
Dos decepados braços alevanta
Outro os cotos ao ar caliginoso:
Banha-lhe o sangue a face, que me espanta.
gridò: “Ricordera’ ti anche del Mosca,
che disse, lasso!, ’Capo ha cosa fatta’,
che fu mal seme per la gente tosca”.
Gritou: — “Memora Mosca desditoso!
Fui quem disse: — O seu fim tem cousa feita!
Fatal dito, à Toscana, ai! bem danoso!”
E io li aggiunsi: “E morte di tua schiatta”;
per ch’elli, accumulando duol con duolo,
sen gio come persona trista e matta.
“E à tua raça, que à morte foi sujeita!”
Atalhei. Sobre a dor, dor se acendendo
Em desesp’rança se partiu desfeita.
Ma io rimasi a riguardar lo stuolo,
e vidi cosa ch’io avrei paura,
sanza più prova, di contarla solo;
Aquela multidão stava atendendo,
Cousa assombrosa eis vejo, que inda hesito
Em narrar, provas outras eu não tendo.
se non che coscïenza m'assicura,
la buona compagnia che l'uom francheggia
sotto l'asbergo del sentirsi pura.
Da consciência já me alenta o grito,
Sócia fiel, que o homem torna forte,
Sob o arnês da verdade, sempre invicto.
Io vidi certo, e ancor par ch’io ’l veggia,
un busto sanza capo andar sì come
andavan li altri de la trista greggia;
Eu via, e cuido ver na mesma sorte
Apropinquar-se um corpo sem cabeça,
Por entre os outros da infeliz coorte,
e ’l capo tronco tenea per le chiome,
pesol con mano a guisa di lanterna:
e quel mirava noi e dicea: “Oh me!”.
Caminha, alçando-a pela coma espessa,
Da mão pendente a modo de lanterna:
Gemendo, os olhos seus nos endereça.
Di sé facea a sé stesso lucerna,
ed eran due in uno e uno in due;
com’esser può, quei sa che sì governa.
Servia ele a si próprio de luzerna,
Eram duas em um, era um em duas:
Como ser pode, sabe o que governa.
Quando diritto al piè del ponte fue,
levò ’l braccio alto con tutta la testa
per appressarne le parole sue,
Chegado ao pé da ponte, das mãos suas
Um ao alto a cabeça levantava
Para lhe ouvirmos as palavras cruas.
che fuoro: “Or vedi la pena molesta,
tu che, spirando, vai veggendo i morti:
vedi s’alcuna è grande come questa.
“Vê meu duro castigo!” — assim falava —
“Tu, que os mortos visitas, sendo em vida:
Outro já viste igual ao que me agrava?
E perché tu di me novella porti,
sappi ch’i’ son Bertram dal Bornio, quelli
che diedi al re giovane i ma’ conforti.
“Eu sou — faz minha história conhecida,
Voltando à luz — Bertran de Born, que há dado
Ao jovem Rei consulta, em mal tecida.
Io feci il padre e ’l figlio in sé ribelli;
Achitofèl non fé più d’Absalone
e di Davìd coi malvagi punzelli.
“Pai e filho inimigos hei tornado:
As iras de Absalão mais não movera.
Contra Davi Aquitofel malvado.
Perch’io parti’ così giunte persone,
partito porto il mio cerebro, lasso!,
dal suo principio ch’è in questo troncone.
“Laços tais como eu, pérfido, rompera,
Meu cérebro assim levo desunido
Desse princípio, que no corpo impera:
Così s’osserva in me lo contrapasso”.
Por lei sou, pois, de talião punido”.
Canto XXIX
Canto XXIX, ove tratta de la decima bolgia, dove si puniscono i falsi fabricatori di qualunque opera, e isgrida e riprende l’autore i Sanesi.
Chegando ao décimo compartimento, os Poetas ouvem os lamentações dos falsários, que aí são punidos com úlceras fétidas e enfermidades nauseantes. Em primeiro lugar estão os alquimistas, entre os quais Griffolino e Capocchio.
La molta gente e le diverse piaghe
avean le luci mie sì inebrïate,
che de lo stare a piangere eran vaghe.
Meus olhos tanto inebriado haviam
A turba enorme e o seu cruel tormento,
Que alívio em pranto procurar queriam.
Ma Virgilio mi disse: “Che pur guate?
perché la vista tua pur si soffolge
là giù tra l’ombre triste smozzicate?
“Por que assim” — diz Virgílio — “estás atento?
Por que a vista dos tristes mutilados
Prende-te ainda o duro sofrimento?
Tu non hai fatto sì a l’altre bolge;
pensa, se tu annoverar le credi,
che miglia ventidue la valle volge.
“Tal não fizeste em antros já passados.
Estão, se os resenhar é tenção tua,
Por milhas vinte e duas derramados.
E già la luna è sotto i nostri piedi;
lo tempo è poco omai che n’è concesso,
e altro è da veder che tu non vedi”.
“Já sob os nossos pés evolve a lua;
É-nos escasso o tempo concedido:
O que ainda hás de ver detença exclua”.
“Se tu avessi”, rispuos’io appresso,
“atteso a la cagion per ch’io guardava,
forse m’avresti ancor lo star dimesso”.
“Talvez se houveras” — torno — “conseguido
Ver o motivo, por que eu tanto olhava,
Mais demora tivesses permitido”.
Parte sen giva, e io retro li andava,
lo duca, già faccendo la risposta,
e soggiugnendo: “Dentro a quella cava
Já se partia; e eu logo caminhava,
Enquanto assim falava-lhe em resposta,
Acrescentando: “Lá, naquela cava,
dov’io tenea or li occhi sì a posta,
credo ch’un spirto del mio sangue pianga
la colpa che là giù cotanto costa”.
“Onde a vista cuidosa estava posta,
Da stirpe minha um spírito carpia
Por culpa, a que mor pena está disposta”.
Allor disse ’l maestro: “Non si franga
lo tuo pensier da qui innanzi sovr’ello.
Attendi ad altro, ed ei là si rimanga;
“Não te confranjas mais” — responde o Guia —
“Nos males, que padece, cogitando.
De aí cuida; estar nesse antro merecia.
ch’io vidi lui a piè del ponticello
mostrarti e minacciar forte col dito,
e udi’ ’l nominar Geri del Bello.
“Ao pé da ponte o vi, que, te indicando,
O dedo alçava em cominante gesto:
Geri del Bello estavam-no chamando.
Tu eri allor sì del tutto impedito
sovra colui che già tenne Altaforte,
che non guardasti in là, sì fu partito”.
“Eras absorto no semblante mesto
Daquele que senhor foi de Altaforte:
Quando atentaste, se ausentara presto”.
“O duca mio, la vïolenta morte
che non li è vendicata ancor”, diss’io,
“per alcun che de l’onta sia consorte,
“Ó Mestre” — eu disse — “a violenta morte
Que ainda não punia justa vingança
De quem naquela afronta era consorte,
fece lui disdegnoso; ond’el sen gio
sanza parlarmi, sì com’ïo estimo:
e in ciò m’ ha el fatto a sé più pio”.
“Deu causa a usar, ao ver-me, essa esquivança
Talvez e ao seu silêncio: assim pensando
Maior piedade do seu mal me alcança”.
Così parlammo infino al loco primo
che de lo scoglio l’altra valle mostra,
se più lume vi fosse, tutto ad imo.
Ao rochedo chegamos praticando,
Donde outro vai divisa-se: o seu fundo
Todo se vira, a luz não lhe faltando.
Quando noi fummo sor l’ultima chiostra
di Malebolge, sì che i suoi conversi
potean parere a la veduta nostra,
Subidos do final claustro profundo
De Malebolge à ponte, onde os conversos
Já distinguia do recinto imundo.
lamenti saettaron me diversi,
che di pietà ferrati avean li strali;
ond’io li orecchi con le man copersi.
Lamentos e ais feriram-me diversos;
De mágua tanta o peito assetearam,
Que os ouvidos tapei aos sons adversos.
Qual dolor fora, se de li spedali
di Valdichiana tra ’l luglio e ’l settembre
e di Maremma e di Sardigna i mali
Tão penetrante dor denunciaram,
Como se da Marena e da Sardenha
Enfermos no verão se incorporaram.
fossero in una fossa tutti ’nsembre,
tal era quivi, e tal puzzo n’usciva
qual suol venir de le marcite membre.
De outros à turba, que remédio venha
Nos hospitais buscar de Valdichiana.
Odor surdia, igual ao que já tenha
Noi discendemmo in su l’ultima riva
del lungo scoglio, pur da man sinistra;
e allor fu la mia vista più viva
Corrupto corpo, e se gangrena o dana.
Baixando à sestra até a riva extrema
Mais claramente da caverna insana
giù ver’ lo fondo, là ’ve la ministra
de l’alto Sire infallibil giustizia
punisce i falsador che qui registra.
Então vimos o fundo, onde a Suprema
Infalível Justiça, a raça ímpia
Dos falsários em pena infinda prema.
Non credo ch’a veder maggior tristizia
fosse in Egina il popol tutto infermo,
quando fu l’aere sì pien di malizia,
“De Egina quando o povo adoecia,
E o ar maligno aos animais a morte
Trazendo, os próprios vermes extinguia,
che li animali, infino al picciol vermo,
cascaron tutti, e poi le genti antiche,
secondo che i poeti hanno per fermo,
Deserta sendo a terra de tal sorte
Que às formigas (poetas o afirmavam)
Deveu a antiga gente o alento forte:
si ristorar di seme di formiche;
ch’era a veder per quella oscura valle
languir li spirti per diverse biche.
Cenas tais mais tristeza não causavam
Do que almas ver, que essa prisão sombria
Em rumas várias lânguidas juncavam.
Qual sovra ’l ventre e qual sovra le spalle
l’un de l’altro giacea, e qual carpone
si trasmutava per lo tristo calle.
Qual sobre a espalda de outro se estendia,
Qual sobre o ventre seu, qual se arrastando
Na dolorosa estrada se estorcia.
Passo passo andavam sanza sermone,
guardando e ascoltando li ammalati,
che non potean levar le lor persone.
Silentes, passo a passo caminhando,
Vemos, ouvimos míseros prostrados,
Em vão para se erguerem se esforçando.
Io vidi due sedere a sé poggiati,
com’a scaldar si poggia tegghia a tegghia,
dal capo al piè di schianze macolati;
Sentados dois, um no outro recostados,
Quais torteiras que juntas se aquecessem,
Vi do alto aos pés de pústulas manchados
e non vidi già mai menare stregghia
a ragazzo aspettato dal segnorso,
né a colui che mal volontier vegghia,
Os criados, que os amos seus apressem,
Ou que estejam velando de mau grado
Almofaça não vi que assim movessem,
come ciascun menava spesso il morso
de l’unghie sopra sé per la gran rabbia
del pizzicor, che non ha più soccorso;
Como cada um se agita acelerado,
Com implacáveis unhas se mordendo,
De raivoso prurido atormentado.
e sì traevan giù l’unghie la scabbia,
come coltel di scardova le scaglie
o d’altro pesce che più larghe l’abbia.
Iam da pele as crostas abatendo,
Como a faca do sargo arranca a escama
Ou de peixe, na casca mais horrendo.
“O tu che con le dita ti dismaglie”,
cominciò ’l duca mio a l’un di loro,
“e che fai d’esse talvolta tanaglie,
“Ó tu” contra um dos dois Virgílio exclama,
Que os dedos teus convertes em tenazes
Por desmalhar do corpo a extrema trama,
dinne s’alcun Latino è tra costoro
che son quinc’entro, se l’unghia ti basti
etternalmente a cotesto lavoro”.
“Diz-me se entre estas almas contumazes
Existe algum Latino; eternamente
Sejam-te as unhas de servir capazes!”
“Latin siam noi, che tu vedi sì guasti
qui ambedue”, rispuose l’un piangendo;
“ma tu chi se’ che di noi dimandasti?”.
“Latinos somos” — torna diligente
Um dos dois padecentes lacrimoso,
“Mas tu quem és? Em declarar consente”.
E ’l duca disse: “I’ son un che discendo
con questo vivo giù di balzo in balzo,
e di mostrar lo ’nferno a lui intendo”.
— “Eu sou que” — diz Virgílio ao desditoso
“De círc’lo em círc’lo este homem vivo guia
Por lhe mostrar o abismo pavoroso”.
Allor si ruppe lo comun rincalzo;
e tremando ciascuno a me si volse
con altri che l’udiron di rimbalzo.
Já cessa o mútuo arrimo, que os unia:
A mim volveu-se cada qual tremendo;
Turba imitou-os, que em redor ouvia.
Lo buon maestro a me tutto s’accolse,
dicendo: “Dì a lor ciò che tu vuoli”;
e io incominciai, poscia ch’ei volse:
Acercou-se-me o Guia assim dizendo:
“Quanto quiseres tu agora dize”.
Eu logo comecei lhe obedecendo:
“Se la vostra memoria non s’imboli
nel primo mondo da l’umane menti,
ma s’ella viva sotto molti soli,
“Nunca a memória vossa finalize!
Na primeira mansão da humana raça!
Mas por sóis numerosos se abalize!
ditemi chi voi siete e di che genti;
la vostra sconcia e fastidiosa pena
di palesarvi a me non vi spaventi”.
“Quem sois? E donde? De o dizer a graça
Fazei: a vossa pena, imunda é certo,
De responder-nos pejo vos não faça.
“Io fui d'Arezzo, e Albero da Siena”,
rispuose l'un, “mi fé mettere al foco;
ma quel per ch'io mori' qui non mi mena.
“De Arezzo fui” disse um “de Siena Alberto
Morte me deu nas chamas, truculento,
Por feito a que não fora o inferno aberto.
Vero è ch’i’ dissi lui, parlando a gioco:
“I’ mi saprei levar per l’aere a volo”;
e quei, ch’avea vaghezza e senno poco,
“Dissera, em gracejar só pondo o intento.
“Alçar-me aos ares posso velozmente”.
Essa arte, por ter curto o entendimento,
volle ch’i’ li mostrassi l’arte; e solo
perch’io nol feci Dedalo, mi fece
ardere a tal che l’avea per figliuolo.
“Houve ele de saber desejo ardente.
Como o não fiz um Dédalo, à fogueira
Mandou-me quem seu pai foi certamente.
Ma ne l’ultima bolgia de le diece
me per l’alchìmia che nel mondo usai
dannò Minòs, a cui fallar non lece”.
“Mas das cavas caí na derradeira
Por sentença de Minos rigorosa:
Foi meu crime a alquimia traiçoeira”.
E io dissi al poeta: “Or fu già mai
gente sì vana come la sanese?
Certo non la francesca sì d'assai!”.
E ao Vate eu disse: “Nunca tão vaidosa
Gente, pôde alguém ver como a de Siena?
Nem a de França há sido tão sestrosa!”
Onde l’altro lebbroso, che m’intese,
rispuose al detto mio: “Tra’ mene Stricca
che seppe far le temperate spese,
O segundo leproso então me acena
Dizendo: “Salvo Stricca, homem poupado,
Que todo o excesso em desprender condena!
e Niccolò che la costuma ricca
del garofano prima discoverse
ne l’orto dove tal seme s’appicca;
“Salvo Nicoló, aquele que inventado
Do cravo tinha a rica especiaria,
O seu uso deixando enraizado!
e tra’ ne la brigata in che disperse
Caccia d’Ascian la vigna e la gran fonda,
e l’Abbagliato suo senno proferse.
“Salvo Caccia de Ascian e a companhia,
Com quem vinhas e bosques esbanjava
E o Abbagliato as chanças esgrimia!
Ma perché sappi chi sì ti seconda
contra i Sanesi, aguzza ver’ me l’occhio,
sì che la faccia mia ben ti risponda:
“Para que saibas quem desta arte agrava
Contra os de Siena o teu severo asserto,
No meu triste semblante os olhos crava.
sì vedrai ch’io son l’ombra di Capocchio,
che falsai li metalli con l’alchìmia;
e te dee ricordar, se ben t’adocchio,
“De que ora vês Capocchio já estás certo,
Que alquimista, os metais falsificara,
Sabes como eu, se em recordar acerto,
com’io fui di natura buona scimia”.
Natura, hábil bugio, arremedara”.
Canto XXX
Canto XXX, ove tratta di quella medesima materia e gente.
No décimo compartimento são punidos outras espécies de falsários. Os falsificadores de moedas, tornados hidrópicos, são constantemente atormentados por furiosa sede; entre eles está mestre Adão de Brescia, o qual narra que, à instigação dos condes Guidi, falsificou o florim de Florença. Os que falaram falsamente são perseguidos por febre ardentíssima. O canto termina com uma altercação entre mestre Adão e o grego Sinon. Virgílio repreende Dante pois este pára, escutando as injúrias que os dois trocam entre si.
Nel tempo che Iunone era crucciata
per Semelè contra ’l sangue tebano,
come mostrò una e altra fïata,
Quando Juno, de Semele ciosa,
Contra o sangue tebano se inflamava,
Como o provou por vezes impiedosa,
Atamante divenne tanto insano,
che veggendo la moglie con due figli
andar carcata da ciascuna mano,
Tanta insânia Atamante perturbava,
Que a esposa ao ver, ao colo seu trazendo
Os filhos dois, que a ele encaminhava,
gridò: “Tendiam le reti, sì ch’io pigli
la leonessa e ’ leoncini al varco”;
e poi distese i dispietati artigli,
Gritou: “Redes tendamos! Já stou vendo
Leoa e leõzinhos da embosacada!”
Disse e, raivoso, os braços estendendo
prendendo l’un ch’avea nome Learco,
e rotollo e percosselo ad un sasso;
e quella s’annegò con l’altro carco.
De um, Learco, travava e de pancada
Rodou-o e o percutiu em penedia.
Ao mar lançou-se a mãe com outro abraçada
E quando la fortuna volse in basso
l’altezza de’ Troian che tutto ardiva,
sì che ’nsieme col regno il re fu casso,
Quando a fortuna a cinzas reduzia
A pujança de Tróia, em tudo altiva,
E com seu reino o morto rei jazia,
Ecuba trista, misera e cattiva,
poscia che vide Polissena morta,
e del suo Polidoro in su la riva
Hécuba triste, mísera, cativa,
Depois de morta Polixena vira,
Do Polidoro seu em plaga esquiva,
del mar si fu la dolorosa accorta,
forsennata latrò sì come cane;
tanto il dolor le fé la mente torta.
Súbito quando o corpo descobrira
Uivou qual cão, de angústia possuída.
Tanto a pungente dor nalma a ferira!
Ma né di Tebe furie né troiane
si vider mäi in alcun tanto crude,
non punger bestie, nonché membra umane,
Mas em Tebas ou Tróia destruída
Homens ou feras nunca revelaram
Raiva, em tantos extremos desmedida,
quant’io vidi in due ombre smorte e nude,
che mordendo correvan di quel modo
che ’l porco quando del porcil si schiude.
Como almas duas lívidas, que entraram
Nuas correndo, os dentes amostrando,
Quais cerdos, que à pocilga se esquivaram.
L’una giunse a Capocchio, e in sul nodo
del collo l’assannò, sì che, tirando,
grattar li fece il ventre al fondo sodo.
Uma alcançou Capocchio e, lhe cravando
No colo as presas, rábida, arrastava
Sobre o ventre na rocha o miserando.
E l’Aretin che rimase, tremando
mi disse: “Quel folletto è Gianni Schicchi,
e va rabbioso altrui così conciando”.
Mas o de Arezzo, que tremendo estava
“É Gianni Schicchi” — disse — esse raivoso:
De outros a pena o seu furor agrava!”
“Oh”, diss’io lui, “se l’altro non ti ficchi
li denti a dosso, non ti sia fatica
a dir chi è, pria che di qui si spicchi”.
“Possas livrar-te do outro esp’rito iroso!”
Falei — “Se não te causa assim fadiga,
Diz quem seja, antes de ir-se o furioso”.
Ed elli a me: “Quell’è l’anima antica
di Mirra scellerata, che divenne
al padre, fuor del dritto amore, amica.
“Aquele é” — respondeu — “uma alma antiga;
É Mirra infame, que paixão impia
Instigou ser do pai a sua amiga.
Questa a peccar con esso così venne,
falsificando sé in altrui forma,
come l’altro che là sen va, sostenne,
“Para o seu crime consumar fingia
De outra pessoa as formas e o semblante.
Igual ardil usara Schicchi um dia:
per guadagnar la donna de la torma,
falsificare in sé Buoso Donati,
testando e dando al testamento norma”.
“Para em prêmio alcançar égua farfante:
Contrafez Buoso morto e ao testamento
Falso a norma legal deu, que é prestante”.
E poi che i due rabbiosi fuor passati
sovra cu’ io avea l’occhio tenuto,
rivolsilo a guardar li altri mal nati.
Aos dois raivosos estivera atento
Até que de ante os olhos se apartaram;
De outros volvi-me ao cru padecimento.
Io vidi un, fatto a guisa di lëuto,
pur ch’elli avesse avuta l’anguinaia
tronca da l’altro che l’uomo ha forcuto.
Num do alaúde as formas se notaram
Se as pernas lhe tivessem cerceado
Na parte, em que do tronco se separam.
La grave idropesì, che sì dispaia
le membra con l’omor che mal converte,
che ’l viso non risponde a la ventraia,
Da grave hidropisia molestado,
Que tanto o humor vicia e tanto ofende,
Que o rosto estreita e faz o ventre inchado,
faceva lui tener le labbra aperte
come l’etico fa, che per la sete
l’un verso ’l mento e l’altro in sù rinverte.
A boca ter cerrada em vão pretende,
Qual hético de sede ressequido.
A quem um lábio se alça e o outro pende.
“O voi che sanz’alcuna pena siete,
e non so io perché, nel mondo gramo”,
diss’elli a noi, “guardate e attendete
“Ó vós, que ao negro abismo haveis descido
(Não sei por que razão) de pena isentos,
Olhai” — disse — “prestando atento ouvido,
a la miseria del maestro Adamo;
io ebbi, vivo, assai di quel ch’i’ volli,
e ora, lasso!, un gocciol d’acqua bramo.
“De mestre Adam miséria e sofrimentos
Tive abastança; agora, ai! desejando
De água uma gota, passo mil tormentos,
Li ruscelletti che d’i verdi colli
del Casentin discendon giuso in Arno,
faccendo i lor canali freddi e molli,
“Dos ribeiros, que ao Arno, murmurando
Do Casentino lá na verde encosta
Se vão, por moles álveos inclinando,
sempre mi stanno innanzi, e non indarno,
ché l’imagine lor vie più m’asciuga
che ’l male ond’io nel volto mi discarno.
“Na mente a imagem sempre tenho posta.
Não em vão: mais me seca e me fustiga
Que o mal, de que esta face é descomposta.
La rigida giustizia che mi fruga
tragge cagion del loco ov’io peccai
a metter più li miei sospiri in fuga.
“Quer Justiça, que austera me castiga,
Que o teatro, onde hei crimes cometido,
Mais me acendendo anelos, me persiga.
Ivi è Romena, là dov’io falsai
la lega suggellata del Batista;
per ch’io il corpo sù arso lasciai.
“Lá demora Romena, onde hei fingido
Em falso cunho a imagem do Batista;
Assim meu corpo o fogo há consumido.
Ma s’io vedessi qui l’anima trista
di Guido o d’Alessandro o di lor frate,
per Fonte Branda non darei la vista.
“Se a sombra achasse aqui, se aqui já exista,
De Guido ou de Alexandre ou seu germano!
Fonte-Branda esquecera ante essa vista.
Dentro c’è l’una già, se l’arrabbiate
ombre che vanno intorno dicon vero;
ma che mi val, c’ ho le membra legate?
“Mas um já veio, se induzir-me a engano
Os raivosos, que giram, não quiseram.
Que importa? Para andar em vão me afano.
S’io fossi pur di tanto ancor leggero
ch’i’ potessi in cent’anni andare un’oncia,
io sarei messo già per lo sentiero,
“Se os meus pés transportar-me inda puderam,
De um sec’lo ao cabo, espaço de uma linha,
Já postos a caminho se moveram,
cercando lui tra questa gente sconcia,
con tutto ch’ella volge undici miglia,
e men d’un mezzo di traverso non ci ha.
“A fim de o ver na multidão mesquinha
Do val, que milhas onze em torno amplia,
Com largura, que de uma se avizinha.
Io son per lor tra sì fatta famiglia;
e’ m’indussero a batter li fiorini
ch’avevan tre carati di mondiglia”.
“Star lhes devo em tão triste companhia:
Florins cunhei, aos três obedecendo,
Nos quais quilates três de liga havia”.
E io a lui: “Chi son li due tapini
che fumman come man bagnate ’l verno,
giacendo stretti a’ tuoi destri confini?”.
“Quem são” — lhe disse — os dois que ora estou vendo?
Quais no inverno mãos úmidas fumegam,
À destra tua próximos jazendo”.
“Qui li trovai - e poi volta non dierno -”,
rispuose, “quando piovvi in questo greppo,
e non credo che dieno in sempiterno.
“Já stavam quando vim: eles se entregam,
Dês que desci, a quietação completa;
E creio, assim a eternidade empregam.
L’una è la falsa ch’accusò Gioseppo;
l’altr’è ’l falso Sinon greco di Troia:
per febbre aguta gittan tanto leppo”.
“Uma acusou José, falsária abjeta,
Outro é Sinon, de Tróia o Grego tredo:
Lançam por febre essa fumaça infecta”.
E l’un di lor, che si recò a noia
forse d’esser nomato sì oscuro,
col pugno li percosse l’epa croia.
Anojado um do par, que estava quedo,
Por ver em vozes tais afronta e ofensa,
À pança o punho lhe vibrou sem medo:
Quella sonò come fosse un tamburo;
e mastro Adamo li percosse il volto
col braccio suo, che non parve men duro,
Soou, qual de zabumba a pele tensa.
O braço Mestre Adam lhe envia à face
E assim lhe dá condi’na recompensa.
dicendo a lui: “Ancor che mi sia tolto
lo muover per le membra che son gravi,
ho io il braccio a tal mestiere sciolto”.
“Inda que” — disse — os membros meus enlace
Moléstia, que me tolhe o movimento,
Presteza a destra tem, com que rechace”.
Ond’ei rispuose: “Quando tu andavi
al fuoco, non l’avei tu così presto;
ma sì e più l’avei quando coniavi”.
“Foste” — o outro tornava — “mais que lento
Quando forçado ao fogo caminhavas.
Só presto eras no ofício fraudulento”.
E l’idropico: “Tu di’ ver di questo:
ma tu non fosti sì ver testimonio
là ’ve del ver fosti a Troia richesto”.
“É certo; mas verdade não falavas”
O hidrópico diz — “quando exigiram
Em Tróia essa verdade, que ocultavas”.
“S’io dissi falso, e tu falsasti il conio”,
disse Sinon; “e son qui per un fallo,
e tu per più ch’alcun altro demonio!”.
“Se os lábios meus perjúrio proferiram,
Tu falsaste moeda: eu fiz um crime,
Aos teus nunca em demônio iguais se viram”.
“Ricorditi, spergiuro, del cavallo”,
rispuose quel ch’avëa infiata l’epa;
“e sieti reo che tutto il mondo sallo!”.
“Do cavalo a façanha inda te oprime”
— Responde o que a barriga tinha inchada —
Sobre o teu nome infâmia o mundo imprime”.
“E te sia rea la sete onde ti crepa”,
disse ’l Greco, “la lingua, e l’acqua marcia
che ’l ventre innanzi a li occhi sì t’assiepa!”.
“Arda em sede tua língua já gretada!”
Grita o Grego — “Hajas de água saniosa
O ventre impando, a vista embaraçada!”
Allora il monetier: “Così si squarcia
la bocca tua per tuo mal come suole;
ché, s’i’ ho sete e omor mi rinfarcia,
“Escancaras a boca venenosa”
O moedeiro diz — “por mal somente;
Se sede eu tenho e a pança volumosa
tu hai l’arsura e ’l capo che ti duole,
e per leccar lo specchio di Narcisso,
non vorresti a ’nvitar molte parole”.
“Ardes tu e a cabeça tens fervente.
Por lamberes o espelho de Narciso
A um aceno correras de repente”.
Ad ascoltarli er’io del tutto fisso,
quando ’l maestro mi disse: “Or pur mira,
che per poco che teco non mi risso!”.
Atento estava aos dois mais do preciso,
Eis Virgílio me fala: — “Oh! toma tento!
Quase que eu contra ti me encolerizo!”
Quand’io ’l senti’ a me parlar con ira,
volsimi verso lui con tal vergogna,
ch’ancor per la memoria mi si gira.
Iroso assim falar neste momento
O Mestre ouvindo, voltei-me corrido:
Ainda sinto rubor em pensamento.
Qual è colui che suo dannaggio sogna,
che sognando desidera sognare,
sì che quel ch’è, come non fosse, agogna,
Como quem sonha danos ter sofrido,
Que em sonho espera que sonhando esteja
E anela que o que é já não tenha sido,
tal mi fec’io, non possendo parlare,
che disïava scusarmi, e scusava
me tuttavia, e nol mi credea fare.
A mente, sem dizer, falar deseja.
Desculpas aspirando à falta sua;
Stá desculpada e cuida que o não seja.
“Maggior difetto men vergogna lava”,
disse ’l maestro, “che ’l tuo non è stato;
però d’ogne trestizia ti disgrava.
“Menos rubor lavara a culpa tua”
Disse o Mestre — “se houvera mor graveza:
Fique-te a mente da tristeza nua.
E fa ragion ch’io ti sia sempre allato,
se più avvien che fortuna t’accoglia
dove sien genti in simigliante piato:
“E quando queira o acaso que à torpeza
De iguais debates se ofereça ensejo.
De que eu steja ao teu lado faz certeza,
ché voler ciò udire è bassa voglia”.
Que é ter querendo ouvi-los, vil desejo”.
Canto XXXI
Canto XXXI, ove tratta de’ giganti che guardano il pozzo de l’inferno, ed è il nono cerchio.
Dando as costas ao oitavo círculo, caminham os Poetas para o centro, onde se abre o poço pelo qual se desce ao nono. Em torno do poço estão os gigantes rebeldes, cujas figuras horrendas Dante descreve. Um deles, Anteu, a pedido de Virgílio, toma nos braços os dois poetas e suavemente os depõe sobre a orla do último reduto internal.
Una medesma lingua pria mi morse,
sì che mi tinse l’una e l’altra guancia,
e poi la medicina mi riporse;
A língua, que me havia vulnerado
E a vergonha nas faces me acendera,
O bálsamo aplicava ao mal causado:
così od’io che solea far la lancia
d’Achille e del suo padre esser cagione
prima di trista e poi di buona mancia.
Assim de Aquiles e seu pai fizera,
Dizem, outrora a lança portentosa:
Sarava o corpo, que cruel rompera.
Noi demmo il dosso al misero vallone
su per la ripa che ’l cinge dintorno,
attraversando sanza alcun sermone.
Damos costas à estância desditosa,
Sem proferir palavra atravessando
Sobre a borda, que em torno jaz fragosa.
Quiv’era men che notte e men che giorno,
sì che ’l viso m’andava innanzi poco;
ma io senti’ sonare un alto corno,
Noite não sendo e dia não reinando,
Pouco distante eu divisar podia,
Eis som de trompa escuto, retumbando
tanto ch’avrebbe ogne tuon fatto fioco,
che, contra sé la sua via seguitando,
dirizzò li occhi miei tutti ad un loco.
Tão alto, que o trovão transcenderia,
Donde irrompera contra a parte andava
E sôfrego a um só ponto olhos prendia.
Dopo la dolorosa rotta, quando
Carlo Magno perdé la santa gesta,
non sonò sì terribilmente Orlando.
A de Orlando tão forte não soava
Na derrota fatal, que a santa empresa
De Carlos Magno o desbarato dava.
Poco portäi in là volta la testa,
che me parve veder molte alte torri;
ond’io: “Maestro, dì, che terra è questa?”.
Já assim por diante: eis a grandeza
De muitas e altas torres me aparece.
“Qual é” — digo — “essa vasta fortaleza?”
Ed elli a me: “Però che tu trascorri
per le tenebre troppo da la lungi,
avvien che poi nel maginare abborri.
“Pois de tão longe e em trevas te apetece
Julgar” — Virgílio diz — “um erro agora
Imaginando estejas acontece.
Tu vedrai ben, se tu là ti congiungi,
quanto ’l senso s’inganna di lontano;
però alquanto più te stesso pungi”.
“Verás ali chegado, sem demora,
Quanto a distância a vista nos engana:
O passo acelerar convém por ora”.
Poi caramente mi prese per mano
e disse: “Pria che noi siam più avanti,
acciò che ’l fatto men ti paia strano,
Da mão travou-me e em voz suave e lhana
O Mestre prosseguiu: “Antes que avante
Passes, dessa ilusão te desengana.
sappi che non son torri, ma giganti,
e son nel pozzo intorno da la ripa
da l’umbilico in giuso tutti quanti”.
“O que torre imaginas é gigante.
Da cinta aos pés imergem-se no poço,
E alçam bustos em torno ao espaço hiante”.
Come quando la nebbia si dissipa,
lo sguardo a poco a poco raffigura
ciò che cela ’l vapor che l’aere stipa,
Quando o sol gasta o nevoeiro grosso,
Pouco a pouco se mostra e é discernido
Quanto oculta o vapor ao olhar nosso:
così forando l’aura grossa e scura,
più e più appressando ver’ la sponda,
fuggiemi errore e cresciemi paura;
Vendo assim por esse ar escurecido,
Da borda mais e mais me apropinquando,
Fugia o erro, o horror tinha crescido.
però che, come su la cerchia tonda
Montereggion di torri si corona,
così la proda che ’l pozzo circonda
Como torres em roda se elevando,
Montereggion guarnecem de coroa:
Assim do poço a margem circundando,
torreggiavan di mezza la persona
li orribili giganti, cui minaccia
Giove del cielo ancora quando tuona.
Torreiam com metade da pessoa
Os horríveis gigantes, que ameaça
Do céu ainda Jove, quando troa.
E io scorgeva già d’alcun la faccia,
le spalle e ’l petto e del ventre gran parte,
e per le coste giù ambo le braccia.
Distingo a cara de um (e me transpassa
O medo), logo os braços, peitos e parte
Do ventre, que da borda a altura passa.
Natura certo, quando lasciò l’arte
di sì fatti animali, assai fé bene
per tòrre tali essecutori a Marte.
Bem fez a natureza, quando essa arte
De tais monstros criar há descurado,
De iguais agentes desarmando Marte.
E s’ella d’elefanti e di balene
non si pente, chi guarda sottilmente,
più giusta e più discreta la ne tene;
Se ainda a selva e mar têm povoado
Do elefante e baleia, sutilmente
Quem pensa justa e sábia a tem julgado.
ché dove l'argomento de la mente
s'aggiugne al mal volere e a la possa,
nessun riparo vi può far la gente.
Mal seria aos humanos permanente,
Se perspicaz engenho encaminhasse
Maligno instinto em robustez ingente.
La faccia sua mi parea lunga e grossa
come la pina di San Pietro a Roma,
e a sua proporzione eran l’altre ossa;
Larga e comprida, pareceu-me a face,
Qual de S. Pedro, em Roma, a brônzea pinha:
A proporção nas outras partes dá-se.
sì che la ripa, ch’era perizoma
dal mezzo in giù, ne mostrava ben tanto
di sovra, che di giugnere a la chioma
O corpo, que da borda acima vinha,
Tanto ao ar elevava a grã figura,
Que três Frisões, por lhe atingir a linha
tre Frison s’averien dato mal vanto;
però ch’i’ ne vedea trenta gran palmi
dal loco in giù dov’omo affibbia ’l manto.
Da cerviz, não fariam tanta altura,
Porquanto eu esmava em trinta grande palmos
Do colo ao pescoço a válida estatura.
“Raphèl maì amècche zabì almi”,
cominciò a gridar la fiera bocca,
cui non si convenia più dolci salmi.
Rafael mai amècch zabi almos
A pavorosa boca assim bradava;
Não podia entoar mais doces salmos.
E ’l duca mio ver’ lui: “Anima sciocca,
tienti col corno, e con quel ti disfoga
quand’ira o altra passïon ti tocca!
Disse-lhe o Mestre: “Ó alma bruta e brava!
Tange a trompa, se queres lenitivo
À paixão, que te acende ardente lava.
Cércati al collo, e troverai la soga
che ’l tien legato, o anima confusa,
e vedi lui che ’l gran petto ti doga”.
“A roda busca do pescoço altivo
O loro, a que se prende alma confusa!
Vê que te cruza o vasto peito esquivo”.
Poi disse a me: “Elli stessi s’accusa;
questi è Nembrotto per lo cui mal coto
pur un linguaggio nel mondo non s’usa.
Depois a mim: “De quanto fez se acusa,
É Nemrod; por tomar estulta empresa
O mundo uma linguagem só não usa.
Lasciànlo stare e non parliamo a vòto;
ché così è a lui ciascun linguaggio
come ’l suo ad altrui, ch’a nullo è noto”.
“Deixêmo-lo: falar-lhe é vã despesa.
Como idioma de outros não compreende,
A quem o escuta o seu move estranheza”.
Facemmo adunque più lungo vïaggio,
vòlti a sinistra; e al trar d’un balestro
trovammo l’altro assai più fero e maggio.
Vamos então caminho, que se estende
À sestra. Outro, de besta quase a tiro,
Está mais fero, o ar mais alto fende.
A cigner lui qual che fosse ’l maestro,
non so io dir, ma el tenea soccinto
dinanzi l’altro e dietro il braccio destro
Que mão cativa o monstro, que admiro
Dizer não sei: o seu direito braço
Ao dorso preso vi, e ao peito diro
d’una catena che ’l tenea avvinto
dal collo in giù, sì che ’n su lo scoperto
si ravvolgëa infino al giro quinto.
O outro, de grilhão no estreito laço,
Que com círculos cinco lhe cercava
Do enorme corpo o descoberto espaço.
“Questo superbo volle esser esperto
di sua potenza contra ’l sommo Giove”,
disse ’l mio duca, “ond’elli ha cotal merto.
“Esse réprobo” — diz Virgílio — “ousava
Medir forças com Jove soberano:
Eis o fruto do orgulho, que o danava!
Fïalte ha nome, e fece le gran prove
quando i giganti fer paura a’ dèi;
le braccia ch’el menò, già mai non move”.
“Era Efialto: executou seu plano,
Quando aos Deuses gigantes aterraram.
Jamais os braços mover pode o insano”.
E io a lui: “S’esser puote, io vorrei
che de lo smisurato Brïareo
esperïenza avesser li occhi mei”.
“Os meus olhos, ó Mestre, assaz folgaram,
De Briaréu se vissem desmarcado
As formas” vozes minhas lhe tornaram.
Ond’ei rispuose: “Tu vedrai Anteo
presso di qui che parla ed è disciolto,
che ne porrà nel fondo d’ogne reo.
“Anteu verás”, — me diz — muito afamado:
Stá solto, fala e nos demora perto,
Há de ao fundo levar-nos de bom grado.
Quel che tu vuo’ veder, più là è molto
ed è legato e fatto come questo,
salvo che più feroce par nel volto”.
“Remoto esse outro fica, e tem por certo
Que em grilhões e estatura àquele iguala:
Mais fero em vulto, em mal é mais esperto”.
Non fu tremoto già tanto rubesto,
che scotesse una torre così forte,
come Fïalte a scuotersi fu presto.
Jamais um terremoto a torre abala
Em convulsões tão rápido, tão forte,
Como Efialto a mover-se. Eu já sem fala,
Allor temett’io più che mai la morte,
e non v’era mestier più che la dotta,
s’io non avessi viste le ritorte.
Assombrado, cuidei ter perto a morte;
E de pavor sem dúvida expirara,
Se ele preso não fosse, e de tal sorte.
Noi procedemmo più avante allotta,
e venimmo ad Anteo, che ben cinque alle,
sanza la testa, uscia fuor de la grotta.
Presto ao lugar seguimos, onde pára
Anteu: fora a cabeça, em cinco braças
À borda sobreleva, o que separa.
“O tu che ne la fortunata valle
che fece Scipïon di gloria reda,
quand’Anibàl co’ suoi diede le spalle,
“Tu, que no val feliz, aonde as graças
E as palmas de Cipião colheu da glória,
Quando Aníbal vexavam só desgraças,
recasti già mille leon per preda,
e che, se fossi stato a l’alta guerra
de’ tuoi fratelli, ancor par che si creda
“Mil leões apresaste por memória;
Que, aos irmãos se ajudaras na alta guerra,
Se crê triunfo registrasse a história
ch’avrebber vinto i figli de la terra:
mettine giù, e non ten vegna schifo,
dove Cocito la freddura serra.
“Dos fortes filhos da fecunda Terra!
Ao fundo transportar-nos sê servido,
Onde ao Cocito o frio as águas cerra:
Non ci fare ire a Tizio né a Tifo:
questi può dar di quel che qui si brama;
però ti china e non torcer lo grifo.
“Te hemos a Tifo e a Tício preferido.
Dar pode este varão o que mais se ama:
Curvando-te compraz ao seu pedido.
Ancor ti può nel mondo render fama,
ch’el vive, e lunga vita ancor aspetta
se ’nnanzi tempo grazia a sé nol chiama”.
“No mundo pode restaurar-te a fama,
Pois vive e ainda longa vida espera,
Salvo se a Graça antes do tempo o chama”.
Così disse ’l maestro; e quelli in fretta
le man distese, e prese ’l duca mio,
ond’Ercule sentì già grande stretta.
Falara o Mestre. Anteu não considera:
Toma-o logo nas mãos, que lesto of’rece
E a que sentira Alcide a força fera.
Virgilio, quando prender si sentio,
disse a me: “Fatti qua, sì ch’io ti prenda”;
poi fece sì ch’un fascio era elli e io.
Quando entre os dedos seus Virgílio vê-se,
Diz-me: “Faze-te prestes, que eu te abrace!”
S Ao Mestre o meu querer pronto obedece.
Qual pare a riguardar la Carisenda
sotto 'l chinato, quando un nuvol vada
sovr'essa sì, ched ella incontro penda:
Quem Carisenda, em seu pendor olhasse,
Cuidara, ao passar nuvem, que iminente
Ruína ao lado oposto ameaçasse:
tal parve Antëo a me che stava a bada
di vederlo chinare, e fu tal ora
ch’i’ avrei voluto ir per altra strada.
Tal Anteu parecia de repente
Do corpo ao menear; quando o inclinava,
Estrada eu preferia diferente.
Ma lievemente al fondo che divora
Lucifero con Giuda, ci sposò;
né, sì chinato, lì fece dimora,
Mas de leve no fundo nos pousava,
De Judas e de Lúcifer assento.
A postura deixando, que o dobrava,
e come albero in nave si levò.
Qual mastro empertigou-se num momento.
Canto XXXII
Canto XXXII, nel quale tratta de’ traditori di loro schiatta e de’ traditori de la loro patria, che sono nel pozzo de l’inferno.
Os dois Poetas se encontram no círculo, em cujo pavimento de duríssimo gelo estão presos os traidores. O círculo é dividido em quatro partes; na Caina, de Caim, que matou o irmão, estão os traidores do próprio sangue; na Antenora, de Antenor, troiano que ajudou os Gregos a conquistar Tróia, os traidores da pátria e do próprio partido; na Ptoloméia, de Ptolomeu, que traiu Pompeu, os traidores dos amigos; na Judeca, de Judas, traidor de Jesus, os traidores dos benfeitores e dos seus senhores. Dante fala com vários danados, enquanto atravessam o gelo procedendo para o centro.
S’ïo avessi le rime aspre e chiocce,
come si converrebbe al tristo buco
sovra ’l qual pontan tutte l’altre rocce,
Se usasse rimas ásperas, rouquenhas,
Próprias do poço lôbrego e tristonho,
Que do inferno sustém as outras penhas,
io premerei di mio concetto il suco
più pienamente; ma perch’io non l’abbo,
non sanza tema a dicer mi conduco;
Melhor idéia do lugar medonho
Dera; mas tal vantagem me falece.
O meu conceito, pois, tímido exponho.
ché non è impresa da pigliare a gabbo
discriver fondo a tutto l’universo,
né da lingua che chiami mamma o babbo.
É árdua empresa, em que o ânimo esmorece
O centro descrever do mundo inteiro:
Para empenho infantil ser não parece.
Ma quelle donne aiutino il mio verso
ch’aiutaro Anfïone a chiuder Tebe,
sì che dal fatto il dir non sia diverso.
Das Musas se ajudar poder fagueiro,
Como a Anfião em Tebas o mostraram,
Fiel serei dizendo e verdadeiro.
Oh sovra tutte mal creata plebe
che stai nel loco onde parlare è duro,
mei foste state qui pecore o zebe!
Ó malfadada turba, a quem tocaram
Deste abismo os castigos, bruto gado
Sendo, fados melhores te aguardaram.
Come noi fummo giù nel pozzo scuro
sotto i piè del gigante assai più bassi,
e io mirava ancora a l’alto muro,
Descidos nós ao poço negregado
Das plantas muito abaixo do gigante,
O alto muro mirava-lhe espantado,
dicere udi’ mi: “Guarda come passi:
va sì, che tu non calchi con le piante
le teste de’ fratei miseri lassi”.
Quando ouvi: “Tem cuidado, ó caminhante!
Não calques de irmãos teus desventurados
As frontes”. Eu, voltando-me, adiante
Per ch’io mi volsi, e vidimi davante
e sotto i piedi un lago che per gelo
avea di vetro e non d’acqua sembiante.
E sob os pés, de um lago vi gelados
Os planos tanto, que os dizer podia,
Não de água, de cristal, porém, formados.
Non fece al corso suo sì grosso velo
di verno la Danoia in Osterlicchi,
né Tanaï là sotto ’l freddo cielo,
Do Danúbio a corrente não seria
Tanto em Áustria no inverno enrijecida,
Nem do Tanais, na zona sempre fria.
com’era quivi; che se Tambernicchi
vi fosse sù caduto, o Pietrapana,
non avria pur da l’orlo fatto cricchi.
Do lago sobre a face empedernida
Caísse ou Tambernich ou Pietrana:
Não fora ao peso enorme combalida.
E come a gracidar si sta la rana
col muso fuor de l’acqua, quando sogna
di spigolar sovente la villana,
Qual rã, que no paul coaxando, ufana
Um pouco emerge, enquanto a camponesa
Sonhando está que a respigar se afana:
livide, insin là dove appar vergogna
eran l’ombre dolenti ne la ghiaccia,
mettendo i denti in nota di cicogna.
Tais gemiam as sombra na frieza
Té a cintura lívidas, batendo,
Como a cegonha, os queixos com presteza.
Ognuna in giù tenea volta la faccia;
da bocca il freddo, e da li occhi il cor tristo
tra lor testimonianza si procaccia.
Para o seio a cabeça lhes pendendo,
Do frio a boca indícios claros dava,
Nos olhos a tristeza está-se vendo.
Quand’io m’ebbi dintorno alquanto visto,
volsimi a’ piedi, e vidi due sì stretti,
che ’l pel del capo avieno insieme misto.
Quando atentei no quanto em roda estava,
Duas vi aos meus pés, em tal abraço,
Que, travado, o cabelo se enleava.
“Ditemi, voi che sì strignete i petti”,
diss’io, “chi siete?”. E quei piegaro i colli;
e poi ch’ebber li visi a me eretti,
“Quem sois que os peitos nesse estreito laço
Apertais?” — perguntei. Então, voltando
Os colos para trás, um curto espaço
li occhi lor, ch’eran pria pur dentro molli,
gocciar su per le labbra, e ’l gelo strinse
le lagrime tra essi e riserrolli.
Me encararam; porém dos olhos quando
Lhes brotavam as lágrimas, a neve
Cerrou-os entre os cílios as coalhando.
Con legno legno spranga mai non cinse
forte così; ond’ei come due becchi
cozzaro insieme, tanta ira li vinse.
Nunca dois lenhos tanto unidos teve
Cavilha: eles, de irados, se investiram,
Quais capros, que a marrar o furor leve.
E un ch’avea perduti ambo li orecchi
per la freddura, pur col viso in giùe,
disse: “Perché cotanto in noi ti specchi?
Terceiro, a quem, geladas lhe caíram
As orelhas, com rosto baixo fala:
“Por que teus olhos sôfregos nos miram?
Se vuoi saper chi son cotesti due,
la valle onde Bisenzo si dichina
del padre loro Alberto e di lor fue.
“O par desejas conhecer, que cala?
Próprio lhes fora e ao genitor Alberto
O vale, onde o Bisênzio faz escala.
D’un corpo usciro; e tutta la Caina
potrai cercare, e non troverai ombra
degna più d’esser fitta in gelatina:
“De um só ventre nasceram; tu, por certo,
Não acharás mais di’nos em Caína,
De ter de gelo o vulto seu coberto,
non quelli a cui fu rotto il petto e l’ombra
con esso un colpo per la man d’Artù;
non Focaccia; non questi che m’ingombra
“Nem esse, a quem de Artus destra assassina
De um bote o peito e a sombra transpassara;
Nem Focácia e o que a fronte agora inclina,
col capo sì, ch’i’ non veggio oltre più,
e fu nomato Sassol Mascheroni;
se tosco se’, ben sai omai chi fu.
“A vista me tolhendo, e se chamara
Mascheroni Sassol, bem conhecido:
Se és Toscano, esse nome te bastara.
E perché non mi metti in più sermoni,
sappi ch’i’ fu’ il Camiscion de’ Pazzi;
e aspetto Carlin che mi scagioni”.
“Fique, por vozes escusar, sabido
Que Pazzi eu sou e que, em Carlin chegando,
Serei por menos criminoso havido”.
Poscia vid’io mille visi cagnazzi
fatti per freddo; onde mi vien riprezzo,
e verrà sempre, de’ gelati guazzi.
Mil outros via roxos tiritando:
Desde então de arrepios sou tomado
Ante gélidos vaus, este lembrando,
E mentre ch’andavamo inver’ lo mezzo
al quale ogne gravezza si rauna,
e io tremava ne l’etterno rezzo;
E o centro demandando, em que firmado
Do universo gravita todo o peso,
Trêmulo havia a treva eterna entrado,
se voler fu o destino o fortuna,
non so; ma, passeggiando tra le teste,
forte percossi ’l piè nel viso ad una.
Eis, sem querer, da sorte ou por desprezo,
Entre tantas cabeças caminhando,
A face de um calquei no gelo preso.
Piangendo mi sgridò: “Perché mi peste?
se tu non vieni a crescer la vendetta
di Montaperti, perché mi moleste?”.
“Por que me pisas?” reclamou chorando,
“De Monte Aperti ao feito por vingança
Inda me estás desta arte molestando?
E io: “Maestro mio, or qui m’aspetta,
sì ch’io esca d’un dubbio per costui;
poi mi farai, quantunque vorrai, fretta”.
“Mestre, espera-me aqui” — disse — “Me lança
Em dúvida este mau: solvê-la quero.
Eu depois correrei, se houver tardança”.
Lo duca stette, e io dissi a colui
che bestemmiava duramente ancora:
“Qual se’ tu che così rampogni altrui?”.
Parou; e ao pecador falei, que fero,
Duras blasfêmias proferia agora:
“Quem és tu, que me increpas tão severo?”
“Or tu chi se’ che vai per l’Antenora,
percotendo”, rispuose, “altrui le gote,
sì che, se fossi vivo, troppo fora?”.
“E tu mesmo quem és, que na Antenora”
Tornou — “dessa arte as faces me espezinhas?
Um vivo, certo, menos cru me fora”.
“Vivo son io, e caro esser ti puote”,
fu mia risposta, “se dimandi fama,
ch’io metta il nome tuo tra l’altre note”.
“Sou vivo e posso entre as memórias minhas
Do nome teu apregoar a fama”
Respondi — “se te aprazem louvaminhas”.
Ed elli a me: “Del contrario ho io brama.
Lèvati quinci e non mi dar più lagna,
ché mal sai lusingar per questa lama!”.
“Só quer o olvido quem te fala” — exclama
“Vai-te! De sobra já me estás molesto.
Aqui não cabe da lisonja a trama”.
Allor lo presi per la cuticagna
e dissi: “El converrà che tu ti nomi,
o che capel qui sù non ti rimagna”.
Travei da nuca ao pecador infesto
E disse: — “Ou perderás todo o cabelo,
Ou quem tu foste me declara presto!”
Ond’elli a me: “Perché tu mi dischiomi,
né ti dirò ch’io sia, né mosterrolti
se mille fiate in sul capo mi tomi”.
“Mil vezes podes arrancar-me o pêlo,
De ver-me a face não terás o gosto
E de saber qual foi meu nome e apelo”.
Io avea già i capelli in mano avvolti,
e tratti glien’avea più d’una ciocca,
latrando lui con li occhi in giù raccolti,
As mãos lhe havia no cabelo posto;
Da guedelha uma parte arrepelara:
Ganindo ele abaixava sempre o rosto,
quando un altro gridò: “Che hai tu, Bocca?
non ti basta sonar con le mascelle,
se tu non latri? qual diavol ti tocca?”.
Quando outro brada: “Ó, Boca, isso não pára?
Pois os queixos bater não te é bastante?
Já lates! Que demônio em ti dispara?”
“Omai”, diss’io, “non vo’ che più favelle,
malvagio traditor; ch’a la tua onta
io porterò di te vere novelle”.
“Não mais, ímpio traidor” — no mesmo instante
Respondo — “exijo; o que de ti stou vendo
Contarei por te ser mais infamante”.
“Va via”, rispuose, “e ciò che tu vuoi conta;
ma non tacer, se tu di qua entro eschi,
di quel ch’ebbe or così la lingua pronta.
“Vai! Se saíres deste abismo horrendo,
Quanto queiras refere, do apressado,
Que de língua assim foi, não te esquecendo.
El piange qui l’argento de’ Franceschi:
“Io vidi”, potrai dir, “quel da Duera
là dove i peccatori stanno freschi”.
“Ouro chora, que a França lhe há doado.
Eu vi — podes dizer — Boso Duera
De outros muitos no gelo acompanhado.
Se fossi domandato “Altri chi v’era?”,
tu hai dallato quel di Beccheria
di cui segò Fiorenza la gorgiera.
“Se perguntarem quem aqui mais era,
Olha e terás ao lado Beccaria,
A quem Florença degolar fizera.
Gianni de’ Soldanier credo che sia
più là con Ganellone e Tebaldello,
ch’aprì Faenza quando si dormia”.
“Gian del Soldanier, há pouco eu via
Além com Ganellon e Tribaldello.
Que abriu Faenza, enquanto se dormia”.
Noi eravam partiti già da ello,
ch’io vidi due ghiacciati in una buca,
sì che l’un capo a l’altro era cappello;
Deixâmo-lo; mas súbito de gelo
Postos em furna vi dois condenados:
Cabeça de uma a de outra era cabelo.
e come ’l pan per fame si manduca,
così ’l sovran li denti a l’altro pose
là ’ve ’l cervel s’aggiugne con la nuca:
Como a pão se agarrando os esfaimados,
Por cima um no outro os dentes aferrava
Onde a cerviz e o crânio estão ligados.
non altrimenti Tidëo si rose
le tempie a Menalippo per disdegno,
che quei faceva il teschio e l’altre cose.
Qual Tideu, que a dentadas lacerava
De Menalipo a fronte enraivecido,
Ele o cérebro e os ossos mastigava.
“O tu che mostri per sì bestial segno
odio sovra colui che tu ti mangi,
dimmi ’l perché”, diss’io, “per tal convegno,
“Tu, que, de ódio tão sevo possuído,
Te encarniças feroce no inimigo,
“Dize — exclamo — por que foi produzido.
che se tu a ragion di lui ti piangi,
sappiendo chi voi siete e la sua pecca,
nel mondo suso ancora io te ne cangi,
“Se eu souber que a justiça está contigo
E houver da culpa e réu conhecimento,
No mundo a compensar-te ora me obrigo,
se quella con ch’io parlo non si secca”.
Se não perder a língua o movimento”.
Canto XXXIII
Canto XXXIII, ove tratta di quelli che tradirono coloro che in loro tutto si fidavano, e coloro da cui erano stati promossi a dignità e grande stato; e riprende qui i Pisani e i Genovesi.
O conde Ugolino della Gherardesca conta a Dante a sua trágica morte na torre dos Gualandi. Na Ptoloméia o Poeta encontra o frade Alberico de Manfredi, o qual lhe explica que a alma dos traidores cai no Inferno logo depois de consumada a traição e que um diabo toma conta do corpo até chegar o tempo do seu fim no mundo.
La bocca sollevò dal fiero pasto
quel peccator, forbendola a' capelli
del capo ch'elli avea di retro guasto.
DO fero cevo os lábios desprendendo,
Na coma o pecador os enxugava
Desse crânio, a que estava atrás roendo.
Poi cominciò: “Tu vuo’ ch’io rinovelli
disperato dolor che ’l cor mi preme
già pur pensando, pria ch’io ne favelli.
“Queres de infanda mágoa” — começava —
Renove a dor, que, só pensando a mente,
Antes que falte, o coração me agrava.
Ma se le mie parole esser dien seme
che frutti infamia al traditor ch’i’ rodo,
parlare e lagrimar vedrai insieme.
“Mas se a voz minha deve ser semente,
Que ao traidor, que eu devoro a infâmia brote.
Falar, chorar, verás conjuntamente.
Io non so chi tu se’ né per che modo
venuto se’ qua giù; ma fiorentino
mi sembri veramente quand’io t’odo.
“Não sei quem sejas, não sei como note
Tua presença aqui, por Florentino
Te ouvindo a língua, é força que te adote.
Tu dei saper ch’i’ fui conte Ugolino,
e questi è l’arcivescovo Ruggieri:
or ti dirò perché i son tal vicino.
“Saber deves que fui Conde Ugolino,[1]
Que Arcebispo Rogério aquele há sido:
Direi qual nos juntou cruel destino.
Che per l’effetto de’ suo’ mai pensieri,
fidandomi di lui, io fossi preso
e poscia morto, dir non è mestieri;
“Contar não hei mister como iludido
Por minha confiança, em cárcer posto.
Fui morto por maldade deste infido.
però quel che non puoi avere inteso,
cioè come la morte mia fu cruda,
udirai, e saprai s’e’ m’ ha offeso.
“Não conheces, porém, que atroz desgosto
O meu fim precedera: atenção presta,
Quanto ofendido fui verás exposto.
Breve pertugio dentro da la Muda,
la qual per me ha ’l titol de la fame,
e che conviene ancor ch’altrui si chiuda,
“Por vezes da prisão por breve fresta,
Torre da fome — após o meu tormento,
Que há de a outros ainda ser funesta
m’avea mostrato per lo suo forame
più lune già, quand’io feci ’l mal sonno
che del futuro mi squarciò ’l velame.
“Brilhava a lua em pleno crescimento,
Quando o véu do futuro horrível sonho
Rasgou, do exício meu pressentimento.
Questi pareva a me maestro e donno,
cacciando il lupo e ’ lupicini al monte
per che i Pisan veder Lucca non ponno.
“Este, como senhor, então suponho
Ao monte, que ver Lucca a Pisa obstava[2]
Lobo e pequenos seus correr medonho.
Con cagne magre, studïose e conte
Gualandi con Sismondi e con Lanfranchi
s’avea messi dinanzi da la fronte.
“Magros cães, destros, feros açulava
Dos Gualandis, Sismondis e Lanfrancos[3]
A companha, que à frente cavalgava.
In picciol corso mi parieno stanchi
lo padre e ’ figli, e con l’agute scane
mi parea lor veder fender li fianchi.
“Em breve o pai e os filhos, lassos, mancos,
Já dos famintos galgos mal feridos,
Dar pareciam últimos arrancos.
Quando fui desto innanzi la dimane,
pianger senti’ fra ’l sonno i miei figliuoli
ch’eran con meco, e dimandar del pane.
“Desperto ao primo alvor; dos meus queridos
Filhos que eram comigo, choro soa:
Pedem pão, stando ainda adormecidos.
Ben se’ crudel, se tu già non ti duoli
pensando ciò che ’l mio cor s’annunziava;
e se non piangi, di che pianger suoli?
“És cruel, se a tua alma não magoa
O prenúncio da dor, que me aguardava:
Se não choras, que pena há que te doa?
Già eran desti, e l’ora s’appressava
che ’l cibo ne solëa essere addotto,
e per suo sogno ciascun dubitava;
“Despertaram; e a hora já chegava
Em que alimento escasso nos traziam:
O sonho a cada qual nos aterrava.
e io senti’ chiavar l’uscio di sotto
a l’orribile torre; ond’io guardai
nel viso a’ mie’ figliuoi sanza far motto.
“Da horrível torre à porta então se ouviam
Martelos cravejar: eu mudo e quedo
Nos filhos encarei, que esmoreciam.
Io non piangëa, sì dentro impetrai:
piangevan elli; e Anselmuccio mio
disse: “Tu guardi sì, padre! che hai?”.
“Não chorava; era o peito qual penedo.
Choravam eles, e Anselmuccio disse:
Assim nos olhas, pai? Do que hás tu medo?”
Perciò non lagrimai né rispuos’io
tutto quel giorno né la notte appresso,
infin che l’altro sol nel mondo uscìo.
“Nem lágrimas, nem voz dei, que se ouvisse,
No dia e noite, que seguiu-se lenta,
Até que ao mundo novo sol surgisse.
Come un poco di raggio si fu messo
nel doloroso carcere, e io scorsi
per quattro visi il mio aspetto stesso,
“Quando a luz inda escassa se apresenta
No doloroso carcer, meu semblante
Nos quatro rostos seus se representa.
ambo le man per lo dolor mi morsi;
ed ei, pensando ch’io ’l fessi per voglia
di manicar, di sùbito levorsi
“Mordi-me as mãos de angústia delirante.
Eles, cuidando ser a fome o efeito,
De súbito e com gesto suplicante,
e disser: “Padre, assai ci fia men doglia
se tu mangi di noi: tu ne vestisti
queste misere carni, e tu le spoglia”.
“Disseram: “Menos mal nos será feito
Nutrindo-te de nós, pai; nos vestiste
Desta carne: ora sirva em teu proveito”.
Queta’ mi allor per non farli più tristi;
lo dì e l’altro stemmo tutti muti;
ahi dura terra, perché non t’apristi?
“Contendo-me, evitei lance mais triste.
Em silêncio dois dias se passaram...
Ah! por que, terra esquiva, não te abriste?
Poscia che fummo al quarto dì venuti,
Gaddo mi si gittò disteso a’ piedi,
dicendo: “Padre mio, ché non m’aiuti?”.
“Do quarto dia os lumes clarearam:
Gaddo caiu-me aos pés desfalecido:
“Pai me acode!” os seus lábios murmuraram.
Quivi morì; e come tu mi vedi,
vid’io cascar li tre ad uno ad uno
tra ’l quinto dì e ’l sesto; ond’io mi diedi,
“Morreu; e, qual me vês, eu vi, perdido
O sizo, os três, ao quinto e ao sexto dia,
Um por um se extinguir exinanido.
già cieco, a brancolar sovra ciascuno,
e due dì li chiamai, poi che fur morti.
Poscia, più che 'l dolor, poté 'l digiuno”.
“Apalpando os busquei — cego os não via
Dois dias, os seus nomes repetindo:
Da fome mais que a dor, pôde a agonia”.
Quand’ebbe detto ciò, con li occhi torti
riprese ’l teschio misero co’ denti,
che furo a l’osso, come d’un can, forti.
Calou-se e os torvos olhos retorquindo,
Como de antes cravou no crânio os dentes
E os ossos, qual mastim, foi destruindo.
Ahi Pisa, vituperio de le genti
del bel paese là dove 'l sì suona,
poi che i vicini a te punir son lenti,
Ah! Pisa, opróbrio aos povos residentes
Na bela terra, onde o si ressona!
Pois te não vêm punir vizinhas gentes.
muovasi la Capraia e la Gorgona,
e faccian siepe ad Arno in su la foce,
sì ch’elli annieghi in te ogne persona!
Presto a Capraia mova-se e a Gorgona
Do Arno à foz, entupindo-lhe a saída
Teu povo assim pereça, que se entona.
Che se ’l conte Ugolino aveva voce
d’aver tradita te de le castella,
non dovei tu i figliuoi porre a tal croce.
E se foi a Ugolino atribuída
De entregar teus castelos à maldade,
Por que à prole em tal cruz tirar a vida?
Innocenti facea l’età novella,
novella Tebe, Uguiccione e ’l Brigata
e li altri due che ’l canto suso appella.
Tebas moderna! Pela tenra idade
Ugoccione e Briga tá insontes eram
E os irmãos, em que usaste a feridade.
Noi passammo oltre, là ’ve la gelata
ruvidamente un’altra gente fascia,
non volta in giù, ma tutta riversata.
Seguindo além, os olhos se of’receram
Outros, que em gelo têm duro tormento:
Destes os rostos para trás penderam.
Lo pianto stesso lì pianger non lascia,
e ’l duol che truova in su li occhi rintoppo,
si volge in entro a far crescer l’ambascia;
Lhes causa o pranto ao pranto impedimento;
E a dor, que desafogo em vão procura,
Lhes cresce, recalcada, o sofrimento.
ché le lagrime prime fanno groppo,
e sì come visiere di cristallo,
rïempion sotto ’l ciglio tutto il coppo.
As lágrimas coalhando em neve dura
Formam nos olhos seus vítrea viseira,
E todo o espaço interior se obtura.
E avvegna che, sì come d’un callo,
per la freddura ciascun sentimento
cessato avesse del mio viso stallo,
Conquanto quase a faculdade inteira
De sentir no meu rosto se embotasse
Dês que era nessa perenal geleira,
già mi parea sentire alquanto vento;
per ch’io: “Maestro mio, questo chi move?
non è qua giù ogne vapore spento?”.
Cuidei que um sopro me tocara a face.
“Do que este sopro” — inquiro — “se origina?
Se aqui não há vapor, donde ele nasce?”
Ond’elli a me: “Avaccio sarai dove
di ciò ti farà l’occhio la risposta,
veggendo la cagion che ’l fiato piove”.
E o Mestre: “Irás onde a resposta di’na
Os teus olhos darão; e ali chegando
O que virem do sopro a causa ensina”.
E un de’ tristi de la fredda crosta
gridò a noi: “O anime crudeli
tanto che data v’è l’ultima posta,
Dos tristes padecentes um gritando,
Nos disse: “Almas cruéis, almas danadas
(Pois que no extremo abismo estais penando)
levatemi dal viso i duri veli,
sì ch’ïo sfoghi ’l duol che ’l cor m’impregna,
un poco, pria che ’l pianto si raggeli”.
“Tirai-me aos olhos gélidas camadas,
Por desafogo dar-me ao peito aflito,
Antes de eu ter as lágrimas coalhadas”.
Per ch’io a lui: “Se vuo’ ch’i’ ti sovvegna,
dimmi chi se’, e s’io non ti disbrigo,
al fondo de la ghiaccia ir mi convegna”.
“Se o lenitivo queres, que tens dito,
Teu nome diz: se não me desobrigo,
Desça eu do gelo ao pelágio maldito”.
Rispuose adunque: “I’ son frate Alberigo;
i’ son quel da le frutta del mal orto,
che qui riprendo dattero per figo”.
Respondeu logo: “Eu sou frei Alberigo,[4]
Pelos pomos famoso do mau horto:
Aqui recebo tâmara por figo”.
“Oh”, diss’io lui, “or se’ tu ancor morto?”.
Ed elli a me: “Come ’l mio corpo stea
nel mondo sù, nulla scïenza porto.
“Oh!” — disse — “porventura tu stás morto?”
“Não sei como é meu corpo lá no mundo”,
Tornou “e se vivendo tem conforto.
Cotal vantaggio ha questa Tolomea,
che spesse volte l’anima ci cade
innanzi ch’Atropòs mossa le dea.
“Este condão possui sem ter segundo
Ptoloméia: aqui star alma é freqüente
Antes que a mande Atropos ao profundo.
E perché tu più volontier mi rade
le ’nvetrïate lagrime dal volto,
sappie che, tosto che l’anima trade
“E por que mais de grado e prontamente
Estas vidradas lágrimas romovas,
Sabe que apenas de traição a mente
come fec’ïo, il corpo suo l’è tolto
da un demonio, che poscia il governa
mentre che ’l tempo suo tutto sia vòlto.
“Inquina-se, como eu, por funções novas
Passa o corpo a demônio, que o governa
Té completar da vida últimas provas:
Ella ruina in sì fatta cisterna;
e forse pare ancor lo corpo suso
de l’ombra che di qua dietro mi verna.
“Rui a alma, entanto, à lôbrega cisterna,
Talvez na terra folgue o corpo ledo,
Cuja sombra após mim trêmula inverna.
Tu ’l dei saper, se tu vien pur mo giuso:
elli è ser Branca Doria, e son più anni
poscia passati ch’el fu sì racchiuso”.
“Se és recém-vindo, sabe que esse tredo
É Branca d’Ória: há prolongados anos[5]
Jaz enleado no infernal enredo”.
“Io credo”, diss’io lui, “che tu m’inganni;
ché Branca Doria non morì unquanche,
e mangia e bee e dorme e veste panni”.
“Este é” tornei “mais um dos teus enganos:
Desfruta alegre Branca d’Ória a vida
E come e bebe e dorme e veste panos”.
“Nel fosso sù”, diss’el, “de’ Malebranche,
là dove bolle la tenace pece,
non era ancora giunto Michel Zanche,
“Dos Malebranche em cava denegrida,
Não era“ disse ainda “em pez viscoso
Alma de Miguel Zanche submergida,
che questi lasciò il diavolo in sua vece
nel corpo suo, ed un suo prossimano
che ’l tradimento insieme con lui fece.
“E um demônio esse infame criminoso
Deixou no corpo; o mesmo um seu parente,
Que de traição foi sócio proveitoso.
Ma distendi oggimai in qua la mano;
aprimi li occhi”. E io non gliel’apersi;
e cortesia fu lui esser villano.
“Das mãos auxílio presta ora clemente,
Me abrindo os olhos!” Tal não fiz; que errara
Com tal vilão me havendo cortesmente.
Ahi Genovesi, uomini diversi
d'ogne costume e pien d'ogne magagna,
perché non siete voi del mondo spersi?
Ah! Genoveses! raça impura e avara,
Que nos costumes tem mancha tamanha!
Quem da face da terra vos lançara!
Ché col peggiore spirto di Romagna
trovai di voi un tal, che per sua opra
in anima in Cocito già si bagna,
Junto ao pior esp’rito da Romanha
De entre vós um traidor vi tanto imundo,
Que a alma sua em Cocito já se banha,
e in corpo par vivo ancor di sopra.
Enquanto o corpo vida finge ao mundo.
Canto XXXIV
Canto XXXIV e ultimo de la prima cantica di Dante Alleghieri di Fiorenza, nel qual canto tratta di Belzebù principe de’ dimoni e de’ traditori di loro signori, e narra come uscie de l’inferno.
Na Judeca estão os traidores dos seus senhores e benfeitores.
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