No meio está Lúcifer, que com três bocas dilacera três entre os mais horrendos pecadores: de um lado Judas, do outro Bruto e Cássio, que mataram a Júlio César. Virgílio, ao qual Dante se agarra, desce pelas costas peludas de Lúcifer até o centro da terra. Dai seguindo o murmúrio de um regato, saem e avistam as estrelas no outro hemisfério.
“Vexilla regis prodeunt inferni
verso di noi; però dinanzi mira”,
disse ’l maestro mio, “se tu ’l discerni”.
VEXILIA regis prodeunt inferni[1]
Contra nós; pra diante os olhos tende
Disse o Mestre, se a vista já discerne”.
Come quando una grossa nebbia spira,
o quando l’emisperio nostro annotta,
par di lungi un molin che ’l vento gira,
Como quando no ar névoa se estende,
Ou ao nosso hemisfério a noite desce,
Um moinho distante a atenção prende.
veder mi parve un tal dificio allotta;
poi per lo vento mi ristrinsi retro
al duca mio, ché non lì era altra grotta.
Um edifício igual verme parece.
Tanto era o vento, que eu busquei guarida
Atrás do Mestre, que outra não se of’rece.
Già era, e con paura il metto in metro,
là dove l’ombre tutte eran coperte,
e trasparien come festuca in vetro.
À parte era chegado, onde imergida
Cada alma em gelo está (tremo escrevendo),
Bem como aresta no cristal contida.
Altre sono a giacere; altre stanno erte,
quella col capo e quella con le piante;
altra, com’arco, il volto a’ piè rinverte.
Erguidas umas stão, outras jazendo
Qual sobre a fronte ou sobre os pés firmada
Qual com seus pés o rosto arco fazendo.
Quando noi fummo fatti tanto avante,
ch’al mio maestro piacque di mostrarmi
la creatura ch’ebbe il bel sembiante,
Quando distância tal foi superada,
Que aprouve ao Mestre me tornar patente
A criatura bela ao ser formada,
d’innanzi mi si tolse e fé restarmi,
“Ecco Dite”, dicendo, “ed ecco il loco
ove convien che di fortezza t’armi”.
Se afastando de mim, disse: “Detém-te!
Eis Satanás! Eis o lugar horrendo
Em que deves te armar de esforço ingente!
Com’io divenni allor gelato e fioco,
nol dimandar, lettor, ch’i’ non lo scrivo,
però ch’ogne parlar sarebbe poco.
Quanto assombrei-me aquele aspecto vendo
Não inquiras leitor: não te expressara
Com verbo humano o que encarei tremendo.
Io non mori’ e non rimasi vivo;
pensa oggimai per te, s’ hai fior d’ingegno,
qual io divenni, d’uno e d’altro privo.
Não morto, porém vivo não ficara.
Qual me achava te pinte a fantasia,
Se morte ou vida em mim se não depara!
Lo ’mperador del doloroso regno
da mezzo ’l petto uscia fuor de la ghiaccia;
e più con un gigante io mi convegno,
Do aflito reino o imperador eu via:
Do gelo acima o seio levantava.
A um gigante igualar eu poderia,
che i giganti non fan con le sue braccia:
vedi oggimai quant’esser dee quel tutto
ch’a così fatta parte si confaccia.
Se um gigante a um seu braço eu comparava!
Do todo vede a proporção qual fora,
Quando tão vasta a parte se ostentava!
S’el fu sì bel com’elli è ora brutto,
e contra ’l suo fattore alzò le ciglia,
ben dee da lui procedere ogne lutto.
Quem foi tão belo, quanto é feio agora,
Contra o seu criador a fronte alçando
Vera causa é do mal, que o mundo chora.
Oh quanto parve a me gran maraviglia
quand’io vidi tre facce a la sua testa!
L’una dinanzi, e quella era vermiglia;
Qual meu espanto há sido em contemplando
Três faces na estranhíssima figura![2]
Rubra cor na da frente está mostrando;
l’altr’eran due, che s’aggiugnieno a questa
sovresso ’l mezzo di ciascuna spalla,
e sé giugnieno al loco de la cresta:
Das outras cada qual, da pádua escura
Surdindo, às mais ajunta-se e se ajeita
Sobre o crânio da infanda criatura.
e la destra parea tra bianca e gialla;
la sinistra a vedere era tal, quali
vegnon di là onde ’l Nilo s’avvalla.
Entre amarela e branca era a direita;
A cor a esquerda tem que enluta a gente
Do Nilo às margens a viver afeita.
Sotto ciascuna uscivan due grand’ali,
quanto si convenia a tanto uccello:
vele di mar non vid’io mai cotali.
Via asas duas sob cada frente,
Tão vastas, quanto em ave tal convinham:
Velas iguais não abre nau potente.
Non avean penne, ma di vispistrello
era lor modo; e quelle svolazzava,
sì che tre venti si movean da ello:
Plumas, como em morcego, elas não tinham;
De contínuo agitadas produziam
Os três gélidos ventos, que mantinham
quindi Cocito tutto s’aggelava.
Con sei occhi piangëa, e per tre menti
gocciava ’l pianto e sanguinosa bava.
Os frios, que o Cocito enrijeciam.
Chorava por seis olhos, por três mentos
Pranto e sangüínea espuma se espargiam.
Da ogne bocca dirompea co’ denti
un peccatore, a guisa di maciulla,
sì che tre ne facea così dolenti.
Qual moinho, com dentes truculentos
Cada boca um prexito lacerava:
Padecem três a um tempo assim tormentos.
A quel dinanzi il mordere era nulla
verso ’l graffiar, che talvolta la schiena
rimanea de la pelle tutta brulla.
Mas ao da frente a pena se agravava,
Porque das garras o furor constante
Do dorso a pele ao pecador rasgava.
“Quell’anima là sù c’ ha maggior pena”,
disse ’l maestro, “è Giuda Scarïotto,
che ’l capo ha dentro e fuor le gambe mena.
“O que esperneia em dor mais cruciante”
O Mestre disse: “É Juda Iscariote:[3]
Prende a cabeça a boca devorante.
De li altri due c’ hanno il capo di sotto,
quel che pende dal nero ceffo è Bruto:
vedi come si storce, e non fa motto!;
“Dos dois, que estão pendendo, coube em dote
A negra face Bruto: sem gemido
Se estorce da dentuça a cada bote.
e l’altro è Cassio, che par sì membruto.
Ma la notte risurge, e oramai
è da partir, ché tutto avem veduto”.
“O outro é Cássio, de membros bem fornido.[4]
Mas a partir a noite insta, assomando:
Aqui já tudo havemos conhecido”.
Com’a lui piacque, il collo li avvinghiai;
ed el prese di tempo e loco poste,
e quando l’ali fuoro aperte assai,
Do Mestre o colo enlaço por seu mando.
Ele em lugar e tempo apropriado,
De Lúcifer as asas se alargando,
appigliò sé a le vellute coste;
di vello in vello giù discese poscia
tra ’l folto pelo e le gelate croste.
Ao peito hirsuto havia-se agarrado;
Depois de velo em velo descendia
Entre os ilhais e o lago congelado.
Quando noi fummo là dove la coscia
si volge, a punto in sul grosso de l’anche,
lo duca, con fatica e con angoscia,
Chegado àquela parte, em que se unia
Da coxa o extremo dos quadris à altura,
Com grande ofego e mor abalo o Guia
volse la testa ov’elli avea le zanche,
e aggrappossi al pel com’om che sale,
sì che ’n inferno i’ credea tornar anche.
Pôr a fronte onde os pés firmou procura,
Como quem sobe às crinas agarrado:[5]
Assim tornar cuidei do inferno à agrura.
“Attienti ben, ché per cotali scale”,
disse ’l maestro, ansando com’uom lasso,
“conviensi dipartir da tanto male”.
“Segura-te! Por tais degraus alado”
Lasso Virgílio já disse anelante,
“Deste império do mal serás tirado”.
Poi uscì fuor per lo fóro d’un sasso
e puose me in su l’orlo a sedere;
appresso porse a me l’accorto passo.
De uma rocha então sai por fresta hiante;
Sobre a borda me assenta cauteloso;
Depois a mim se acerca vigilante.
Io levai li occhi e credetti vedere
Lucifero com’io l’avea lasciato,
e vidili le gambe in sù tenere;
Olhos alcei julgando curioso
Ver Lúcifer, qual de antes o deixara;
De pernas para o ar vi-o em seu pouso!
e s’io divenni allora travagliato,
la gente grossa il pensi, che non vede
qual è quel punto ch’io avea passato.
De que enleio a minha alma se tomara,
Deixo ao vulgo pensar pouco instruído,
Que o ponto não compreende, em que eu passara.
“Lèvati sù”, disse ’l maestro, “in piede:
la via è lunga e ’l cammino è malvagio,
e già il sole a mezza terza riede”.
“Eia! Vamos!” o Mestre diz querido,
“Longa jornada e mau caminho temos;
E a meia terça o sol já tem corrido”.
Non era camminata di palagio
là ’v’eravam, ma natural burella
ch’avea mal suolo e di lume disagio.
De paço em salas nós de andar não temos;
Mas de antro natural em solo duro
Os passos nossos dirigir devemos.
“Prima ch’io de l’abisso mi divella,
maestro mio”, diss’io quando fui dritto,
“a trarmi d’erro un poco mi favella:
“Antes que eu deixe em todo o abismo escuro
Erro, em que estou, meu Mestre, desvanece”
Disse erguendo-me um pouco mais seguro.
ov’è la ghiaccia? e questi com’è fitto
sì sottosopra? e come, in sì poc’ora,
da sera a mane ha fatto il sol tragitto?”.
“Onde o gelo? Por que nos aparece
Assim Lúcifer posto? E já tão presto,
Cessando a noite, o sol nos esclarece?”
Ed elli a me: “Tu imagini ancora
d’esser di là dal centro, ov’io mi presi
al pel del vermo reo che ’l mondo fóra.
“Tu cuidas ser, do que ouço é manifesto
Lá no centro, onde ao pêlo me prendera
Do que atravessa o mundo, verme infesto.
Di là fosti cotanto quant’io scesi;
quand’io mi volsi, tu passasti ’l punto
al qual si traggon d’ogne parte i pesi.
“Ali stiveste, enquanto descendera
Ao voltar-me do ponto além tens sido,
Que o peso atrai na terreal esfera.
E se’ or sotto l’emisperio giunto
ch’è contraposto a quel che la gran secca
coverchia, e sotto ’l cui colmo consunto
“Foste àquele hemisfério transferido,
Que se opõe ao que a terra está lançado,
Em cujo excelso cume há padecido;
fu l’uom che nacque e visse sanza pecca;
tu haï i piedi in su picciola spera
che l’altra faccia fa de la Giudecca.
“Quem nasceu, quem viveu sem ter pecado[6]
Sobre uma esfera estreita os pés agora,
117 Da Judeca ao reverso, tens firmado.
Qui è da man, quando di là è sera;
e questi, che ne fé scala col pelo,
fitto è ancora sì come prim’era.
“É noite lá; nós temos luz nesta hora;
E o que nos velos seus nos deu a escada
Na postura se firma, em que antes fora.
Da questa parte cadde giù dal cielo;
e la terra, che pria di qua si sporse,
per paura di lui fé del mar velo,
“Caiu aqui da altura sublimada,
E a terra, que se alçava entumescente,
Do mar fez véu e veio de enfiada
e venne a l’emisperio nostro; e forse
per fuggir lui lasciò qui loco vòto
quella ch’appar di qua, e sù ricorse”.
“Para o nosso hemisfério de repente.
Também fugiu de medo, a que se avista;
Vácuo deixando aqui, fez monte ingente”.
Luogo è là giù da Belzebù remoto
tanto quanto la tomba si distende,
che non per vista, ma per suono è noto
Lá no profundo há um lugar, que dista
Tanto de Belzebú, quanto se estende
Seu sepulcro: ali não penetra a vista.
d’un ruscelletto che quivi discende
per la buca d’un sasso, ch’elli ha roso,
col corso ch’elli avvolge, e poco pende.
Revela-o som de arroio, que descende[7]
Por brecha do rochedo, que escavara,
Em torno serpeando, e pouco pende.
Lo duca e io per quel cammino ascoso
intrammo a ritornar nel chiaro mondo;
e sanza cura aver d’alcun riposo,
Para voltar do mundo à face clara
Nessa vereda escusa penetramos:
De nós nenhum de repousar cuidara.
salimmo sù, el primo e io secondo,
tanto ch’i’ vidi de le cose belle
che porta ’l ciel, per un pertugio tondo.
Virgílio e eu, logo após, nos elevamos,
Té que do ledo céu as cousas belas[8]
Por circular aberta divisamos:
E quindi uscimmo a riveder le stelle.
Saindo a ver tornamos as estrelas.
Purgatorio
Purgatório
Canto I
Comincia la seconda parte overo cantica de la Comedia di Dante Allaghieri di Firenze, ne la quale parte si purgano li commessi peccati e vizi de’ quali l’uomo è confesso e pentuto con animo di sodisfazione; e contiene XXXIII canti. Qui sono quelli che sperano di venire quando che sia a le beate genti.
Saindo do Inferno, Dante respira novamente o ar puro e vê fulgentíssimas estrelas. Encontra-se na ilha do Purgatório.O guardião da ilha, Catão Uticense, pergunta aos dois Poetas qual é o motivo da sua jornada. Ele os instrui, depois, relativamente ao que devem fazer, antes de iniciar a subida do monte.
Per correr miglior acque alza le vele
omai la navicella del mio ingegno,
che lascia dietro a sé mar sì crudele;
Do engenho meu a barca as velas solta
Para correr agora em mar jucundo,
E ao despiedoso pego a popa volta.
e canterò di quel secondo regno
dove l’umano spirito si purga
e di salire al ciel diventa degno.
Aquele reino cantarei segundo,
Onde pela alma a dita é merecida
De ir ao céu livre do pecado imundo.
Ma qui la morta poesì resurga,
o sante Muse, poi che vostro sono;
e qui Calïopè alquanto surga,
Ressurja ora a poesia amortecida,
Ó Santas Musas, a quem sou votado;
Unir ao canto meu seja servida
seguitando il mio canto con quel suono
di cui le Piche misere sentiro
lo colpo tal, che disperar perdono.
Calíope o som alto e sublimado,[1]
Que às Pegas esperar não permitira[2]
Lhes fosse o atrevimento perdoado.
Dolce color d’orïental zaffiro,
che s’accoglieva nel sereno aspetto
del mezzo, puro infino al primo giro,
Suave cor de oriental safira,
Que se esparzia no sereno aspeito
Do ar até onde o céu primeiro gira,
a li occhi miei ricominciò diletto,
tosto ch’io usci’ fuor de l’aura morta
che m’avea contristati li occhi e ’l petto.
Recreia a vista; e eu ledo me deleito
Em surdindo da estância tenebrosa,
Que tanto os olhos contristara e o peito.
Lo bel pianeto che d’amar conforta
faceva tutto rider l’orïente,
velando i Pesci ch’erano in sua scorta.
A bela estrela, a amor auspiciosa[3]
Sorrir alegre faz todo o Oriente,
Vela os Peixes, que a seguem, luminosa.[4]
I’ mi volsi a man destra, e puosi mente
a l’altro polo, e vidi quattro stelle
non viste mai fuor ch’a la prima gente.
Ao outro pólo endereçando a mente,
Volto-me à destra, e os astros quatro vejo,
Que vira só a primitiva gente.
Goder pareva ’l ciel di lor fiammelle:
oh settentrïonal vedovo sito,
poi che privato se’ di mirar quelle!
Folgar o céu parece ao seu lampejo.
Do Norte, ó região, viúva hás sido,
De os contemplar te não foi dado ensejo.
Com’io da loro sguardo fui partito,
un poco me volgendo a l’altro polo,
là onde ’l Carro già era sparito,
Depois de os remirar, já dirigido
Olhos havia para o pólo oposto,
Donde a Carroça havia-se partido,
vidi presso di me un veglio solo,
degno di tanta reverenza in vista,
che più non dee a padre alcun figliuolo.
Eis noto um velho, perto de mim posto,[5]
Que reverência tanta merecia,
Que mais do pai não deve o filho ao rosto.
Lunga la barba e di pel bianco mista
portava, a’ suoi capelli simigliante,
de’ quai cadeva al petto doppia lista.
Nas longas barbas nívea cor saía,
Sendo na coma sua semelhante,
Que em dupla trança ao peito lhe caía.
Li raggi de le quattro luci sante
fregiavan sì la sua faccia di lume,
ch’i’ ’l vedea come ’l sol fosse davante.
A luz dos santos astros rutilante
De fulgor tanto lhe aclarava o gesto,
Que o vi, como se o sol lhe fosse adiante.
“Chi siete voi che contro al cieco fiume
fuggita avete la pregione etterna?”,
diss’el, movendo quelle oneste piume.
— “Quem sois que em contra o rio escuro e mesto[6]
Do eterno cárcere heis fugido os laços?” —
Movendo as nobres plumas, disse presto.
“Chi v’ ha guidati, o che vi fu lucerna,
uscendo fuor de la profonda notte
che sempre nera fa la valle inferna?
“Quem vos guiou alumiando os passos
Para a profunda noite haver deixado,
Que enluta sempre os infernais espaços?
Son le leggi d’abisso così rotte?
o è mutato in ciel novo consiglio,
che, dannati, venite a le mie grotte?”.
“As leis do abismo acaso se hão quebrado?
O céu dá, seus decretos revogando,
Que dos maus seja o meu domínio entrado?” —
Lo duca mio allor mi diè di piglio,
e con parole e con mani e con cenni
reverenti mi fé le gambe e ’l ciglio.
Travou de mim Virgílio, me exortando
Por voz, aceno e mãos: como queria
Os joelhos curvei, olhos baixando.
Poscia rispuose lui: “Da me non venni:
donna scese del ciel, per li cui prieghi
de la mia compagnia costui sovvenni.
— “De motu meu não vim” — lhe respondia —
De Dama aos rogos, que do céu descera
Socorro este homem, sirvo-lhe de guia.
Ma da ch’è tuo voler che più si spieghi
di nostra condizion com’ell’è vera,
esser non puote il mio che a te si nieghi.
Pois que é desejo teu que a nossa vera
Condição definida mais te seja,
Prestar me cumpro explicação sincera.
Questi non vide mai l’ultima sera;
ma per la sua follia le fu sì presso,
che molto poco tempo a volger era.
“Aura da vida este home’inda bafeja,
Mas tanto, de imprudente, se arriscara,
Que é maravilha vivo ainda esteja.
Sì com’io dissi, fui mandato ad esso
per lui campare; e non lì era altra via
che questa per la quale i’ mi son messo.
“Disse como a salvá-lo me apressara:
Por onde os passos dirigir pudesse
Essa vereda só se deparara.
Mostrata ho lui tutta la gente ria;
e ora intendo mostrar quelli spirti
che purgan sé sotto la tua balìa.
“Mostrei-lhe a gente, que por má padece;
Mostrar-lhe intento os que ora estão purgando
Pecados no lugar, que te obedece.
Com’io l’ ho tratto, saria lungo a dirti;
de l’alto scende virtù che m’aiuta
conducerlo a vederti e a udirti.
“Longo seria como o vou guiando
Dizer-te: é força do alto a que me impele,
Para te ver e ouvir o encaminhando,
Or ti piaccia gradir la sua venuta:
libertà va cercando, ch'è sì cara,
come sa chi per lei vita rifiuta.
Digna-te, pois, bení’no ser com ele:
A liberdade anela, que é tão cara:
Sabe-o bem quem por ela a vida expele.
Tu ’l sai, ché non ti fu per lei amara
in Utica la morte, ove lasciasti
la vesta ch’al gran dì sarà sì chiara.
“Por ela a morte não te há sido amara
Em Útica, onde a veste foi deixada,
Que em Juízo há de ser de luz tão clara.
Non son li editti etterni per noi guasti,
ché questi vive e Minòs me non lega;
ma son del cerchio ove son li occhi casti
“Por nós eterna lei não é violada:
Ele inda vive; Minos não me empece;
No círc’lo estou, onde acha-se encerrada
di Marzia tua, che ’n vista ancor ti priega,
o santo petto, che per tua la tegni:
per lo suo amore adunque a noi ti piega.
“Tua Márcia, que em casto olhar parece[7]
Rogar-te ainda que por tua a tenhas:
Lembrando-a em favor nosso te enternece.
Lasciane andar per li tuoi sette regni;
grazie riporterò di te a lei,
se d’esser mentovato là giù degni”.
“Ir deixa aos reinos teus, não nos retenhas;
Hei de a Márcia dizê-lo agradecido,
Se lá de ti falar-se não desdenhas.” —
“Marzïa piacque tanto a li occhi miei
mentre ch’i’ fu’ di là”, diss’elli allora,
“che quante grazie volse da me, fei.
— “Márcia, a meus olhos tão jucunda há sido
Que — tornou-lhe Catão — eu de bom grado
No mundo quanto quis lhe hei concedido.
Or che di là dal mal fiume dimora,
più muover non mi può, per quella legge
che fatta fu quando me n’usci’ fora.
“Estando além do rio detestado,
Mover-me ora não pode: este preceito
Me foi, deixando o Limbo, decretado.
Ma se donna del ciel ti move e regge,
come tu di’, non c’è mestier lusinghe:
bastisi ben che per lei mi richegge.
“Se por dama celeste hás sido eleito,
Como disseste, é vã lisonja agora;
O que requeres em seu nome aceito.
Va dunque, e fa che tu costui ricinghe
d’un giunco schietto e che li lavi ’l viso,
sì ch’ogne sucidume quindi stinghe;
“Vai, pois: cingindo este homem sem demora
De liso junco, lava-lhe o semblante;
Toda a impureza seja posta fora.
ché non si converria, l’occhio sorpriso
d’alcuna nebbia, andar dinanzi al primo
ministro, ch’è di quei di paradiso.
“Cumpre que, quando ele estiver perante
O anjo, que do céu vier primeiro,
Névoa nenhuma os olhos lhe quebrante.
Questa isoletta intorno ad imo ad imo,
là giù colà dove la batte l’onda,
porta di giunchi sovra ’l molle limo:
“Lá onde baixa o ponto derradeiro
Do mar batido, esta ilha tem viçoso
Juncal que alastra todo o seu nateiro.
null’altra pianta che facesse fronda
o indurasse, vi puote aver vita,
però ch’a le percosse non seconda.
“Não pode vegetal rijo ou frondoso
Ter vida ali; porque não dobraria
Ao embate das ondas caprichoso.
Poscia non sia di qua vostra reddita;
lo sol vi mosterrà, che surge omai,
prendere il monte a più lieve salita”.
“Aqui tornar inútil vos seria.
Vereis ao sol, que surge, o melhor passo
Para subir do monte à penedia.” —
Così sparì; e io sù mi levai
sanza parlare, e tutto mi ritrassi
al duca mio, e li occhi a lui drizzai.
Sumiu-se. Ergui-me, então, sem mais espaço,
E em silêncio; olhos fitos no semblante
De Virgílio, amparei-me com seu braço.
El cominciò: “Figliuol, segui i miei passi:
volgianci in dietro, ché di qua dichina
questa pianura a’ suoi termini bassi”.
— “Comigo, ó filho” — diz-me — “segue avante.
Atrás voltemos; pois daqui se inclina
O plano para o mar, que jaz distante.” —
L’alba vinceva l’ora mattutina
che fuggia innanzi, sì che di lontano
conobbi il tremolar de la marina.
Fugia ante a alva a sombra matutina;
Já nos ficava aos olhos descoberta,
Posto remota, a oscilação marina.
Noi andavam per lo solingo piano
com’om che torna a la perduta strada,
che ’nfino ad essa li pare ire in vano.
Pela planície andávamos deserta,
Como quem trilha a estrada, que perdera,
E teme não achar vereda certa.
Quando noi fummo là ’ve la rugiada
pugna col sole, per essere in parte
dove, ad orezza, poco si dirada,
Chegando à parte, onde não pudera
Do rocio triunfar o sol nascente,
Porque à sombra o frescor pouco modera,
ambo le mani in su l’erbetta sparte
soavemente ’l mio maestro pose:
ond’io, che fui accorto di sua arte,
Sobre a relva meu Mestre brandamente
As mãos ambas abriu: o movimento
Lhe noto e, o compreendo, diligente,
porsi ver’ lui le guance lagrimose;
ivi mi fece tutto discoverto
quel color che l’inferno mi nascose.
As lacrimosas faces lhe apresento.
Virgílio as cores restaurou-me ao gesto,
Que desbotara o inferno nevoento.
Venimmo poi in sul lito diserto,
che mai non vide navicar sue acque
omo, che di tornar sia poscia esperto.
Vimos à erma praia a passo lesto:
Nunca sobre águas suas navegara
Homem que o mundo torne a ver molesto.
Quivi mi cinse sì com’altrui piacque:
oh maraviglia! ché qual elli scelse
l’umile pianta, cotal si rinacque
Cingido fui, como Catão mandara.
Portento! A humilde planta renascida,
Qual antes vi no solo, onde a arrancara,
subitamente là onde l’avelse.
Sem diferença, de súbito crescida.
Canto II
Canto secondo, nel quale tratta de la prima qualitade cioè dilettazione di vanitade, nel quale peccato inviluppati sono puniti proprio fuori del purgatorio in uno piano, e in persona di costoro nomina il Casella, uomo di corte.
Estão os Poetas ainda na praia, incertos em relação ao caminho, quando chega uma barca, guiada por um Anjo, da qual saem almas destinadas ao Purgatório. Uma delas, o músico Casella, amigo de Dante, a convite do Poeta, começa a cantar uma sua canção. Os dois Poetas e as almas ficam a ouvir o canto harmonioso. Sobrevém. porém, o severo Catão, que as repreende, e as almas fogem para o monte.
Già era 'l sole a l'orizzonte giunto
lo cui meridïan cerchio coverchia
Ierusalèm col suo più alto punto;
Resplendecia o sol já no horizonte
Que tem meridiano, onde iminente
O zênite fica de Solima ao monte.[1]
e la notte, che opposita a lui cerchia,
uscia di Gange fuor con le Bilance,
che le caggion di man quando soverchia;
Na parte oposta a noite diligente
Do Ganges co’as Balanças se elevava,
Que lhe caem da mão, quando é excedente.
sì che le bianche e le vermiglie guance,
là dov’i’ era, de la bella Aurora
per troppa etate divenivan rance.
Já nesse tempo a idade transformava
A branca e rósea cor da bela Aurora
Noutra, que a de áureos pomos simulava.
Noi eravam lunghesso mare ancora,
come gente che pensa a suo cammino,
che va col cuore e col corpo dimora.
Do mar ao longo inda éramos nessa hora,
Como quem, na jornada embevecido,
Se apressa em mente, os pés, porém, demora:
Ed ecco, qual, sorpreso dal mattino,
per li grossi vapor Marte rosseggia
giù nel ponente sovra ’l suol marino,
Eis, qual sobre manhã, enrubescido,
Das névoas através, Marte chameja
No ponente das ondas refletido,
cotal m’apparve, s’io ancor lo veggia,
un lume per lo mar venir sì ratto,
che ’l muover suo nessun volar pareggia.
Uma luz (praza a Deus de novo a veja!)
Tão veloz pelo mar vi deslizando,
Que não há vôo de ave, que igual seja.
Dal qual com’io un poco ebbi ritratto
l’occhio per domandar lo duca mio,
rividil più lucente e maggior fatto.
Maior mostrou-se e mais fulgente, quando,
Depois de ter-me ao Guia meu voltado,
De novo olhei o seu brilho contemplando.
Poi d’ogne lato ad esso m’appario
un non sapeva che bianco, e di sotto
a poco a poco un altro a lui uscìo.
Nívea forma também, a cada lado,
Lhe divisei; abaixo aparecia
De igual cor outro vulto assinalado.
Lo mio maestro ancor non facea motto,
mentre che i primi bianchi apparver ali;
allor che ben conobbe il galeotto,
Té asas discernir permanecia
O sábio Mestre meu silencioso.
Mas então, como o nauta conhecia,
gridò: “Fa, fa che le ginocchia cali.
Ecco l’angel di Dio: piega le mani;
omai vedrai di sì fatti officiali.
Bradou: “Curva os joelhos respeitoso,
Junta as mãos: eis de Deus um mensageiro!
De ora avante hás de ver outros ditoso.
Vedi che sdegna li argomenti umani,
sì che remo non vuol, né altro velo
che l’ali sue, tra liti sì lontani.
“Vê que, aos humanos meios sobranceiro,
Para vir de tão longe velas, remos
Possui das asas no volver ligeiro.
Vedi come l’ ha dritte verso ’l cielo,
trattando l’aere con l’etterne penne,
che non si mutan come mortal pelo”.
“Como ele as alça para o céu já vemos,
Eternas plumas suas agitando;
Não mudam como dos mortais sabemos.” —
Poi, come più e più verso noi venne
l’uccel divino, più chiaro appariva:
per che l’occhio da presso nol sostenne,
Em tanto, mais e mais se apropinquando,
Mais clara sobressai a ave divina:
Olhos abaixo à luz me deslumbrando.
ma chinail giuso; e quei sen venne a riva
con un vasello snelletto e leggero,
tanto che l’acqua nulla ne ’nghiottiva.
O anjo logo à riba a nave inclina,
Tão rápida, tão leve, que parece
Voar somente na amplidão marina.
Da poppa stava il celestial nocchiero,
tal che faria beato pur descripto;
e più di cento spirti entro sediero.
Na popa erguido o nauta resplendece:
Feliz quanto é lhe está na fronte escrito;
Das almas turba ao mando lhe obedece.
’In exitu Isräel de Aegypto’
cantavan tutti insieme ad una voce
con quanto di quel salmo è poscia scripto.
In exitu Israel de Egypto[2]
A uma voz cantavam juntamente
E o mais, que foi no santo salmo dito.
Poi fece il segno lor di santa croce;
ond’ei si gittar tutti in su la piaggia:
ed el sen gì, come venne, veloce.
Sinal da Cruz lhes fez devotamente:
Todos então à riba se lançaram
E tornou, como veio, incontinente.
La turba che rimase lì, selvaggia
parea del loco, rimirando intorno
come colui che nove cose assaggia.
Em volta remirando, os que ficaram
Pareciam de espanto apoderados,
Como quem a estranheza se acercaram.
Da tutte parti saettava il giorno
lo sol, ch’avea con le saette conte
di mezzo ’l ciel cacciato Capricorno,
O sol frechava os lumes seus dourados,
Lá do meio do céu tendo expelido
O Capricórnio a tiros reiterados,
quando la nova gente alzò la fronte
ver’ noi, dicendo a noi: “Se voi sapete,
mostratene la via di gire al monte”.
Quando as almas, que haviam descendido,
Perguntam-nos: — “Sabeis, para indicar-nos,
Por onde o monte pode ser subido?”
E Virgilio rispuose: “Voi credete
forse che siamo esperti d’esto loco;
ma noi siam peregrin come voi siete.
Tornou Virgílio: — “Vos apraz julgar-nos
Do lugar sabedores; mas viandantes,
Como sois vós, deveis considerar-nos.
Dianzi venimmo, innanzi a voi un poco,
per altra via, che fu sì aspra e forte,
che lo salire omai ne parrà gioco”.
Chegáramos aqui, de vós, pouco antes,
Por estrada tão árdua e temerosa,
Que esta subida a par, jogo é de infantes.” —
L’anime, che si fuor di me accorte,
per lo spirare, ch’i’ era ancor vivo,
maravigliando diventaro smorte.
Notando aquela turba, curiosa,
Que eu, pelo respirar, era homem vivo,
Enfiou ante a vista portentosa.
E come a messagger che porta ulivo
tragge la gente per udir novelle,
e di calcar nessun si mostra schivo,
E como, a quem da paz ramo expressivo
Presenta, o povo acerca-se cuidoso
Em tropel de notícias por motivo:
così al viso mio s’affisar quelle
anime fortunate tutte quante,
quasi oblïando d’ire a farsi belle.
O bando assim das almas venturoso
Em meu rosto atentava alvoroçado,
Quase esquecido de ir a ser formoso.
Io vidi una di lor trarresi avante
per abbracciarmi, con sì grande affetto,
che mosse me a far lo somigliante.
Uma, tendo-se às mais adiantado
A me abraçar correu com tanto afeito,
Que fui de impulso igual arrebatado.
Ohi ombre vane, fuor che ne l’aspetto!
tre volte dietro a lei le mani avvinsi,
e tante mi tornai con esse al petto.
Sombras vãs, verdadeiras só no aspeito!
Três vezes quis nos braços estreitá-la,
Só as três vezes estreitei ao peito.
Di maraviglia, credo, mi dipinsi;
per che l’ombra sorrise e si ritrasse,
e io, seguendo lei, oltre mi pinsi.
Ante o espanto, que o gesto me assinala,
Sorriu-se; e, como já se retirasse,
Avançando, eu tentei acompanhá-la.
Soavemente disse ch’io posasse;
allor conobbi chi era, e pregai
che, per parlarmi, un poco s’arrestasse.
Suavemente disse que eu parasse,
Pedi-lhe, com certeza a conhecendo,
Que um pouco a praticar se demorasse:
Rispuosemi: “Così com’io t’amai
nel mortal corpo, così t’amo sciolta:
però m’arresto; ma tu perché vai?”.
— “Como te amei” — me respondeu — “vivendo
No mortal corpo, assim eu te amo agora.
Por que vais? Dize: ao teu desejo atendo.” —
“Casella mio, per tornar altra volta
là dov’io son, fo io questo vïaggio”,
diss’io; “ma a te com’è tanta ora tolta?”.
“Caro Casella” — disse-lhe — “hei de embora[3]
Tornar, ao fim desta jornada, à vida.
Por que de vir hás delongado a hora?” —
Ed elli a me: “Nessun m’è fatto oltraggio,
se quei che leva quando e cui li piace,
più volte m’ ha negato esto passaggio;
“Se a passagem negou-me requerida
Anjo, que as almas, quando apraz-lhe, guia,
Ofensa não me fez imerecida;
ché di giusto voler lo suo si face:
veramente da tre mesi elli ha tolto
chi ha voluto intrar, con tutta pace.
“Pois a justo querer obedecia.
Na barca em paz, três meses há somente,
A todos dá a entrada apetecida.
Ond’io, ch’era ora a la marina vòlto
dove l’acqua di Tevero s’insala,
benignamente fu’ da lui ricolto.
“Eu, que na plaga então era presente,
Onde no mar o Tibre as águas deita
Por ele aceito fui benignamente,
A quella foce ha elli or dritta l’ala,
però che sempre quivi si ricoglie
qual verso Acheronte non si cala”.
“A essa foz seus vôos endireita;
Pois sempre ali a grei stá reunida,
Às penas do Aqueronte não sujeita.” —
E io: “Se nuova legge non ti toglie
memoria o uso a l’amoroso canto
che mi solea quetar tutte mie doglie,
— “Se não é por lei nova proibida
Memória e usança do amoroso canto,
108 Que as mágoas todas me adoçou da vida,
di ciò ti piaccia consolare alquanto
l’anima mia, che, con la sua persona
venendo qui, è affannata tanto!”.
“Praza-te amigo, confortar um tanto
Minha alma, que molesta, que amofina
Star envolta no corpóreo manto.” —
’Amor che ne la mente mi ragiona’
cominciò elli allor sì dolcemente,
che la dolcezza ancor dentro mi suona.
— “Amor que em minha mente raciocina” —
Entoou ele então com tal doçura,
Que o som donoso inda alma me domina.
Lo mio maestro e io e quella gente
ch’eran con lui parevan sì contenti,
come a nessun toccasse altro la mente.
Ao Mestre, a mim, a todos a brandura
Do saudoso cantar tanto elevava,
Que de ai a mente nossa então não cura.
Noi eravam tutti fissi e attenti
a le sue note; ed ecco il veglio onesto
gridando: “Che è ciò, spiriti lenti?
Na toada, absorvida, se engolfava,
Eis de repente o velho venerando:[4]
— “Que fazeis, descuidosos?” — nos bradava.
qual negligenza, quale stare è questo?
Correte al monte a spogliarvi lo scoglio
ch’esser non lascia a voi Dio manifesto”.
“Pois estais na indolência assim ficando?
Ide ao monte, a despir essa impureza,
Que a vista vos está de Deus vedando!” —
Come quando, cogliendo biado o loglio,
li colombi adunati a la pastura,
queti, sanza mostrar l’usato orgoglio,
Quais pombos, que dos agros na largueza,
Em desejado pascigo embebidos,
Como olvidada a natural braveza,
se cosa appare ond’elli abbian paura,
subitamente lasciano star l’esca,
perch’assaliti son da maggior cura;
Súbito arrancaram, de temor pungidos,
Se algum mal iminente lhes parece,
De cuidados maiores possuídos:
così vid’io quella masnada fresca
lasciar lo canto, e fuggir ver’ la costa,
com’om che va, né sa dove rïesca;
Tal a recente grei o canto esquece,
E, como homem, que vai sem ter roteiro,
Corre à costa, que aos olhos se oferece:
né la nostra partita fu men tosta.
Não foi nosso partir menos ligeiro.
Canto III
Canto III, nel quale si tratta de la seconda qualitade, cioè di coloro che per cagione d’alcuna violenza che ricevettero, tardaro di qui a la loro fine a pentersi e confessarsi de’ loro falli, sì come sono quelli che muoiono in contumacia di Santa Chiesa scomunicati, li quali sono puniti in quel piano. In essempro di cotali peccatori nomina tra costoro il re Manfredi.
Os dois Poetas se aprestam a subir o monte. Enquanto estão procurando o lugar onde a subida seja mais fácil, vêem um grupo de almas que lhes vêm ao encontro. Perguntam a elas onde seja a subida. Uma das almas se dá a conhecer a Dante. É Manfredo, rei de Nápoles e da Sicília. Ele narra como morreu, pedindo a Deus, na hora extrema. Estão juntas com ele, as almas dos que foram inimigos da Santa Igreja.
Avvegna che la subitana fuga
dispergesse color per la campagna,
rivolti al monte ove ragion ne fruga,
Enquanto aquela fuga repentina
Pela planície as sombras impelia
Ao monte, que a razão a amar ensina,
i’ mi ristrinsi a la fida compagna:
e come sare’ io sanza lui corso?
chi m’avria tratto su per la montagna?
Ao sócio meu fiel eu me cingia:
Como sem ele houvera prosseguido?
Quem para alçar-me esforço me daria?
El mi parea da sé stesso rimorso:
o dignitosa coscïenza e netta,
come t'è picciol fallo amaro morso!
De remorsos parece possuído.
Ó consciência pura e sublimada,
Leve falta pesar te dá subido!
Quando li piedi suoi lasciar la fretta,
che l’onestade ad ogn’atto dismaga,
la mente mia, che prima era ristretta,
Quando atalhava a pressa, que é vedada
A quem dos atos no decoro atente,
Eu, que sentira a mente angustiada,
lo ’ntento rallargò, sì come vaga,
e diedi ’l viso mio incontr’al poggio
che ’nverso ’l ciel più alto si dislaga.
Tornando ao meu intento afoutamente
Os olhos à eminência levantava,
Que para o céu mais alto eleva a frente.
Lo sol, che dietro fiammeggiava roggio,
rotto m’era dinanzi a la figura,
ch’avëa in me de’ suoi raggi l’appoggio.
Nas espaldas o sol nos dardejava
Rubra luz, que o meu corpo interrompia,
Pois aos seus raios óbice formava.
Io mi volsi dallato con paura
d’essere abbandonato, quand’io vidi
solo dinanzi a me la terra oscura;
Escuro ante mim só aparecia
O solo: eu, de abandono receoso,
Voltei-me ao lado onde era o sábio Guia.
e ’l mio conforto: “Perché pur diffidi?”,
a dir mi cominciò tutto rivolto;
“non credi tu me teco e ch’io ti guidi?
Virgílio então me encara. — “Suspeitoso
Te mostras?” — diz — “Cuidavas, porventura,
Que eu não mais te acompanhe cuidadoso?
Vespero è già colà dov’è sepolto
lo corpo dentro al quale io facea ombra;
Napoli l’ ha, e da Brandizio è tolto.
“Surge Vésper[1] lá onde a sepultura
Guarda o corpo em que sombra já fizera
Tomando-o a Brindes, Nápole o assegura.
Ora, se innanzi a me nulla s’aombra,
non ti maravigliar più che d’i cieli
che l’uno a l’altro raggio non ingombra.
“Se ante mim não a vês, não te devera
Dar pasmo como lá no firmamento
Se a luz a luz não tolhe e não movera.
A sofferir tormenti, caldi e geli
simili corpi la Virtù dispone
che, come fa, non vuol ch’a noi si sveli.
“Para calma sentir, frio ou tormento
Dispôs-nos corpo a suma Potestade.
Como o fez? Não nos deu conhecimento.
Matto è chi spera che nostra ragione
possa trascorrer la infinita via
che tiene una sustanza in tre persone.
“Fátuo é quem julga à humana faculdade
Franco o infindo caminho e sempiterno,
Por onde segue o Ente Uno em Trindade.
State contenti, umana gente, al quia;
ché, se potuto aveste veder tutto,
mestier non era parturir Maria;
“Homem, vos baste o guia[2]: se ao superno
Saber alevantar-vos fosse dado,
Da Virgem ao seio não baixara o Eterno.
e disïar vedeste sanza frutto
tai che sarebbe lor disio quetato,
ch’etternalmente è dato lor per lutto:
“Já viste porfiar sem resultado
Os que, cevar podendo seu desejo,
Em perpétua aflição o têm tornado.
io dico d’Aristotile e di Plato
e di molt’altri”; e qui chinò la fronte,
e più non disse, e rimase turbato.
“De Aristóteles falo neste ensejo,
De Platão, de outros mais.” — Baixando a fronte,
Calou; mostrava torvação e pejo.
Noi divenimmo intanto a piè del monte;
quivi trovammo la roccia sì erta,
che ’ndarno vi sarien le gambe pronte.
Chegamos nós em tanto ao pé do monte
Onde era a rocha de tal modo erguida,
Que de subir capaz ninguém se conte.
Tra Lerice e Turbìa la più diserta,
la più rotta ruina è una scala,
verso di quella, agevole e aperta.
A vereda mais erma e desabrida,
Que de Léria a Túrbia[3] se encaminha,
Dá, confrontada, cômoda subida.
“Or chi sa da qual man la costa cala”,
disse ’l maestro mio fermando ’l passo,
“sì che possa salir chi va sanz’ala?”.
E o Mestre, assim falando, os pés detinha:
“Quem sabe onde a este monte o passo ascende?
Como aqui sem ter asas se caminha?”
E mentre ch’e’ tenendo ’l viso basso
essaminava del cammin la mente,
e io mirava suso intorno al sasso,
Enquanto, baixo o rosto, o Mestre entende
Na jornada, em sua mente interrogando,
E pela altura a vista se me estende,
da man sinistra m’apparì una gente
d’anime, che movieno i piè ver’ noi,
e non pareva, sì venïan lente.
Divisei turba a nós endireitando
Da mão destra; o seu passo era tão lento,
Que não me parecia estar andando.
“Leva”, diss’io, “maestro, li occhi tuoi:
ecco di qua chi ne darà consiglio,
se tu da te medesmo aver nol puoi”.
— “Aos que vêm” — disse ao Mestre — “mira atento;
Por eles pode ser conselho dado,
Se o não te of’rece o próprio pensamento...” —
Guardò allora, e con libero piglio
rispuose: “Andiamo in là, ch’ei vegnon piano;
e tu ferma la spene, dolce figlio”.
Olhou-me, e com semblante asserenado
— “À turba vagarosa” — tornou — “vamos,
E a esperança te esforce, ó filho amado!” —
Ancora era quel popol di lontano,
i’ dico dopo i nostri mille passi,
quanto un buon gittator trarria con mano,
Passos mil para a grei nos caminhamos
E de tiro de pedra inda à distância,
Por mão destra arrojada, nos chamamos
quando si strinser tutti ai duri massi
de l’alta ripa, e stetter fermi e stretti
com’a guardar, chi va dubbiando, stassi.
Quando aqueles espíritos estância
Junto aos penhascos vi fazer, cerrados,
Qual transviado da incerteza em ânsia.
“O ben finiti, o già spiriti eletti”,
Virgilio incominciò, “per quella pace
ch’i’ credo che per voi tutti s’aspetti,
“Vós, eleitos ao bem, no bem finados” —
Disse Virgílio — “pela paz ditosa,
Em que sois todos, creio, esperançados,
ditene dove la montagna giace,
sì che possibil sia l’andare in suso;
ché perder tempo a chi più sa più spiace”.
“Dizei-me onde a montanha alta e fragosa
Subir permite, um pouco se inclinando:
Do tempo a perda ao sábio é desgostosa.” —
Come le pecorelle escon del chiuso
a una, a due, a tre, e l'altre stanno
timidette atterrando l'occhio e 'l muso;
Como as ovelhas o redil deixando
A uma, duas, três e a cerviz tendo
Baixa as outras vão tímidas ficando;
e ciò che fa la prima, e l’altre fanno,
addossandosi a lei, s’ella s’arresta,
semplici e quete, e lo ’mperché non sanno;
Todas como a primeira, se movendo,
Conchegam-se-lhe ao dorso, se ela pára,
O porque, simples, quietas não sabendo:
sì vid’io muovere a venir la testa
di quella mandra fortunata allotta,
pudica in faccia e ne l’andare onesta.
Assim a demandar-nos se apressara
A venturosa grei, que no meneio
Traz a moléstia e o pudor na cara.
Come color dinanzi vider rotta
la luce in terra dal mio destro canto,
sì che l’ombra era da me a la grotta,
Tomada foi, porém, de tanto enleio,
Por minha sombra em vendo a luz cortada
A destra, em direção da rocha ao seio,
restaro, e trasser sé in dietro alquanto,
e tutti li altri che venieno appresso,
non sappiendo ’l perché, fenno altrettanto.
Que a vanguarda parou, como torvada:
Pelos mais sem detença foi seguida,
Mas sem lhes star a causa revelada.
“Sanza vostra domanda io vi confesso
che questo è corpo uman che voi vedete;
per che ’l lume del sole in terra è fesso.
— “A explicação previno apetecida:
Que um vivo corpo vedes confesso
E a luz do sol por este interrompida.
Non vi maravigliate, ma credete
che non sanza virtù che da ciel vegna
cerchi di soverchiar questa parete”.
“Não haja em vós de maravilha excesso;
Do céu pela virtude socorrido,
Da montanha atingir quer o cabeço.” —
Così ’l maestro; e quella gente degna
“Tornate”, disse, “intrate innanzi dunque”,
coi dossi de le man faccendo insegna.
Disse Virgílio. — E foi-lhe respondido:
— “Voltai-vos; caminhai de nós diante.” —
E o lugar indicavam referido.
E un di loro incominciò: “Chiunque
tu se’, così andando, volgi ’l viso:
pon mente se di là mi vedesti unque”.
— “Sem que um momento deixes ir avante,
Quem quer que sejas, olha-me e declara”, —
Disse um deles, — “se hás visto o meu semblante.” —
Io mi volsi ver’ lui e guardail fiso:
biondo era e bello e di gentile aspetto,
ma l'un de' cigli un colpo avea diviso.
Volvi-me, olhos fitando em quem falara.
Formoso e louro, tinha heróico aspeito;
Um golpe o seu sobrolho separara.
Quand’io mi fui umilmente disdetto
d’averlo visto mai, el disse: “Or vedi”;
e mostrommi una piaga a sommo ’l petto.
Tornei-lhe — “não” — tomado de respeito.
— “Olha!” — falou a sombra me indicando
Larga ferida no alto do seu peito.
Poi sorridendo disse: “Io son Manfredi,
nepote di Costanza imperadrice;
ond’io ti priego che, quando tu riedi,
“Vês Manfredo[4] — sorriu-se me falando —
Que neto foi da Imperatriz Constança.
A minha bela filha[5] diz, voltando,
vadi a mia bella figlia, genitrice
de l’onor di Cicilia e d’Aragona,
e dichi ’l vero a lei, s’altro si dice.
(Mãe daqueles por quem tanta honra alcança
Aragão com Sicília) o que hás sabido,
Qual a verdade seja lhe afiança.
Poscia ch’io ebbi rotta la persona
di due punte mortali, io mi rendei,
piangendo, a quei che volontier perdona.
“Depois que foi o corpo meu ferido
De golpes dois mortais, a Deus piedoso
Alma entreguei, chorando arrependido.
Orribil furon li peccati miei;
ma la bontà infinita ha sì gran braccia,
che prende ciò che si rivolge a lei.
“Fui de horrendos pecados criminoso,
Mas a Bondade Infinda acolhe e abraça
Quem perdão lhe suplica pesaroso.
Se ’l pastor di Cosenza, che a la caccia
di me fu messo per Clemente allora,
avesse in Dio ben letta questa faccia,
“Se o Bispo[6] que enviou Clemente à caça
Do meu cadáver, respeitado houvesse
Esse preceito da Divina Graça,
l’ossa del corpo mio sarieno ancora
in co del ponte presso a Benevento,
sotto la guardia de la grave mora.
“Do corpo meu os ossos me parece,
Que em frente à ponte, ao pé de Benevento,
Em guarda o grave acervo inda tivesse.
Or le bagna la pioggia e move il vento
di fuor dal regno, quasi lungo ’l Verde,
dov’e’ le trasmutò a lume spento.
“Agora os banha a chuva e açouta o vento,
Do reino meu distantes, junto ao Verde,
Onde os lançou sem luz, sem saimento.
Per lor maladizion sì non si perde,
che non possa tornar, l'etterno amore,
mentre che la speranza ha fior del verde.
“Mas anátema[7] tanto alma não perde
Que, quando verde a esp’rança lhe floresce,
Do eterno amor do Criador deserde.
Vero è che quale in contumacia more
di Santa Chiesa, ancor ch’al fin si penta,
star li convien da questa ripa in fore,
“Por certo, em contumácia o que fenece
Contra a Igreja, ainda quando se arrependa
Na hora extrema sua, aqui padece
per ognun tempo ch’elli è stato, trenta,
in sua presunzïon, se tal decreto
più corto per buon prieghi non diventa.
“Tempo, que trinta vezes compreenda
Da impenitência o espaço, se ao decreto
Preces não trazem benfazeja emenda.
Vedi oggimai se tu mi puoi far lieto,
revelando a la mia buona Costanza
come m’ hai visto, e anco esto divieto;
“Vês, pois, que podes me tornar quieto:
Revelando à piedade de Constança
Que interdito me hás visto ainda exceto
ché qui per quei di là molto s’avanza”.
Pelas preces de lá muito se alcança.” —
Canto IV
Canto IV, dove si tratta de la soprascritta seconda qualitade, dove si purga chi per negligenza di qui a la morte si tardòe a confessare; tra i quali si nomina il Belacqua, uomo di corte.
Seguindo os conselhos recebidos, os Poetas, através de um caminho apertado e difícil, sobem ao primeiro salto. Virgílio explica a Dante que, encontrando-se em hemisfério antípoda àquela terra, o Sol gira em direção contrária. Vendo muitas almas recolhidas à sombra de um rochedo, e aproximando-se a elas, Dante reconhece o seu amigo Belacqua. Ai estão os espíritos preguiçosos dos que esperaram para arrepender-se o termo da vida.
Quando per dilettanze o ver per doglie,
che alcuna virtù nostra comprenda,
l’anima bene ad essa si raccoglie,
Quando ou pelo prazer ou por desgosto
Das faculdades uma é possuída,
Concentrando-se, o espírito indisposto
par ch’a nulla potenza più intenda;
e questo è contra quello error che crede
ch’un’anima sovr’altra in noi s’accenda.
Se mostra à ação, de outra qualquer nascida;
Verdade, que refuta a crença errada
— Quem em nós uma alma está noutra acendida.
E però, quando s’ode cosa o vede
che tegna forte a sé l’anima volta,
vassene ’l tempo e l’uom non se n’avvede;
E, pois, se vendo, ouvindo, alma engolfada,
Lia-se à cousa, que a atenção cativa,
Sem sentir vai-lhe o tempo à desfilada.
ch’altra potenza è quella che l’ascolta,
e altra è quella c’ ha l’anima intera:
questa è quasi legata e quella è sciolta.
Pois faculdade só no ouvir ativa
Difere dessa, em que alma se domina:
Uma presa, outra a vínculos se esquiva.
Di ciò ebb’io esperïenza vera,
udendo quello spirto e ammirando;
ché ben cinquanta gradi salito era
Experiência ao claro isto me ensina.
Aquela sombra atônito escutando,
Já com cinqüenta graus o sol se empina,
lo sole, e io non m’era accorto, quando
venimmo ove quell’anime ad una
gridaro a noi: “Qui è vostro dimando”.
Sem que eu me apercebido houvesse, quando
Ao ponto fomos, onde a turba, unida,
— “Haveis o que anelais!” — disse, bradando.
Maggiore aperta molte volte impruna
con una forcatella di sue spine
l’uom de la villa quando l’uva imbruna,
Estando a vinha já madurecida,
Pelo aldeão de espinhos com braçada
Da sebe a estreita aberta é defendida.
che non era la calla onde salìne
lo duca mio, e io appresso, soli,
come da noi la schiera si partìne.
Mais larga é que a vereda alcantilada
Por onde fui subindo após meu Guia,
Quando a grei nos deixou abençoada.
Vassi in Sanleo e discendesi in Noli,
montasi su in Bismantova e ’n Cacume
con esso i piè; ma qui convien ch’om voli;
A Noli e a San-Leo por árdua via
Com pés se vai, Bismântua assim se alcança;
Ter asas de ave aqui mister seria;
dico con l’ale snelle e con le piume
del gran disio, di retro a quel condotto
che speranza mi dava e facea lume.
Ou asas de um desejo, que não cansa,
Para o vate seguir que, desvelado,
Me servia de luz, me dava esp’rança.
Noi salavam per entro ’l sasso rotto,
e d’ogne lato ne stringea lo stremo,
e piedi e man volea il suol di sotto.
Por carreiro entre penhas escavado,
Sempre de agudas pontas empecido,
Pelas mãos cada passo era ajudado.
Poi che noi fummo in su l’orlo suppremo
de l’alta ripa, a la scoperta piaggia,
“Maestro mio”, diss’io, “che via faremo?”.
Chegados da alta escarpa ao topo erguido
Da eminência no dorso descoberto,
— “Por onde ir”— disse então —“Mestre querido?”
Ed elli a me: “Nessun tuo passo caggia;
pur su al monte dietro a me acquista,
fin che n’appaia alcuna scorta saggia”.
— “Eia!” — tornou — “não dês um passo incerto!
Vai subindo após mim pela montanha;
Guia acharemos no caminho esperto.” —
Lo sommo er'alto che vincea la vista,
e la costa superba più assai
che da mezzo quadrante a centro lista.
Não mede a vista elevação tamanha:
Linha que o centro corte de um quadrante,
Por certo a ingrimidez não lhe acompanha.
Io era lasso, quando cominciai:
“O dolce padre, volgiti, e rimira
com’io rimango sol, se non restai”.
Sem forças já, falei-lhe titubante:
— “Volve a face, pai meu: olha piedoso
Que só me deixas, indo por diante” —
“Figliuol mio”, disse, “infin quivi ti tira”,
additandomi un balzo poco in sùe
che da quel lato il poggio tutto gira.
— “Para ali, filho” — diz — “te alça animoso!” —
E o seu braço indicava uma planura,
Que torneia o declive temeroso.
Sì mi spronaron le parole sue,
ch’i’ mi sforzai carpando appresso lui,
tanto che ’l cinghio sotto i piè mi fue.
Dessas vozes esforça-me a doçura
Tanto, que a rastos lhe seguia o passo
Até meus pés tocarem nessa altura.
A seder ci ponemmo ivi ambedui
vòlti a levante ond’eravam saliti,
che suole a riguardar giovare altrui.
Sentamo-nos a par, então, de espaço
Ao nascente voltados, qual viageiro
A estrada olhando, que calcara lasso;
Li occhi prima drizzai ai bassi liti;
poscia li alzai al sole, e ammirava
che da sinistra n’eravam feriti.
Abaixo os olhos dirigi primeiro,
Ao sol voltei depois; notei pasmado
Da esquerda o lume vir desse luzeiro.
Ben s’avvide il poeta ch’ïo stava
stupido tutto al carro de la luce,
ove tra noi e Aquilone intrava.
Disse Virgílio ao ver quanto enleado
Stava, o carro da luz considerando
Que era entre nós e o Aquilão entrado:
Ond’elli a me: “Se Castore e Poluce
fossero in compagnia di quello specchio
che sù e giù del suo lume conduce,
— “Se um e outro hemisfério alumiando,
Castor e Pólux junto a si tivera
O vasto espelho, que ora está brilhando,
tu vedresti il Zodïaco rubecchio
ancora a l’Orse più stretto rotare,
se non uscisse fuor del cammin vecchio.
“Da Ursa ainda mais propínqua à esfera,
A roda do Zodíaco observaras,
Se a costumada estrela não perdera.
Come ciò sia, se ’l vuoi poter pensare,
dentro raccolto, imagina Sïòn
con questo monte in su la terra stare
“Meditando, a verdade logo acharas,
Se colocados de Sião o monte,
E este outro na terra imaginaras,
sì, ch’amendue hanno un solo orizzòn
e diversi emisperi; onde la strada
che mal non seppe carreggiar Fetòn,
“Ambos guardando idêntico horizonte
E hemisférios diversos, onde passa
Estrada, em que tão mal correu Fetonte,
vedrai come a costui convien che vada
da l’un, quando a colui da l’altro fianco,
se lo ’ntelletto tuo ben chiaro bada”.
“E se a razão em ti não for escassa,
Verás que, enquanto a um vai por um lado,
Ao outro pelo oposto o sol perpassa.” —
“Certo, maestro mio”, diss’io, “unquanco
non vid’io chiaro sì com’io discerno
là dove mio ingegno parea manco,
— “Tanto ao claro jamais, ó Mestre amado,
Como ora, o meu esp’rito compreendera,
Quando estava por dúvida nublado.
che ’l mezzo cerchio del moto superno,
che si chiama Equatore in alcun’arte,
e che sempre riman tra ’l sole e ’l verno,
“Que o círc’lo médio da mais alta esfera,
Que sempre Equador chama-se em certa arte
Entre o inverno e o sol se considera,
per la ragion che di’, quinci si parte
verso settentrïon, quanto li Ebrei
vedevan lui verso la calda parte.
“Deve (se pude a mente penetrar-te)
Para o norte volver-se, e, no entretanto,
Viam-no Hebreus de Áustro pela parte.
Ma se a te piace, volontier saprei
quanto avemo ad andar; ché ’l poggio sale
più che salir non posson li occhi miei”.
“Agora, se te apraz, dize-me quanto
Hemos de andar; que os olhos, da eminência
Não atingindo o fim, se enchem de espanto.” —
Ed elli a me: “Questa montagna è tale,
che sempre al cominciar di sotto è grave;
e quant’om più va sù, e men fa male.
— “Da montanha” — responde — “é a excelência
Fadiga no começo causar grave;
Quem mais sobe acha menos resistência.
Però, quand’ella ti parrà soave
tanto, che sù andar ti fia leggero
com’a seconda giù andar per nave,
“Ao tempo, em que te parecer suave
Tanto, que a subas ágil e ligeiro,
Como descendo da água o curso a nave,
allor sarai al fin d’esto sentiero;
quivi di riposar l’affanno aspetta.
Più non rispondo, e questo so per vero”.
“No termo te acharás deste carreiro:
Após afã desfrutarás repouso:
Quanto digo hás de ver que é verdadeiro” —
E com’elli ebbe sua parola detta,
una voce di presso sonò: “Forse
che di sedere in pria avrai distretta!”.
Mal acabando o Mestre carinhoso,
Perto soa uma voz: — “Talvez te seja,
Antes de lá chegar, preciso um pouso.” —
Al suon di lei ciascun di noi si torse,
e vedemmo a mancina un gran petrone,
del qual né io né ei prima s’accorse.
Volveu-se cada qual para que veja
Quem falara; alta penha deparamos;
Então só vemos que à mão sestra esteja.
Là ci traemmo; e ivi eran persone
che si stavano a l’ombra dietro al sasso
come l’uom per negghienza a star si pone.
Multidão, cercando-nos, achamos
Que à sombra demorava quietamente;
Por desídia detidos os julgamos.
E un di lor, che mi sembiava lasso,
sedeva e abbracciava le ginocchia,
tenendo ’l viso giù tra esse basso.
Mostra-se um mais que os outros negligente:
Sentado abraça as pernas, tendo o rosto
Recostado aos joelhos, qual dormente.
“O dolce segnor mio”, diss’io, “adocchia
colui che mostra sé più negligente
che se pigrizia fosse sua serocchia”.
Disse então: — “Vê senhor, quanto disposto
É à inércia o que ali stá parecendo:
Como irmão da preguiça fica posto.” —
Allor si volse a noi e puose mente,
movendo ’l viso pur su per la coscia,
e disse: “Or va tu sù, che se’ valente!”.
Ele um pouco voltou-se olhos movendo
Para o meu lado, sem mudar postura,
— “Pois vai tu, que és valente!” — me dizendo.
Conobbi allor chi era, e quella angoscia
che m’avacciava un poco ancor la lena,
non m’impedì l’andare a lui; e poscia
Reconheci quem era. Inda me dura
Da agra ascensão em parte o grande ofêgo;
Mas endereço os passos à figura.
ch’a lui fu’ giunto, alzò la testa a pena,
dicendo: “Hai ben veduto come ’l sole
da l’omero sinistro il carro mena?”.
A fronte mal ergueu, quando me achego.
— “Como conduz o sol carro à esquerda
Tens reparado?” — disse com sossego.
Li atti suoi pigri e le corte parole
mosser le labbra mie un poco a riso;
poi cominciai: “Belacqua, a me non dole
Por meneio tão lento e voz tão lerda
Fui algum tanto a riso provocado.
— “Belacqua” — disse eu — “mas a tua perda
di te omai; ma dimmi: perché assiso
quiritto se’ ? attendi tu iscorta,
o pur lo modo usato t’ ha’ ripriso?”.
Não choro. Por que estás aqui sentado?
Esperas guia? Acaso, como outrora,
Da preguiça te sentes cativado?” —
Ed elli: “O frate, andar in sù che porta?
ché non mi lascerebbe ire a’ martìri
l’angel di Dio che siede in su la porta.
Tornou-me: — “Irmão, subir que importa agora?
De Deus o anjo, que defende a entrada,
Me deixaria dos martírios fora.
Prima convien che tanto il ciel m’aggiri
di fuor da essa, quanto fece in vita,
perch’io ’ndugiai al fine i buon sospiri,
“Tanto a porta me tem de ser vedada,
Quanto no mundo me durara a vida:
Pesei-me só a morte ao ver chegada.
se orazïone in prima non m’aita
che surga sù di cuor che in grazia viva;
l’altra che val, che ’n ciel non è udita?”.
“Mas antes ser me pode permitida
Pela oração de quem da Graça goza;
Que vai outra, do céu desatendida?” —
E già il poeta innanzi mi saliva,
e dicea: “Vienne omai; vedi ch’è tocco
meridïan dal sole, e a la riva
Mas o Vate seguia na penosa
Jornada. — “Vem!” — dizia — “Resplandece
O sol no meio-dia; e tenebrosa
cuopre la notte già col piè Morrocco”.
Sobre Marrocos ora a Noite desce.” —
Canto V
Canto V, ove si tratta de la terza qualitade, cioè di coloro che per cagione di vendicarsi d’alcuna ingiuria insino a la morte mettono in non calere di riconoscere sé esser peccatori e sodisfare a Dio; de li quali nomina in persona messer Iacopo da Fano, e Bonconte di Montefeltro.
Prosseguindo os dois Poetas a sua viagem, encontram uma multidão de almas que se aproximam deles, depois de ter percebido que Dante é vivo. São espíritos de pessoas que saíram da vida por morte violenta, mas no fim se arrependeram e perdoaram a seus inimigos.
Io era già da quell’ombre partito,
e seguitava l’orme del mio duca,
quando di retro a me, drizzando ’l dito,
Os passos do meu Guia acompanhando,
Dessas almas um pouco era distante,
Quando uma, atrás de nós, o dedo alçando,
una gridò: “Ve’ che non par che luca
lo raggio da sinistra a quel di sotto,
e come vivo par che si conduca!”.
— “Vede! A luz” — exclamou — “não é brilhante
À sestra do que vai mais demorado;
Pelo meneio a um vivo é semelhante.”
Li occhi rivolsi al suon di questo motto,
e vidile guardar per maraviglia
pur me, pur me, e ’l lume ch’era rotto.
Olhos volvi daquela voz ao brado,
E as vi notar, de maravilha cheias,
Como eu, andando, a sombra tinha ao lado.
“Perché l’animo tuo tanto s’impiglia”,
disse ’l maestro, “che l’andare allenti?
che ti fa ciò che quivi si pispiglia?
— “Por que tanto, ó meu filho, assim te enleias?”
Disse o Mestre. — “Por que deténs o passo?
Acaso o murmurar daqui receias?
Vien dietro a me, e lascia dir le genti:
sta come torre ferma, che non crolla
già mai la cima per soffiar di venti;
“Segue-me: a vozes vãs ouvido escasso!
Qual torre, inabalável sê, dos ventos
À fúria opondo válido embaraço;
ché sempre l’omo in cui pensier rampolla
sovra pensier, da sé dilunga il segno,
perché la foga l’un de l’altro insolla”.
“Quem firmeza não tem nos pensamentos,
Do fim se aparta, a que alma se endereça
E, assim, malogra, instável, seus intentos.
Che potea io ridir, se non “Io vegno”?
Dissilo, alquanto del color consperso
che fa l’uom di perdon talvolta degno.
— “Sigo-te!” — ao Mestre meu tornei depressa.
Cumpria assim falar; meu voto incende
O rubor, que ao perdão a falta apressa.
E ’ntanto per la costa di traverso
venivan genti innanzi a noi un poco,
cantando ’Miserere’ a verso a verso.
Entanto por atalho a costa ascende
Adiante de nós turba cantando
Devota Miserere, e ao cimo tende.
Quando s’accorser ch’i’ non dava loco
per lo mio corpo al trapassar d’i raggi,
mutar lor canto in un “oh!” lungo e roco;
Ao ver que estava o corpo meu vedando
Dos luminosos raios a passagem
O canto suspendeu, rouco “oh!” soltando
e due di loro, in forma di messaggi,
corsero incontr’a noi e dimandarne:
“Di vostra condizion fatene saggi”.
E dois dos seus em forma de mensagem
Correndo contra nós assim falaram:
“Quem sois, que assim fazeis esta viagem?”
E ’l mio maestro: “Voi potete andarne
e ritrarre a color che vi mandaro
che ’l corpo di costui è vera carne.
Disse Virgílio: — “Aos que vos enviaram
Tornai que ao corpo do homem que estais vendo
Vitais alentos inda não deixaram.
Se per veder la sua ombra restaro,
com’io avviso, assai è lor risposto:
fàccianli onore, ed esser può lor caro”.
“Se os passos, como cuido, estão detendo,
Por ver-lhe a sombra, a causa é conhecida;
Terão proveito, as honras lhe fazendo.” —
Vapori accesi non vid’io sì tosto
di prima notte mai fender sereno,
né, sol calando, nuvole d’agosto,
Mais prontos que os vapores à descida
Da noite, o ar sereno aluminando,
Ou névoa, ao pôr do sol, do céu varrida,
che color non tornasser suso in meno;
e, giunti là, con li altri a noi dier volta,
come schiera che scorre sanza freno.
Partem, à grei de novo se ajuntando;
Como esquadrão, que corre à desfilada,
Voltam todos, a nós se arremessando.
“Questa gente che preme a noi è molta,
e vegnonti a pregar”, disse ’l poeta:
“però pur va, e in andando ascolta”.
“Ao nosso encontro vem turba avultada;
Pretensões todos têm” — disse-me o Guia
— “Andando, os ouve; não convém parada.”
“O anima che vai per esser lieta
con quelle membra con le quai nascesti”,
venian gridando, “un poco il passo queta.
— “Ó alma, que do céu vais à alegria
No próprio corpo, em que feliz nasceste,
Demora o passo um pouco” — a grei dizia,
Guarda s’alcun di noi unqua vedesti,
sì che di lui di là novella porti:
deh, perché vai? deh, perché non t’arresti?
“De entre nós vê se alguém reconheceste
Para ao mundo levares a notícia;
Por que deter-te ainda não quiseste?
Noi fummo tutti già per forza morti,
e peccatori infino a l’ultima ora;
quivi lume del ciel ne fece accorti,
“Morte a todos causou cruel nequícia;
Pecamos sempre até que à final hora
Do céu a luz se nos mostrou propícia.
sì che, pentendo e perdonando, fora
di vita uscimmo a Dio pacificati,
che del disio di sé veder n’accora”.
“Assim, contritos, perdoando, fora
Fomos da vida, a paz com Deus já feita;
De o ver desejo nos acende agora.”
E io: “Perché ne’ vostri visi guati,
non riconosco alcun; ma s’a voi piace
cosa ch’io possa, spiriti ben nati,
— “A feição vossa” — eu disse — “é tão desfeita,
Que nenhum reconheço; mas, se acaso
Ser útil posso no que a vós respeita,
voi dite, e io farò per quella pace
che, dietro a’ piedi di sì fatta guida,
di mondo in mondo cercar mi si face”.
“Pela paz, a servir-vos já me emprazo,
Que busco, deste sábio acompanhado,
De mundo em mundo, no mais breve prazo.”
E uno incominciò: “Ciascun si fida
del beneficio tuo sanza giurarlo,
pur che ’l voler nonpossa non ricida.
“Cada qual” — me tornou — “está confiado
Em ti, mister não há teu juramento,
Se não faltar poder ao teu bom grado.
Ond'io, che solo innanzi a li altri parlo,
ti priego, se mai vedi quel paese
che siede tra Romagna e quel di Carlo,
“Aos outros me antecipo: ao rogo atento,
Tu se fores à terra que demora
Entre a Romanha e a que é de Carlo assento,
che tu mi sie di tuoi prieghi cortese
in Fano, sì che ben per me s’adori
pur ch’i’ possa purgar le gravi offese.
“Aos meus em Fano compassivo exora
Que com preces sufraguem-me piedosos
Para o mal expurgar que fiz outrora.
Quindi fu’ io; ma li profondi fóri
ond’uscì ’l sangue in sul quale io sedea,
fatti mi fuoro in grembo a li Antenori,
“Nasci lá, sofri golpes espantosos,
Que a existência cortaram-me tão cara,
De Antenórios nos planos pantanosos,
là dov’io più sicuro esser credea:
quel da Esti il fé far, che m’avea in ira
assai più là che dritto non volea.
“Onde o funesto fim nunca esperara.
Assim o quis do Marquês d’Este a ira,
Que o exício meu injusto aparelhara.
Ma s’io fosse fuggito inver’ la Mira,
quando fu’ sovragiunto ad Orïaco,
ancor sarei di là dove si spira.
“Ah! se, fugindo, me acolhesse a Mira
Quando alcançou-me de Oriais perto,
Eu fora inda hoje aonde se respira.
Corsi al palude, e le cannucce e ’l braco
m’impigliar sì ch’i’ caddi; e lì vid’io
de le mie vene farsi in terra laco”.
“Mas, correndo ao paul, sem rumo certo,
Caí, no ceno e juncos enleado:
De sangue um lago fez meu peito aberto.”
Poi disse un altro: “Deh, se quel disio
si compia che ti tragge a l’alto monte,
con buona pïetate aiuta il mio!
“Se for” — outro então disse — “executado
Desejo que te impele ao alto monte,
Sê por mim de piedade impressionado.
Io fui di Montefeltro, io son Bonconte;
Giovanna o altri non ha di me cura;
per ch’io vo tra costor con bassa fronte”.
“De Montefeltro fui e fui Buonconte;
De mim Joana, e ninguém mais, não cura;
Entre todos por isso abaixo a fronte.”
E io a lui: “Qual forza o qual ventura
ti travïò sì fuor di Campaldino,
che non si seppe mai tua sepultura?”.
— “Que força — que má ventura
Tão longe te arrastou de Campaldino,
Que se ignora onde tens a sepultura?”
“Oh!”, rispuos’elli, “a piè del Casentino
traversa un’acqua c’ ha nome l’Archiano,
che sovra l’Ermo nasce in Apennino.
— “Oh!” — replicou-me — “Ao pé de Casentino
Um rio passa que se chama Arquiano,
Nascido lá sobre o Ermo, no Apenino.
Là ’ve ’l vocabol suo diventa vano,
arriva’ io forato ne la gola,
fuggendo a piede e sanguinando il piano.
“De dor lá onde o perde o nome, insano,
Cheguei: ao pé fugia, e, traspassado,
O colo meu ensangüentava o plano.
Quivi perdei la vista e la parola;
nel nome di Maria fini’, e quivi
caddi, e rimase la mia carne sola.
“Da vista e fala ao ser desamparado,
No suspiro final bradei — Maria! —
E o corpo meu tombou, da alma deixado.
Io dirò vero, e tu ’l ridì tra ’ vivi:
l’angel di Dio mi prese, e quel d’inferno
gridava: “O tu del ciel, perché mi privi?
“Direi verdade: aos vivos o anuncia.
De Deus anjo tomando-me, o do inferno
— “Servo do Céu, mo tomas?” lhe bramia.
Tu te ne porti di costui l’etterno
per una lagrimetta che ’l mi toglie;
ma io farò de l’altro altro governo!”.
“Dele me usurpas o princípio eterno
Por uma tênue lágrima fingida;
Mas do seu corpo cabe-me o governo.
Ben sai come ne l’aere si raccoglie
quell’umido vapor che in acqua riede,
tosto che sale dove ’l freddo il coglie.
“Bem sabes que nos ares recolhida
Vaporosa umidade em chuva desce,
Quando é do frio às regiões subida
Giunse quel mal voler che pur mal chiede
con lo ’ntelletto, e mosse il fummo e ’l vento
per la virtù che sua natura diede.
“Como quem com maldade o engenho tece,
Névoas e vento acumulava, usando
Da pujança infernal que lhe obedece.
Indi la valle, come ’l dì fu spento,
da Pratomagno al gran giogo coperse
di nebbia; e ’l ciel di sopra fece intento,
“Depois, o dia terminado estando,
Do Pratomagno à serra, o vale envolve
Em treva, ao céu a abóbada enlutando.
sì che ’l pregno aere in acqua si converse;
la pioggia cadde, e a’ fossati venne
di lei ciò che la terra non sofferse;
“Túmido o ar, em catadupas volve,
E a água que na terra não se entranha,
Espumosa em torrentes se revolve.
e come ai rivi grandi si convenne,
ver’ lo fiume real tanto veloce
si ruinò, che nulla la ritenne.
“Veloz os álveos aos arroios ganha,
E para o régio rio se arrojando,
Os óbices abate, que se assanha.
Lo corpo mio gelato in su la foce
trovò l’Archian rubesto; e quel sospinse
ne l’Arno, e sciolse al mio petto la croce
“Junto à foz meu cadáver encontrando
Levanta-o Arquiano impetuoso
Ao Arno o impele, os braços desligando
ch’i’ fe’ di me quando ’l dolor mi vinse;
voltòmmi per le ripe e per lo fondo,
poi di sua preda mi coperse e cinse”.
“Da cruz que fiz no transe doloroso.
Por fundo e margens rola-o, sepultado
Na areia o deixa, que arrastara iroso.” —
“Deh, quando tu sarai tornato al mondo
e riposato de la lunga via”,
seguitò 'l terzo spirito al secondo,
— “Ah! quando à luz do mundo hajas tornado,
Quando repouses da jornada extensa” —
Foi por terceiro espírito impetrado:
“ricorditi di me, che son la Pia;
Siena mi fé, disfecemi Maremma:
salsi colui che ’nnanellata pria
“De Pia recordando-te, em mim pensa;
Siena fizera o que desfez Marema.
Sabe-o quem me esposara e em recompensa
disposando m’avea con la sua gemma”.
No dedo pôs-me anel com rica gema.” —
Canto VI
Canto VI, dove si tratta di quella medesima qualitade, dove si purga la predetta mala volontà di vendicare la ’ngiuria, e per questo si ritarda sua confessione, e dove truova e nomina Sordello da Mantua.
Dante promete às almas que a eles se recomendaram que não se esquecerá delas quando voltar ao mundo dos vivos. Os dois Poetas encontram o poeta Sordello, o qual, ao ouvir o nome da sua pátria, Mântua, abraça o mantuano Virgílio. Esse espisódio move Dante a uma violenta invectiva contra as divisões e as guerras internas que devastam a Itália.
Quando si parte il gioco de la zara,
colui che perde si riman dolente,
repetendo le volte, e tristo impara;
Quando o jogo da zara é terminado,
Na amargura, o que perde, só ficando,
Os bons lances ensaia contristado.
con l’altro se ne va tutta la gente;
qual va dinanzi, e qual di dietro il prende,
e qual dallato li si reca a mente;
A turba o vencedor acompanhando,
Qual vai diante qual por trás o prende,
Ao lado qual se está recomendando:
el non s’arresta, e questo e quello intende;
a cui porge la man, più non fa pressa;
e così da la calca si difende.
A este e àquele sem deter-se atende;
O que lhe alcança a mão parte se apressa;
De importunos desta arte se defende.
Tal era io in quella turba spessa,
volgendo a loro, e qua e là, la faccia,
e promettendo mi sciogliea da essa.
Cerca-me assim a multidão espessa,
Ora a uns ora a outros me volvendo,
De cada qual me livro por promessa.
Quiv’era l’Aretin che da le braccia
fiere di Ghin di Tacco ebbe la morte,
e l’altro ch’annegò correndo in caccia.
O Aretino aqui stava: golpe horrendo,
De Ghin Tacco por mau, cortou-lhe a vida,
E o que na fuga se afogou, horrendo.
Quivi pregava con le mani sporte
Federigo Novello, e quel da Pisa
che fé parer lo buon Marzucco forte.
Aqui rogou-me em súplica sentida,
Frederico Novello e esse Pisano
Por quem Mazucco ação fez tão subida.
Vidi conte Orso e l’anima divisa
dal corpo suo per astio e per inveggia,
com’e’ dicea, non per colpa commisa;
Vi o Conde Orso e aquele que o seu dano
Mortal, pelo ódio e inveja, recebera,
Como dizia, não por feito insano.
Pier da la Broccia dico; e qui proveggia,
mentr’è di qua, la donna di Brabante,
sì che però non sia di peggior greggia.
Aludo a Pedro Brosse.
1 comment