E gostaria de saber – afirmou John Marcher.
– Me diga o que você acha. Se esperar comigo, você verá.
– Então muito bem.
A esta altura os dois caminhavam ao longo da sala e, antes de sair, pararam à porta, como para confirmar o seu entendimento.
– Vou esperar com você – disse May Bartram.
2
O FATO de saber – ela sabia e nem zombava dele nem o iludia – em pouco tempo começou a representar para os dois uma atraente ligação, que se tornou mais marcante quando, durante o ano que se seguiu àquela tarde em Weatherend, multiplicaram-se as oportunidades de se encontrarem. O acontecimento que possibilitou essas ocasiões foi a morte da velha senhora, tia-avó dela, sob cuja asa havia de certa forma encontrado abrigo desde que perdera a mãe; embora a tia-avó não fosse senão a mãe viúva do novo herdeiro, conseguira, graças ao seu temperamento difícil e altissonante, conservar a suprema posição dentro de casa. A destituição desta personagem só se deu com a morte, que, seguida de muitas mudanças, trouxe uma mudança especial para a jovem, em quem a atenção de Marcher, com sua experiência, reconhecera logo uma dependente, dona de um orgulho que podia doer, mas não se encrespava. Nada, durante longo tempo, o acalmou mais do que o pensamente de que a dor deve ter sido muito minorada quando Miss Bartram se viu instalada numa pequena casa em Londres. Ela havia se tornado proprietária, e tal luxo se fez possível graças ao testamento da tia-avó, bastante complicado; quando o negócio começou a ser resolvido, o que na verdade exigiu tempo, ela mandou dizer a ele que a feliz solução finalmente estava à vista. Haviam estado juntos antes daquele dia, pois ela não só acompanhou mais de uma vez a velha senhora até a cidade, como ele visitara de novo os amigos que haviam tornado Weatherend, de maneira tão conveniente, um dos atrativos da hospitalidade deles. Estes amigos o levaram de novo lá; ele conseguira ter de novo com Miss Bartram alguns tranquilos momentos a sós; e em Londres havia conseguido dela, mais de uma vez, que se afastasse um instante da tia. Nessas ocasiões, foram juntos à National Gallery e ao Museu de South Kensington, onde, entre vívidas lembranças, falaram da Itália em geral – agora não tentando recuperar, como antes, o gosto da juventude e da inexperiência. Esta recuperação, no primeiro dia em Weatherend, havia cumprido bem o seu papel, tinha-lhes dado o suficiente; assim, Marcher sentia que já não estavam flutuando nas cabeceiras do rio, mas que o barco ia sendo rapidamente levado rio abaixo.
Os dois literalmente navegavam juntos; para o nosso cavalheiro, isto era tão mais evidente quanto a causa afortunada era justamente o tesouro enterrado, que vinha a ser o que ela sabia. Com suas próprias mãos ele havia desenterrado seu pequeno tesouro, trazendo-o para a luz do dia – ou seja, para o dia de luz indistinta das suas reservas e discrições – tendo esquecido tão estranhamente e por tanto tempo o esconderijo onde havia ele próprio enterrado o seu objeto de valor. A sorte rara de haver outra vez esbarrado no lugar exato o tornou indiferente a tudo mais; sem dúvida dedicaria mais tempo ao seu esquisito lapso de memória, se não fosse levado a dedicar mais à doçura, ao alívio, para o futuro, que o próprio lapso ajudou a conservar. Nunca fizera parte de seus planos que alguém mais pudesse saber, principalmente pela simples razão de que não estava nele contar a ninguém. Isso teria sido impossível, pois não poderia esperar nada de um mundo indiferente, a não ser que se divertissem com aquilo. Desde, todavia, que, a despeito dele, o misterioso destino veio abrir em tempo a sua boca, considerou isto uma compensação da qual tiraria o maior proveito. A ideia de que a pessoa certa é que sabia amenizava a aspereza do seu segredo bem mais do que a timidez poderia deixá-lo imaginar; e May Bartram era evidentemente a pessoa certa porque – bem, porque ali estava ela. Seu conhecimento simplesmente tornava tudo certo; se fosse a pessoa errada, a esta altura ele já saberia. Na sua situação, havia sem dúvida algo que o predispunha demais a ver nela uma simples confidente, acendendo para ele toda a sua luz, a partir do fato – somente do fato – de se interessar pelo transe em que ele se achava, e de sua compaixão, simpatia, seriedade – sua concordância em não o encarar como o mais engraçado dos engraçados. Sabendo, em suma, que o que ela tinha de precioso para ele era lhe dar aquela constante impressão de estar sendo admiravelmente poupado, ele tinha o cuidado de se lembrar que ela também levava uma vida própria, com coisas que poderiam acontecer a ela, coisas que numa amizade deveriam da mesma forma ser levadas em conta. Quanto a isso, algo bem extraordinário veio a acontecer com ele, nesta área – algo representado por certa passagem súbita de sua consciência de um extremo a outro.
Ele se considerava, desde que ninguém viesse a saber, a pessoa mais desinteressada do mundo, carregando sempre discretamente a sua pesada carga, jamais tocando no assunto, não mostrando aos demais sequer um lampejo dela, ou dos efeitos sobre sua vida, não pedindo a compreensão de ninguém e somente dando, por seu lado, aquela que lhe pediam. Não incomodava os outros com a excentricidade de obrigá-los a conhecer um homem mal-assombrado, ainda que em certos momentos tivesse a maior tentação de ouvi-los dizer que estavam eles próprios bastante assombrados. Se ficassem tão assombrados quanto ele – que nunca deixara de estar uma hora sequer de sua vida – saberiam o que isso significava. Mesmo assim, não lhe cabia assombrá-los, e ele se limitava a ouvi-los com suficiente civilidade. Esta a razão pela qual tinha tão boas maneiras – embora possivelmente fosse um tanto sem graça; esta a razão, acima de tudo, de se considerar um homem razoavelmente – e até, quem sabe, extraordinariamente – desprendido num mundo ganancioso. Em consequência, acreditamos que ele valorizava esta característica o suficiente para ter a consciência do perigo de perdê-la, contra o qual prometeu a si mesmo ficar sempre de sobreaviso. Estava preparado, mesmo assim, para ser egoísta – só um pouco – já que na verdade nenhuma ocasião mais tentadora se tinha apresentado. “Só um pouco”, em resumo, era justamente o máximo que Miss Bartram permitiria. Ele jamais exerceria sobre ela o menor predomínio, e tinha sempre em mente as coordenadas que sua consideração por ela – a mais alta – exigia que seguisse. Estabeleceria totalmente as regras pelas quais os negócios dela, requisitos, peculiaridades – ele foi a ponto de lhes dar a amplidão desta palavra – deveriam ser pautados ao longo da convivência entre eles. Tudo isso, naturalmente, era sinal de quanto ele dava a convivência como certa.
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