Livro após livro, a sociedade é derrubada para mais tarde dar lugar a um mundo melhor e mais pacífico. Esses temas podem nos parecer menos convincentes hoje em dia, depois dos pavorosos regimes estabelecidos do início a meados do século passado. Em 1910, alguns anos depois da publicação de A guerra dos mundos, Wells publicou o encantador romance As aventuras do sr. Polly. Incorporando vários aspectos da vida anterior de Wells, em especial a fuga do sr. Polly das lojas de tecidos, o livro também apresenta um sonho comum a muitos homens da época: escapar do cativeiro das lojas para se tornar um trabalhador ocasional numa estalagem no campo, de propriedade de uma mulher agradável e situada às margens de um rio imaculado. É uma forma de utopia individual, em que o sr. Polly finalmente encontra a felicidade.

Uma variante desse quadro aparece em 1984, em que a modesta utopia de Orwell é ter privacidade e uma mulher para amar. A utopia do sr. Polly tem duração maior do que a de Winston Smith. O mundo se tornara mais sombrio nos anos 1940.

Este é um momento oportuno para comentar os filmes e programas de rádio feitos a partir do livro de Wells. Em outubro de 1938, uma encenação radiofônica baseada em A guerra dos mundos, estrelada por Orson Welles, foi transmitida nos Estados Unidos (e retransmitida muito depois pela rádio BBC). Produzida de forma documental, seu cenário foi transposto para a costa leste norte-americana. Muitos ouvintes entraram em pânico, acreditando que a Terra realmente estava sendo invadida por marcianos, e fugiram para as proverbiais montanhas. Hoje é difícil entender como o público pôde ser tão crédulo, mas os acontecimentos daquela noite foram assunto de textos universitários e inspiraram um estúdio de cinema a fazer um filme.

A guerra dos mundos foi filmado por George Pal, da Paramount Productions, e lançado em 1953. A abertura é esplêndida. Sir Cedric Hardwicke, ilustre membro do contingente de atores britânicos residentes em Hollywood, narra boa parte do primeiro parágrafo do romance diante de um céu estrelado.

Em vez da Inglaterra, o sul da Califórnia. Em vez de Woking, Los Angeles. Um ator de queixo quadrado e uma atriz inexpressiva formam o par romântico. Os diálogos se arrastam, mas as máquinas marcianas em forma de bumerangue são atraentes. É um filme barulhento, cheio de destruição.

Como vimos, o clérigo de Wells é um tipo desprezível. O diretor Byron Haskin o transforma numa figura heroica. Avançando de peito aberto em direção aos marcianos, o heroico padre declama, “Ainda que eu caminhe pelo Vale da Morte, não temerei nenhum mal”, quando — pou! — um raio de calor o fulmina.

Uma série de TV americana baseada no romance de Wells foi ao ar em 1988 e teve 42 episódios.

Esses filmes e outros, como Kipps e The History of Mr Polly, evidenciam uma diferença entre o temperamento britânico e o norte-americano. Os britânicos gostam — ou certamente gostavam — de uma pitada de melancolia nas histórias, para dar mais sabor. Os norte-americanos preferem o individualismo triunfante, tal como o propagado na ficção científica pelo grupo de escritores formado por Robert Heinlein, Isaac Asimov e John Campbell. Essa preferência ficou ainda mais evidente com a trajetória de A guerra dos mundos nos Estados Unidos.

O romance foi publicado clandestinamente em fascículos num jornal dos Estados Unidos. Mas os norte-americanos não se conformaram com a invasão marciana. Um jornalista chamado Garrett P. Serviss escreveu uma espécie de sequência ao romance de Wells intitulada Edison’s Conquest of Mars [Edison conquista Marte]. Thomas Edison inventa a antigravidade e um raio desintegrador, e parte com uma frota de espaçonaves para pulverizar Marte.