Ela ainda não via nada de nojento nele; vestia bermuda cortada e esfarrapada e uma camiseta que já vira dias melhores, mas muitos meninos usavam roupas assim. E o cachorro dele trotava bem atrás, abanando o rabo, amistoso e atento. Não estavam incomodando ninguém. Cassie olhou no rosto do garoto, curiosa para ver seus olhos.

— Olhe para baixo — cochichou Portia. O garoto passava bem na frente delas. Cassie olhou para baixo apressadamente, obedecendo no automático, embora no fundo sentisse uma onda de rebeldia. Aquilo parecia mesquinho, desagradável, desnecessário e cruel. Ela ficou com vergonha de participar, mas não conseguia deixar de fazer o que Portia dizia.

Cassie olhou para seus dedos se arrastando na areia. Podia ver cada grão sob o sol forte. De longe, a areia parecia branca, mas de perto cintilava de cores: pontos de mica preta e verde, fragmentos de conchas em tons pastel, lascas de quartzo vermelho como granadas minúsculas. É injusto, pensou ela sobre o garoto, que obviamente não a ouvia. Desculpe-me; isso não é justo. Eu queria fazer alguma coisa, mas não posso.

Um focinho molhado encostou por baixo de sua mão.

O susto fez com que ela prendesse a respiração, e um riso ficou preso na garganta. O cachorro empurrou sua mão de novo, sem pedir; exigindo. Cassie o afagou, coçando os pelos curtos, eriçados e sedosos perto do focinho. Era um pastor-alemão, ou o era em boa parte, um cachorro grande e bonito de olhos castanhos, espertos e lacrimejantes e uma boca sorridente. Cassie sentiu a máscara rígida e constrangida que usava se quebrar e riu daquilo.

Depois ela levantou a cabeça para o dono, rapidamente, sem conseguir se controlar. Olhou bem nos olhos dele.

Mais tarde, Cassie pensaria naquele momento: o instante em que se olharam. Os olhos dele eram de um cinza-azulado, como o mar no que tinha de mais misterioso. O rosto era singular; não convencionalmente bonito, mas cativante e intrigante, com maçãs delineadas e uma boca decidida. Orgulhoso, independente, bem-humorado e sensível ao mesmo tempo. Enquanto ele a olhava de cima, seu sorriso intimidador se iluminou e algo cintilou nos olhos cinza-azulados, como o sol brilhando nas ondas.

Normalmente Cassie era tímida com os garotos, especialmente com os que não conhecia, mas este era só um trabalhador pobre dos barcos pesqueiros, e ela lamentou por ele. Queria ser gentil e, além do mais, ela não conseguia evitar. Então, quando sentiu que começava a lhe retribuir aquele brilho, o riso radiante em resposta ao sorriso dele, deixou rolar. Naquele instante foi como se estivessem partilhando um segredo, algo que mais ninguém na praia podia entender. O cachorro se agitava de êxtase, como se também participasse.

Cassie — foi o chiado fulminante de Portia.

Cassie sentiu que ficou vermelha e tirou os olhos do rosto do garoto. Portia parecia furiosa.

— Raj! — disse ele, agora sem rir. — Junto!

Com aparente relutância, o cachorro se afastou de Cassie, ainda abanando o rabo. Depois, espalhando areia, correu para o dono. Não é justo, pensou Cassie de novo.