Então a voz do garoto a surpreendeu.
— A vida não é justa — disse ele.
Pasma, os olhos de Cassie voaram para o rosto dele.
Os olhos do garoto eram escuros como o mar numa tempestade. Ela viu isso com clareza e, por um momento, quase ficou assustada, como se tivesse enxergado algo proibido, algo além de sua compreensão. Mas poderoso. Algo poderoso e estranho.
E então o garoto foi andando, seguido pelo cachorro saltitante. Ele não olhou para trás.
Cassie fitou-o de costas, pasma. Não tinha falado em voz alta; tinha certeza de que não tinha falado em voz alta. Mas, então, como é possível que ele tenha lhe ouvido?
Seus pensamentos foram interrompidos por um assobio a seu lado. Cassie se encolheu, sabendo exatamente o que Portia iria dizer. Que era bem provável que aquele cachorro tivesse sarna, pulgas, vermes e um tipo de tuberculose. A toalha de Cassie devia estar tomada de parasitas naquele instante.
Mas Portia não disse isso. Também olhava para as figuras do garoto e do cachorro que subiam uma duna, depois pegavam um pequeno trecho de relva na praia. E embora ela estivesse claramente enojada, havia algo em seu rosto... uma espécie de especulação sombria e suspeita que Cassie jamais vira.
— Qual é o problema, Portia?
Os olhos de Portia se estreitaram.
— Eu acho — começou devagar, com os lábios tensos — que já vi esse sujeito antes.
— Você já disse isso. Você o viu no cais dos pescadores.
Portia balançou a cabeça, impaciente.
— Não é isso. Cala a boca e me deixa pensar.
Assustada, Cassie se calou.
Portia continuou a olhar, e alguns instantes depois começou a balançar a cabeça, de leve, confirmando alguma coisa consigo mesma. Seu rosto estava vermelho e não era por causa do sol.
De repente, ainda assentindo, ela murmurou alguma coisa e se levantou. Agora sua respiração estava acelerada.
— Portia?
— Preciso fazer uma coisa — disse Portia, acenando para Cassie sem olhar para ela. — Você fica aqui.
— O que está acontecendo?
— Nada! — Portia olhou-a incisivamente. — Não está acontecendo nada. Esqueça tudo isso. A gente se vê mais tarde. — Ela se afastou, rapidamente, indo para as dunas, na direção do chalé de sua família.
Dez minutos antes, Cassie teria dito que estava louca de felicidade por Portia tê-la deixado sozinha, por qualquer motivo. Mas agora descobria que não podia curtir isso. Sua mente estava tão agitada quanto o mar azul-cinzento e revolto antes de uma tempestade. Sentia-se agitada, aflita e quase apavorada.
O mais estranho foi o que Portia murmurou antes de se levantar. Foi à meia-voz, e Cassie não tinha certeza de que havia ouvido direito. Deve ter sido outra coisa, como “bucha”, “trouxa” ou “puxa”.
Ela deve ter ouvido mal. Não se pode chamar um homem de bruxa, pelo amor de Deus.
Calma, disse a si mesma. Sem estresse. Enfim, você está sozinha.
Mas por algum motivo não conseguia relaxar.
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