Possuidor de princípios morais sólidos, por ter feito um juramento amoroso no início de sua adolescência, retardou a concretização de seu amor por Carolina. Este impedimento moral acaba desenvolvendo inúmeras situações no enredo, até que, ao final da história, a jovem Carolina é quem revelará a Augusto ser a menina por quem ele jurou amor eterno na adolescência (exaltando o sentimento de amor). Augusto é caracterizado em etapas. No início, seus colegas o descrevem como um rapaz romântico e inconstante; mais tarde, Augusto confessa que sua inconstância é, na verdade uma forma de disfarçar sua fidelidade a um amor não realizado.
A personagem com maior significado para se criar o mito romântico estritamente brasileiro é Carolina. A moça, com um tom de pele leve é conhecida como “moreninha”, é simples e não exala sedução como outras heroínas da época. É muito travessa, inteligente, irônica e astuta. O perfil de Carolina traz um nova cara para o mito romântico, que mais tarde reaparecerá na prosa de José de Alencar e na poesia de Gonçalves Dias: o índio brasileiro. D. Carolina tem, portanto, um rastro poético indianista que mostra a preocupação literária do período em criar e valorizar elementos culturais da então jovial nação brasileira.
Macedo afirma que o livro foi escrito em 30 dias, durante suas férias da faculdade. A principal ação da obra ocorre em torno da Ilha de Paquetá, que fica na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Conhecida por ser uma ilha paradisíaca, se tornou cenário ideal para o desenvolvimento de uma trama romântica, com casos amorosos, o que revela no autor um olhar voltado para a busca do romantismo na natureza, ou seja, um cenário poético acaba legitimando nossa identidade cultural. É lá que vive D. Ana e sua neta Carolina. Apenas no início e no fim do romance é que podemos presenciar as personagens na cidade do Rio de Janeiro.
Existe também na obra sinais que sintetizam o contexto histórico e social de nossa Literatura romântica. O quarto do estudante faz um paralelo com o Rio de Janeiro que rapidamente ficou sofisticado e urbanizado, com a criação, por exemplo, de inúmeras faculdades, expansão do comércio e da cidade.
O estilo de Joaquim Manuel de Macedo segue uma linguagem rápida, direta e muita viva, o que conduz o leitor diretamente ao centro da ação (exemplo disso é o primeiro capítulo “Aposta imprudente”, no qual os diálogos que ocorrem entre os quatro estudantes seguem diretos, rápidos e sem a interferência do narrador onisciente). Ao longo do texto, o narrador limita-se a conduzir o leitor pelos ambientes e pelo interior das personagens, como por exemplo, no Capítulo XIX, “Entremos nos corações”, orientando o leitor a acompanhar todas as ações. Macedo também mantém um estilo no qual economiza em seus comentários e em suas descrições. Outra característica evidente é o uso do flashback, este é um recurso que ele se utiliza para guiar o leitor pelo enredo sem perder tempo, sabendo o momento certo para dar voz às suas personagens a fim de retardar o fluxo narrativo, exemplo disso, é o Capítulo II, “Fabrício em apuros”, no qual o narrador nos reproduz na íntegra a carta de Fabrício a Augusto que, além abusar em sua correspondência do amor romântico, traz informações essenciais que nos guiarão ao longo da história. O mesmo narrador cede quatro capítulos (do VII ao X) para nos mostrar de perto, não só a conversa entre Augusto e D. Ana na gruta, como também o texto da lírica balada cantada por Carolina. Neste momento notamos claramente que o romance incorpora outros gêneros literários, como a poesia lírica.
A construção das heroínas de Macedo foge à regra dos super-heróis míticos que eram tradição no Romantismo, mas, nem por isso deixam de ser seres de extremo encanto. Os homens possuem um caráter conservador, muita coragem, fidelidade e honestidade. As jovens heroínas possuem ar de entidades sobre-humanas, idealizadas, quase divindades, seguindo, neste sentido, os padrões femininos valorizados pelo Romantismo.
Por fim, podemos dizer que Joaquim Manuel de Macedo, foi um homem com ideias novas, mas fidelíssimas ao seu tempo. E hoje, ao analisarmos sua obra percebemos a sua importância em ser um pelo ponto de vista sociológico, documento dos modos de sentir e viver de uma época, além de nos deixar claro seu momento literário. Suas histórias ainda hoje nos prende a atenção; e a travessa e simpática Carolina também nos faz reler A Moreninha, sendo esse um mérito que o nosso espalhafatoso autor atemporal conseguiu ao escrever esse envolvente romance urbano, tornando-se popular entre os leitores brasileiros, e preparando o terreno, ainda no século XIX, para autores como José de Alencar e Machado de Assis.
Duas palavras
Eis aí vão algumas páginas escritas, às quais me atrevi a dar o nome de romance[1]. Não foi ele movido por nenhuma dessas três poderosas inspirações que tantas vezes soem aparar as penas dos autores: glória, amor e interesse. Desse último estou eu bem a coberto com[2] meus vinte e três anos de idade, que não é na juventude que pode ele dirigir o homem; da glória, só se andasse ela caída de suas alturas, rojando[3] asas quebradas, me lembraria eu, tão pela terra que rastejo, de pretender ir apanhá-la. A respeito do amor não falemos, pois se me estivesse o buliçoso[4] a fazer cócegas no coração, bem sabia eu que mais proveitoso me seria gastar meia dúzia de semanas aprendendo numa sala de dança, do que velar trinta noites[5] garatujando[6] o que por aí vai. Este pequeno romance deve sua existência somente aos dias de desenfado[7] e folga que passei no belo Itaboraí[8], durante as férias do ano passado. Longe do bulício[9] da corte e quase em ócio, a minha imaginação assentou lá consigo que bom ensejo era esse de fazer travessuras e em resultado delas saiu a Moreninha.
Dir-me-ão que o ser a minha imaginação traquinas não é um motivo plausível para vir eu maçar[10] a paciência dos leitores com uma composição balda[11] de merecimento e cheia de irregularidades e defeitos; mas que querem? Quem escreve olha a sua obra como seu filho, e todo o mundo sabe que o pai acha sempre graças e bondades na querida prole.
Do que vem dito concluir-se-á que a Moreninha é minha filha: exa- tamente assim penso eu.
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