Infelizmente, nada esquecerei, nem sua solicitude em zelar por mim como uma mãe zela pelo filho, nem, sobretudo, a nobre confiança de nossas conversas fraternas, a delicadeza de seus procedimentos; seduções contra as quais ficamos sempre desarmados. Milorde, está fora do meu poder recompensá-lo...”
Dito isso, Júlia afastou-se vivamente e Lorde Grenville não fez nenhum movimento para detê-la; a marquesa foi até uma pedra não muito distante e ali permaneceu imóvel; as emoções de ambos foram um segredo para eles mesmos; certamente choraram em silêncio; os cantos dos pássaros, tão alegres, tão pródigos de expressões ternas ao sol poente, devem ter aumentado a violenta comoção que os havia forçado a separar-se: a natureza encarregava-se de exprimir-lhes um amor do qual não ousavam falar.
– Pois bem, milorde, retomou Júlia colocando-se diante dele numa atitude cheia de dignidade que lhe permitiu pegar a mão de Arthur, pedir-lhe-ei para conservar pura e santa a vida que me restituiu. Deixaremos aqui de nos ver. Sei – disse em seguida, vendo Lorde Grenville empalidecer – que, como preço de sua devoção, vou exigir-lhe um sacrifício ainda maior que aqueles cuja extensão deveria ser melhor reconhecida por mim... Mas é preciso... o senhor não permanecerá na França. Ordenar-lhe isto não é dar-lhe direitos que serão sagrados?, ela acrescentou, pondo a mão do jovem sobre seu coração palpitante.
– Sim, disse Arthur levantando-se.
Nesse momento ele mostrou d’Aiglemont, que carregava a filha nos braços e apareceu do outro lado de um caminho junto à balaustrada do castelo. Tinha levado a pequena Helena até lá para brincar.
– Júlia, não lhe falarei do meu amor, nossas almas compreendem-se demasiado bem. Por mais profundos e secretos que tenham sido os prazeres do meu coração, você os partilhou todos. Isso eu sinto, sei e percebo. Agora, adquiro a deliciosa prova da constância de nossos corações, mas me afastarei... Diversas vezes calculei muito habilmente os meios de matar esse homem, mas sempre resisti a tal ideia, contanto que estivesse perto de você.
– Tive o mesmo pensamento, disse ela deixando transparecer em seu rosto perturbado as marcas de uma dolorosa surpresa.
Mas havia tanta virtude, tanta autoconfiança e tantas vitórias secretamente obtidas sobre o amor na voz e no gesto que escaparam a Júlia que Lorde Grenville ficou tomado de admiração. A sombra mesma do crime dissipara-se nessa ingênua consciência. O sentimento religioso que dominava aquela bela fronte haveria sempre de expulsar os maus pensamentos involuntários que nossa imperfeita natureza engendra, mas que mostram ao mesmo tempo a grandeza e os perigos de nosso destino.
– Então, ela prosseguiu, ter-me-ia exposto a seu desprezo e ter-me-ia salvo. Mas – acrescentou baixando os olhos – perder sua estima não seria morrer?
Os dois heroicos enamorados ficaram ainda em silêncio por um momento, refletindo sobre suas penas: seus pensamentos, bons e maus, eram fielmente os mesmos, e eles entendiam-se tanto em seus íntimos prazeres quanto em suas dores mais secretas.
– Não devo me queixar, o infortúnio de minha vida é obra minha, ela disse erguendo para o céu olhos cheios de lágrimas.
– Milorde! – d’Aiglemont gritou e fez um gesto do lugar onde estava –, foi ali que pela primeira vez nos encontramos. Talvez não se lembre. Veja, lá embaixo, perto daqueles álamos.
O inglês respondeu com uma brusca inclinação de cabeça.
– Eu deveria morrer jovem e infeliz, prosseguiu Júlia. Sim, não creia que vou viver. A tristeza será tão mortal quanto podia ter sido a doença da qual você me curou. Não me considero culpada. Não, os sentimentos que passei a ter por você são irresistíveis, eternos, mas também involuntários, e quero permanecer virtuosa. Assim permanecerei ao mesmo tempo fiel à minha consciência de esposa, a meus deveres de mãe e aos desejos de meu coração. Escute, disse ela com a voz alterada, nunca mais pertencerei a esse homem, nunca mais. E, num gesto espantoso de horror e de verdade, Júlia apontou-lhe o marido. – As leis do mundo, continuou, exigem que eu lhe faça a existência feliz e obedecerei: serei sua escrava; minha devoção por ele será sem limites, mas a partir de agora sou viúva. Não quero ser uma prostituta nem aos meus olhos nem aos olhos do mundo; se não pertenço mais ao sr. d’Aiglemont, jamais pertencerei a um outro. Você só terá de mim o que já obteve. Eis a sentença que imponho a mim mesma, disse ela olhando Arthur com altivez. Ela é irrevogável, milorde.
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