Mal teve tempo de fechar a porta do quarto de vestir, e Lorde Grenville ainda não tinha podido desprender a mão. O general de fato reapareceu, mas a marquesa enganara-se: o motivo era uma preocupação pessoal.

– Podes emprestar-me um lenço de seda? O idiota do Carlos deixa-me sem um único lenço. Nos primeiros dias de nosso casamento, ocupavas-te das minhas coisas com tanta minúcia que me aborrecias. Ah! a lua de mel não durou muito para mim nem para minhas gravatas. Agora estou entregue ao braço secular dessa gente que se ri de mim.

– Tome, aqui está um lenço. Não entrou no salão?

– Não.

– Talvez tivesse ainda encontrado Lorde Grenville.

– Ele está em Paris?

– Aparentemente.

– Oh! vou até lá ver o bom doutor.

– Mas ele deve ter partido, exclamou Júlia.

O marquês estava nesse momento no meio do quarto da esposa e experimentava o lenço, olhando-se com complacência no espelho.

– Não sei onde está nossa criadagem, ele disse. Chamei Carlos pela campainha três vezes e ele não veio. E onde está sua criada de quarto? Chame-a, gostaria de ter esta noite mais um cobertor em minha cama.

– Paulina saiu, respondeu secamente a marquesa.

– À meia-noite?, perguntou o general.

– Dei-lhe permissão para ir ao teatro.

– Estranho!, retomou o marido enquanto retirava o lenço, julguei vê-la ao subir a escada.

– Então ela já deve ter voltado, disse Júlia fingindo impaciência.

Depois, para não despertar nenhuma suspeita no marido, a marquesa puxou o cordão da campainha, mas fracamente.

Nem todos os acontecimentos desta noite são perfeitamente conhecidos; mas todos devem ter sido tão simples e tão horríveis quanto os incidentes vulgares e domésticos que os precederam. No dia seguinte, a marquesa recolheu-se ao leito por vários dias.

– Que aconteceu de tão extraordinário em tua casa para que todos falem de tua esposa?, perguntou o sr. de Ronquerolles ao sr. d’Aiglemont alguns dias após essa noite de catástrofes. – Creia em mim, permaneça solteiro, disse o sr. d’Aiglemont. Pegou fogo na cortina do leito onde Helena dormia; minha mulher sofreu tal abalo que ficará doente por um ano, diz o médico. Você se casa com uma mulher bonita, ela enfeia; você julga-a apaixonada, ela é fria; ou então, fria na aparência, está realmente tão apaixonada que acaba por matá-lo ou desonrá-lo. Numa hora, a criatura mais doce é caprichosa, e as caprichosas jamais são doces; noutra hora, a jovem que parecia boba e frágil manifesta contra você uma vontade de ferro, um espírito demoníaco. Estou farto do casamento.

– Ou de tua mulher.

– Isso seria difícil. A propósito, não queres acompanhar-me até Saint-Thomas-d’Aquin para o enterro de Lorde Grenville?

– Singular passatempo. Mas, acrescentou Ronquerolles, sabe-se afinal a causa de sua morte?

– Seu criado diz que ele ficou uma noite inteira no peitoril de uma janela para salvar a honra de sua amante; e fez um frio dos diabos nos últimos dias!

– Essa devoção seria muito estimável entre nós, velhas raposas; mas Lorde Grenville é jovem e... inglês. Esses ingleses querem sempre ser diferentes.

– Ora!, respondeu d’Aiglemont, esses rasgos de heroísmo dependem da mulher que os inspira, e não foi certamente por causa da minha que esse pobre Arthur morreu!



[1] Com o braço estendido, ele mostra a Napoleão o exército inimigo derrotado. (N.T.)

[2] Libertinos do século XVIII. (N.T.)

[3] Durante o exílio dos Cem Dias. (N.T.)

II

Sofrimentos desconhecidos

Entre o pequeno rio Loing e o Sena, estende-se uma vasta planície delimitada pela floresta de Fontainebleau, pelas cidades de Moret, Nemours e Montereau. Apenas raros montículos se oferecem à vista nessa árida região; às vezes, no meio dos campos, alguns capões servem de abrigo aos animais; fora isso, por toda parte veem-se aquelas linhas sem-fim, amarelas ou cinzentas, próprias dos horizontes da Sologne, da Beauce e do Berri. No meio dessa planície, entre Moret e Montereau, o viajante avista um velho castelo chamado Saint-Lange, cujos arredores não carecem de grandeza nem de majestade. Há magníficas alamedas de olmos, fossos, longas muralhas, jardins imensos, além dos vastos prédios senhoriais que, para serem construídos, exigiam os benefícios dos impostos extraordinários, os do fisco, os peculatos autorizados, ou as grandes fortunas aristocráticas hoje destruídas pelo martelo do Código Civil. Se um artista ou um sonhador viesse a perder-se por acaso nos caminhos de profundos sulcos ou nas terras duras de lavrar que defendem o acesso à região, ele se perguntaria por que capricho esse poético castelo foi construído nessa savana de trigo, nesse deserto de cré, de marga e de areia, onde a alegria morre, onde a tristeza nasce infalivelmente, onde a alma é incessantemente fatigada por uma solidão sem voz, por um horizonte monótono, belezas negativas, mas favoráveis aos sofrimentos que não querem consolo.

Uma mulher jovem, célebre em Paris por sua graça, por sua figura, por seu espírito, e cuja posição social, cuja fortuna estavam de acordo com sua alta celebridade, veio, para o grande espanto da pequena aldeia, situada a uma milha de Saint-Lange, estabelecer-se ali no final do ano de 1820[1]. Já fazia um tempo imemorial que os agricultores e os camponeses não viam senhores no castelo.