No entanto, a sociedade tolera, encoraja a união imediata, bem mais horrível, de uma moça cândida e de um homem que ela conheceu há três meses; ela é vendida para o resto da vida. É verdade que o preço é alto! Se ao menos, não lhes permitindo compensação alguma a suas dores, as honrassem... Mas não! O mundo calunia as mais virtuosas dentre nós. Esse é o nosso destino, visto em suas duas faces: uma prostituição pública e a vergonha, uma prostituição secreta e a infelicidade. Quanto às pobres moças sem dote, elas enlouquecem, morrem; para essas não há piedade! A beleza, as virtudes nada valem no bazar humano, e chamamos Sociedade esse antro de egoísmo. Pois que deserdem as mulheres! Assim os homens cumprirão ao menos uma lei da natureza escolhendo suas companheiras, desposando-as segundo os desejos do coração.

– Senhora, suas palavras provam que nem o espírito de família nem o espírito religioso a comovem. Assim não hesitará entre o egoísmo social que a fere e o egoísmo da criatura que a fará desejar prazeres...

– Será que a família existe, senhor? Nego a família numa sociedade que, à morte do pai ou da mãe, partilha os bens e diz a cada um para cuidar de si. A família é uma associação temporária e fortuita que a morte prontamente dissolve. Nossas leis destruíram as casas, as heranças, a perenidade dos exemplos e das tradições. Só vejo escombros ao meu redor.

– A senhora só retornará a Deus quando sentir o peso de sua mão, e espero que tenha tempo suficiente para fazer as pazes com ele. A senhora busca um consolo baixando os olhos à terra, em vez de erguê-los para o céu. O filosofismo e o interesse pessoal dominaram seu coração; está surda à voz da religião, como o estão os filhos deste século sem crença! Os prazeres do mundo só engendram sofrimentos. Irá apenas mudar de dores, eis tudo.

– Espero desmentir sua profecia, disse ela sorrindo com amargura; serei fiel àquele que morreu por mim.

– A dor, tornou o cura, só é viável nas almas preparadas pela religião.

Ele baixou respeitosamente os olhos para não deixar transparecer as dúvidas que podiam se manifestar em seu olhar. A energia das queixas escapadas à marquesa o contristara. Reconhecendo o eu humano em suas múltiplas formas, desesperou de amolecer aquele coração que o mal havia secado, e no qual o grão do semeador celeste não haveria de germinar, pois sua doce voz era abafada pelo grande e terrível clamor do egoísmo. Todavia, mostrou a constância do apóstolo e retornou várias vezes, sempre movido pela esperança de reconduzir a Deus aquela alma tão nobre e orgulhosa; mas desistiu ao perceber que a marquesa só gostava de conversar com ele porque lhe era agradável falar daquele que não existia mais. Não quis rebaixar seu ministério fazendo-se condescendente a uma paixão; cessou os diálogos e gradualmente voltou às fórmulas e aos lugares-comuns da conversação. A primavera chegou. A marquesa encontrou distrações em sua profunda tristeza ocupando-se de suas terras e comprazendo-se em ordenar alguns trabalhos. No mês de outubro, deixou seu velho castelo de Saint-Lange, onde restaurara-se na ociosidade de um sofrimento que, a princípio violento como um disco lançado com força, acaba por amortecer-se na melancolia, como cessa o disco após oscilações gradualmente mais fracas. A melancolia compõe-se de uma série de semelhantes oscilações morais, em que a primeira beira o desespero e a última o prazer; na juventude, é o crepúsculo da manhã; na velhice, o da tarde.

Quando sua caleche passou pela aldeia, a marquesa recebeu a saudação do cura, que voltava da igreja ao presbitério; mas, ao responder-lhe, baixou os olhos e desviou a cabeça para não vê-lo. O padre tinha razão de sobra contra essa pobre Artemisa de Éfeso[2].



[1] Trata-se de um erro de Balzac, pois, pela cronologia do romance, a data não poderia ser anterior a 1823. (N.T.)

[2] Rainha de Halicarnasso, símbolo de fidelidade conjugal. Mandou construir para seu marido Mausolo um magnífico túmulo (donde o nome mausoléu). (N.T.)

III

Aos trinta anos

Um jovem de grande futuro, e que pertencia a uma dessas casas históricas cujos nomes estarão sempre, a despeito mesmo das leis, intimamente ligados à glória da França, encontrava-se num baile na casa da sra. Firmiani. Essa dama dera-lhe algumas cartas de recomendação para duas ou três amigas em Nápoles. O sr. Carlos de Vandenesse, assim chamava-se o jovem, vinha agradecer-lhe e despedir-se.