Foi quando me levantei e a puxei pela orelha. Ela é uma graciosa jovem rechonchuda e tenho o costume de demonstrar meu apreço pessoal por uma garota dessa maneira.
— O que há de errado agora? — disse eu mais uma vez.
— Rosanna está atrasada para o jantar novamente — disse Nancy. — E eu é que tenho que ir buscá-la. Sobra para mim todo o trabalho nesta casa. Deixe-me em paz, Sr. Betteredge.
A pessoa aqui mencionada como Rosanna era nossa segunda arrumadeira. Tendo um pouco de pena de nossa segunda arrumadeira (logo saberão por que), e vendo no rosto de Nancy que ela iria buscar sua colega com mais palavras duras do que seria necessário, dadas as circunstâncias, dei-me conta de que eu não tinha nada de especial a fazer, e que poderia eu próprio ir buscar Rosanna, dando-lhe a dica para que fosse pontual no futuro, o que eu sabia que ela receberia bem se viesse de mim.
— Onde está Rosanna? — perguntei.
— Nas dunas, é claro! — disse Nancy, com um meneio de cabeça. — Ela teve outro de seus ataques de desmaios esta manhã e pediu para sair e respirar algum ar puro. Não tenho paciência com ela!
— Volte para seu jantar, minha menina — disse eu. — Eu tenho paciência com ela e vou buscá-la.
Nancy (que tem um ótimo apetite) pareceu contente. Quando parece contente, fica bonita. Quando fica bonita, eu a afago no queixo. Não se trata de imoralidade — apenas hábito.
Bem, peguei minha bengala e dirigi-me para o banco de areia.
Não! Não é certo que eu vá agora. Sinto detê-los mais uma vez; mas realmente devem ouvir a história das dunas e a história de Rosanna, pois o episódio do Diamante tem estreita relação com ambas. Como tento continuar meu depoimento sem parar no caminho, e como consigo mal! Mas, afinal, Pessoas e Coisas surgem de modo muito inquietante nessa vida e acabam por insistir em ser notadas. Tenhamos calma e sejamos breves; logo alcançaremos o âmago do mistério, eu lhes prometo!
Rosanna (para colocar a Pessoa antes da Coisa, o que não passa de boa educação) era a única criada nova em nossa casa. Cerca de quatro meses antes da época sobre a qual escrevo, minha senhora havia ido a Londres e visitara na ocasião um reformatório, pretendendo impedir algumas mulheres de voltarem ao mau caminho depois de sua saída da prisão. A diretora, vendo que minha senhora se interessava pelo lugar, apontou para uma garota chamada Rosanna Spearman, e lhe contou uma história muito triste, que eu não tenho coragem de repetir aqui, pois não aprecio ficar triste sem motivo, não mais do que os senhores. O resumo da história era que Rosanna Spearman havia sido uma ladra, e por não ser uma daquelas que roubam Companhias na City, em vez de roubar apenas de um, a lei a havia pego, e a prisão e o reformatório seguiram o braço da lei. A opinião da diretora sobre Rosanna (a despeito do que ela havia feito) era que a garota era uma entre mil, e que esperava apenas uma chance para se mostrar digna do interesse de qualquer cristã. Minha senhora (sendo inteiramente cristã) respondeu à diretora:
— Rosanna Spearman vai ter sua chance, a meu serviço.
Uma semana depois, Rosanna Spearman entrou nesta casa como segunda arrumadeira.
Ninguém soube da história da garota, exceto a senhorita Rachel e eu. Minha senhora, dando-me a honra de consultar-me sempre em quase tudo, consultou-me sobre Rosanna. Cada vez mais inclinado, ao modo do falecido Sir John, a sempre concordar com minha senhora, concordei com ela entusiasticamente a respeito de Rosanna Spearman.
Nenhuma garota teve chance mais justa do que a que foi dada a essa nossa pobre garota. Nenhum dos criados podia condená-la por sua vida pregressa, pois nenhum dos criados a conhecia. Ela tinha seu salário e seus privilégios, assim como o resto dos criados; e de quando em quando tinha uma palavra boa de minha senhora, em particular, para encorajá-la. Em troca, mostrava-se, devo dizer, muito digna do bom tratamento que recebia. Embora longe de ser forte, e por vezes atormentada pelas crises de desmaios já mencionadas, cumpria suas obrigações de forma modesta e sem reclamar, com cuidado e bem. Mas, por alguma razão, não conseguia fazer amigas entre as outras criadas, com exceção de minha filha Penélope, que sempre tratava Rosanna com gentileza, embora não fosse íntima dela.
Eu desconhecia a razão que afastava a garota dos outros criados. Certamente não havia nela beleza capaz de causar a inveja das outras; era a mulher menos bonita da casa, com a mazela adicional de ter um ombro mais alto que o outro. Penso que aquilo de que os criados se ressentiam era principalmente sua língua silenciosa e seus modos solitários.
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