Ao dizê-Ias, ela fazia um pequeno trejeito que logo se transformava em beijo. Tão depressa como adormecera ainda há pouco, com a mesma rapidez despertava.

Esse enriquecimento real, esse progresso autônomo de Albertine não eram a causa importante da diferença existente entre o meu modo de vê-la agora e o meu modo de vê-la a princípio em Balbec, como não o eram também o meu deslocamento no tempo, e nem o fato de olhar uma moça sentada junto a mim sob a lâmpada que a ilumina de modo diferente do que o sol quando ela vinha caminhando pela praia. Muito mais tempo teria podido separar as duas imagens sem trazer uma mudança tão completa; ela ocorrera, essencial e repentina, quando eu soubera que minha amiga praticamente fora educada pela amiga da Srta. Vinteuil. Se antigamente eu me exaltara julgando perceber mistério nos olhos de Albertine, agora sentia-me feliz apenas nos momentos em que desses olhos, e até dessas mesmas faces, refletidoras como olhos, às vezes tão calmas mas rapidamente intratáveis, eu lograva expulsar todo mistério. A imagem que eu buscava, em que descansava, contra a qual desejaria morrer, não era mais a de Albertine de uma vida desconhecida, era a de uma Albertine tão conhecida de mim quanto possível (e é por isso que este amor não poderia ser duradouro, a menos que permanecesse infeliz, pois por definição não satisfazia a necessidade de mistério), uma Albertine que não refletisse um mundo distante, que não desejasse outra coisa-de fato, havia instantes em que aquilo parecia ser assim-senão estar comigo, inteiramente semelhante a mim, uma Albertine imagem do que precisamente era meu e não do desconhecido. Quando é assim de uma hora angustiada relativa a uma criatura, quando é da incerteza de poder ou não retê-la que nasceu um amor, este amor traz a marca da revolução que o criou, e lembra muito pouco o que tínhamos visto até então quando pensávamos nessa mesma criatura. E minhas primeiras impressões diante de Albertine, à beira das ondas, podiam subsistir numa pequena parte em meu amor por ela; na realidade, tais impressões anteriores ocupam muito pouco lugar num amor desse gênero; em sua força, em seu sofrimento, em sua necessidade de doçura e seu refúgio numa lembrança tranqüila, apaziguadora, a que desejaríamos ater-nos, sem nada mais saber sobre aquela a quem amamos, mesmo se houvesse alguma coisa odiosa a saber bem mais até, não consultar senão essas impressões anteriores -, um tal amor é feito de coisa bem diversa! Às vezes eu apagava a luz antes que ela voltasse. Era na escuridão, mal guiada pela luz de um tição na lareira, que ela se deitava a meu lado.

Minhas mãos, minhas faces, eram os únicos que a reconheciam sem que meus olhos a vissem, meus olhos que muitas vezes temiam encontrá-la mudada. De modo que, graças a esse amor cego, ela se sentia talvez mais rodeada de carinho do que habitualmente.

Eu me despia, deitava-me, e, com Albertine sentada num canto da cama, recomeçávamos nossa partida ou a conversação interrompida por beijos; e, no desejo, única coisa que nos faz achar interesse na existência e no caráter de uma pessoa, ficamos tão fiéis à nossa natureza (se, em compensação, abandonamos sucessivamente as diversas criaturas amadas por nós mesmos, uma após outra) que, uma vez avistando-me no espelho no momento em que beijava Albertine chamando-a de "minha filhinha", a expressão triste e apaixonada de minha própria fisionomia, semelhante à que teria sido outrora junto de Gilberte, de que já não me recordava, à que talvez fosse um dia junto de outra se alguma vez devesse esquecer Albertine, fez-me pensar que, acima das considerações pessoais (querendo o instinto que considerássemos a atual como a única verdadeira), eu preenchia os deveres de uma devoção ardente e dolorosa, dedicada como uma oferenda à juventude e à beleza da mulher. E contudo, a esse desejo que honrava com um ex-voto a juventude, bem como às lembranças de Balbec, misturava-se, à minha necessidade de assim conservar todas as noites Albertine junto a mim, alguma coisa que até então fora estranha à minha vida, pelo menos à vida amorosa, se não fosse inteiramente nova em minha vida. Era um tamanho poder de alívio como eu jamais havia experimentado desde os dias longínquos de Combray, quando minha mãe, debruçada sobre meu leito, vinha me trazer o repouso num beijo. Por certo eu ficaria bem espantado, naquela época, se me houvessem dito que eu não era inteiramente bom e sobretudo que tentaria alguma vez privar alguém de um prazer. Sem dúvida, eu me conhecia bem mal então, pois meu prazer de ter Albertine morando em minha casa era muito menos um prazer positivo do que o de ter retirado do mundo, onde cada um poderia desfrutá-la por seu turno, a moça em flor que, se pelo menos não me dava muita alegria, também não a dava aos outros. A ambição e a glória teriam me deixado indiferente. Mais ainda, eu era incapaz de sentir ódio. E, no entanto, para mim, amar carnalmente era o mesmo que triunfar sobre numerosos concorrentes. Nunca será demais repetir: era acima de tudo um alívio.

Antes que Albertine regressasse, por mais que tivesse duvidado dela, por mais que a tivesse imaginado no quarto de Montjouvain, tão logo ela se sentava de peignoir diante de minha poltrona, ou se, como era mais freqüente, eu ficara deitado nos pés da cama, logo lhe transmitia as minhas dúvidas, confiava-as, para que ela as dissipasse, na abdicação de um crente que faz a sua oração. Durante todo o serão ela pudera, maliciosamente enrodilhada na minha cama, brincar comigo feito uma grande gata; seu narizinho róseo, que ela fazia ainda mais diminuto na ponta com um olhar faceiro que lhe dava a finura privilegiada de certas pessoas um tanto gordas, conseguira dar-lhe uma aparência rebelde e inflamada; pudera deixar cair uma mecha de seus longos cabelos negros sobre o rosto de cera rosada e, semicerrando os olhos, descruzando os braços, parecera dizer-me: "Faze de mim o que quiseres."

Quando, no momento de me deixar, aproximava-se de mim para me dar boa-noite, era a doçura quase familiar que eu beijava dos dois lados do seu pescoço firme, que então eu nunca achava por demais moreno nem de granulação suficientemente grossa, como se tais sólidas qualidades estivessem relacionadas em Albertine com alguma bondade leal.

- Virá conosco amanhã, grande malvado? - perguntava antes de me deixar.

- Aonde vai?

- Isto dependerá do tempo e de você. Ao menos escreveu alguma coisa esta tarde, queridinho?

Não? Então não adiantou de nada não ter vindo passear. A propósito, agora há pouco, quando cheguei, você reconheceu meu jeito de andar, adivinhou que era eu?

- Naturalmente. Como poderia me enganar? Como não reconheceria entre mil o andar da minha gatinha? Que ela me permita descalçá-la antes que vá deitar-se, isto me daria muito prazer. Você é tão gentil e tão rosada em toda essa brancura de rendas.

Tal era a minha resposta; no meio das expressões carnais, reconhecer-se-ão outras que eram próprias à minha mãe e à minha avó.