Os maridos enganados que não sabem de nada, ainda assim sabem de tudo. Mas é necessário um dossiê mais materialmente documentado para estabelecer uma cena de ciúme. Além disso, se o ciúme nos ajuda a descobrir, na mulher que amamos, uma certa propensão a mentir, ele centuplica essa propensão quando a mulher já descobriu que somos ciumentos. Ela mente (nas mesmas proporções em que nunca nos mentiu antes), seja por piedade ou medo, ou se furta instintivamente por uma fuga simétrica às nossas investigações.
Decerto existem amores em que, desde o começo, uma mulher leviana afetou ser virtuosa aos olhos do homem que a ama. Mas quantas outras compreendem dois períodos perfeitamente contrastantes! No primeiro, a mulher fala quase com facilidade, com simples atenuantes, sobre o seu gosto pelo prazer pela vida galante que ele lhe proporcionou, coisas essas que negará inteiramente a seguir, com a máxima energia, ao mesmo homem, mas porque o percebeu enciumado dela e a espiona-la. Ela chega a ter saudades do tempo daquelas primeiras confidências, mas cuja lembrança o tortura. Se a mulher ainda as fizesse lhe forneceria, quase por si mesma, o segredo das culpas que ele persegue inutilmente todos os dias. E depois, que entrega não provaria isso, que confiança, que amizade! Se ela não pode viver sem engana-lo, pelo menos o enganaria como amiga, relatando-lhe seus prazeres, associando-o a eles. E ele lamenta semelhante vida que os começos de seu amor pareciam esboçar, que a sua continuação tornou impossível, transformando esse amor em algo atrozmente doloroso, que tornará uma separação, conforme o caso, inevitável ou impossível.
Às vezes a escrita em que eu decifrava as mentiras de Albertine, sem ser ideográfica, necessitava simplesmente ser lida às avessas; foi assim que naquela noite ela me lançara com ar negligente esta mensagem destinada a passar quase despercebida:
- É possível que amanhã eu vá à casa dos Verdurin, não sei absolutamente se irei, não tenho muita vontade.-
Anagrama infantil desta confissão: "Amanhã irei à casa dos Verdurin, é absolutamente certo, pois dou muita importância a isso." Esta aparente hesitação significava uma vontade resolvida e tinha por finalidade diminuir a importância da visita pelo fato de me anuncia-la. Albertine sempre usava o tom dúbio para as resoluções irrevogáveis. A minha não o era menos: eu trabalharia para que a visita à Sra.
Verdurin não se realizasse. Muitas vezes, o ciúme não passa de uma necessidade inquieta de tirania aplicada às coisas do amor. Sem dúvida eu herdara de meu pai esse brusco desejo arbitrário de ameaçar as criaturas que eu mais amava nas esperanças em que se embalavam com uma segurança que eu queria mostrar-lhes ser ilusória; quando eu via que Albertine havia combinado, à minha revelia, ocultando de mim, o plano de um passeio que eu teria feito tudo no mundo para torna-lo mais fácil e mais agradável se ela me houvesse confidenciado, eu dizia com negligência, para fazê-la tremer, que esperava sair nesse dia.
Pus-me a sugerir a Albertine outros objetivos de passeio que teriam tornado impossível a visita aos Verdurin, em palavras carregadas de uma fingida indiferença sob a qual eu tentava disfarçar meu nervosismo. Mas ela já a havia despistado. E meu sentimento encontrava nela a força elétrica de uma vontade oposta que o repelia com vivacidade; nos olhos de Albertine, eu via essa força soltar suas faíscas. De resto, de que adiantava cuidar do que diziam as pupilas naquele instante? Como é que eu não havia percebido há muito que os olhos de Albertine pertenciam à família dos que (mesmo numa pessoa medíocre) parecem feitos de vários pedaços, por causa de todos os lugares onde ele deseja encontrar-se e ocultar que quer achar-se nesse dia? Olhos, por mentira sempre imóveis e passivos, mas dinâmicos, mensuráveis pelos metros e quilômetros que é preciso transpor para chegar ao local do encontro marcado, implacavelmente marcado, olhos que sorriem menos ainda ao prazer que os seduz do que se aureolam da tristeza e do desânimo de que talvez existam obstáculos para ir a esse encontro.
Entre nossas próprias mãos, tais seres são criaturas em fuga. Para compreender as emoções que causam e que outros seres até mais belos não causam, e preciso calcular que eles estão, não imóveis, mas em movimento, e acrescentar à sua pessoa um sinal correspondente ao que em física é o sinal que indica velocidade.
Se perturbamos o seu dia, eles nos confessam o prazer que nos tinham ocultado: "Queria tanto ir tomar chá às cinco horas com tal pessoa amiga!" Pois bem, se seis meses depois acabamos conhecendo a pessoa em questão, saberemos que nunca a moça, cujos projetos transtornáramos, e que, apanhada em flagrante nos confessara, para que a deixássemos livre, o chá que assim tomava com uma pessoa querida todos os dias à hora em que não a víamos, saberemos que essa pessoa nunca a recebeu, que elas jamais tomaram chá juntas, que a moça dizia viver muito presa exatamente por nossa culpa.
Assim, a pessoa com quem ela confessara que ia tomar chá, com quem ela suplicara que a deixássemos tomar chá, essa pessoa, razão confessada pela necessidade, não era aquela mas outra, e não se tratava de chá mas de outra coisa! Outra coisa, o quê? Uma outra, quem? Ai de nós, os olhos fragmentados, tristes, partindo para longe, talvez permitissem medir as distâncias, mas não indicam as direções. Estende-se o campo infinito das possibilidades e se, por acaso, o real se apresentava diante de nós, estaria de tal modo tão fora dos possíveis que, num súbito aturdimento, cairíamos para trás, indo bater contra essa parede inesperada. O movimento e a fuga verificados nem sequer são indispensáveis, basta que os induzamos. Ela nos havia prometido uma carta, estávamos tranqüilos, já não a amávamos.
A carta não chegou, nenhum correio a trouxe, "que se passa?", a ansiedade renasce e com ela o amor.
São principalmente tais seres que nos inspiram o amor, para nosso tormento. Pois cada nova ansiedade que sentimos por causa deles, rouba-lhes aos nossos olhos um pouco de sua personalidade.
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