– Da última vez que a vi, você estava comprando um piano. Lembra, o piano, o quarto no sótão, as grandes plantas com espinhos?

Sim, e minhas tias disseram que o piano entraria pelo térreo, mas na idade delas a gente não se importa mais de ser assassinada de noite? – perguntou ela.

Faz pouco tempo tive notícias de tia Bessie – afirmou Helen. – Ela receia que você vá estragar seus braços se insistir em se exercitar tanto ao piano.

Os músculos do antebraço... e aí a gente não consegue arrumar marido?

Ela não pôs a questão dessa maneira – respondeu Mrs. Ambrose.

Ah, não. Claro, ela não faria isso – disse Rachel com um suspiro.

Helen contemplou-a.Seu rosto era antes fraco do que decidido, e só não era insípido por causa dos grandes olhos interrogativos; tendo-lhe sido negada a beleza, agora que estava abrigada dentro de casa, pela falta de cor e contornos definidos. Mais que isso, uma hesitação ao falar, ou uma tendência a usar as palavras erradas, faziam com que parecesse mais incompetente do que o normal para sua idade. Mrs. Ambrose, que andara falando coisas casuais, agora refletiu que certamente não esperava com ansiedade pela intimidade de três ou quatro semanas a bordo do navio. Mulheres de sua idade habitualmente a entediavam, e ela supunha que uma mocinha seria ainda pior. Lançou mais um olhar a Rachel. Sim! Como estava claro que ela seria vacilante, emotiva, e quando lhe dissessem alguma coisa não faria impressão mais duradoura do que o golpe de um bastão na água. Não havia nada que se arraigasse em mocinhas – nada sólido, permanente, satisfatório. Willoughby disse três semanas ou quatro? Ela tentou lembrar.

Mas a essa altura a porta abriu-se e um homem alto e robusto entrou no quarto, avançou e apertou a mão de Helen com uma espécie de cordialidade emocionada. O próprio Willoughby, pai de Rachel, cunhado de Helen.Como teria sido necessária grande quantidade de carne para torná-lo um homem gordo, pois sua ossatura era muito grande, não era gordo; seu rosto também era grande, parecendo, pelas feições estreitas e o brilho na face encovada, mais adequado para resistir aos ataques do cli-ma do que para expressar sentimentos e emoções ou para reagir a emoções alheias.

– É um grande prazer você ter vindo – disse ele – para nós dois. Rachel murmurou alguma coisa obedecendo ao olhar do pai.

– Vamos fazer o que pudermos para que fique confortável. E Ridley também.

– Consideramos uma honra estarmos cuidando dele. Pepper terá alguém para contradizê-lo, coisa que não me atrevo a fazer. Você achou essa criança crescida, hein? Uma jovem mulher, não?

Ainda segurando a mão de Helen ele passou o braço pelo ombro de Rachel, aproximando as duas desconfortavelmente, mas Helen não olhou.

– Você acha que podemos nos orgulhar dela? – perguntou ele.

– Ah, sim – disse Helen.

– Porque esperamos grandes coisas dela – continuou ele, apertando o braço da filha e soltando-a. – Mas falemos de você agora. – Sentaram-se lado a lado no sofazinho.

– Você deixou as crianças bem? Acho que estão na idade de ir à escola. São parecidas com você ou Ambrose? Tenho certeza de que têm boas cabeças.Helen imediatamente iluminou-se mais e explicou que seu filho tinha seis anos e a filha dez.Todo mundo dizia que seu menino era parecido com ela, e a menina, com Ridley.Quanto à cabeça, segundo ela, eram crianças atiladas, e modestamente contou uma pequena história sobre o filho de como, sozinho por um minuto ele pegou uma bolinha de manteiga entre os dedos, correu pela sala e a jogou no fogo –apenas pela brincadeira, sentimento que ela podia entender.

– E você teve de mostrar ao molequezinho que essas coisas não se fazem, hein?

Uma criança de seis anos? Acho que não é importante.

Eu sou um pai antiquado.

Bobagem, Willoughby; Rachel sabe melhor disso.

Por mais que Willoughby certamente tivesse gostado de ser elogiado pela filha, ela não o fez; seus olhos nada espelhavam, como água, seus dedos ainda brincavam com o peixe fossilizado, sua mente ausente. Os mais velhos continuaram falando sobre arranjos para maior conforto de Ridley – uma mesa posta onde ele não deixaria de ver o mar, longe das caldeiras, e ao mesmo tempo protegida de gente passando. A não ser que transformasse isso em férias, com os livros todos em malas, ele jamais teria férias; pois em Santa Marina, Helen sabia por experiência que ele trabalharia o dia todo; disse que as caixas dele estavam lotadas de livros.

Deixe isso comigo... deixe isso comigo! – disse Willoughby, obviamente pretendendo fazer bem mais do que ela lhe pedia. Mas escutaram Ridley e Mr. Pepper mexendo na porta.

Como vai, Vinrace? – disse Ridley, estendendo uma mão sem energia ao entrar, como se o encontro fosse melancólico para os dois, porém mais para ele.

Willoughby preservou sua cordialidade, temperada por respeito. No momento não disseram nada.

– Espiamos e vimos vocês dois rindo – comentou Helen.

Mr. Pepper acaba de contar uma história excelente.

Psst. Nenhuma das histórias foi boa – disse o marido, mal-humorado.

– Ainda um juiz severo, Ridley? – perguntou Mr.Vinrace.– Nós as entediamos tanto que vocês foram embora –

disse Ridley, falando diretamente a sua esposa.Como era verdade, Helen não tentou negar, e comentou:

– Mas não melhoraram nada depois que saímos – um comentário desastrado, porque seu marido agora respondeu abaixando os ombros:

– Pioraram, se é que era possível.

Agora a situação era de grande desconforto para todos, o que se viu pelo longo intervalo de silêncio e constrangimento.